No jornalismo e na análise política é essencial confrontar reportagens e artigos publicados e deles extrair uma síntese e interpretá-la, o que conduz e permite uma tradução plena de seus conteúdos, de suas direções. Convém, para atingir esse objetivo, ler mais de um jornal por dia. Foi o que fiz na sexta-feira, apreciando a reportagem de Martha Beck, Catarina Alencastro, Geralda Doca, Danilo Farielo, Cristiane Jungblut, Eliane Oliveira e Washington Luiz, no Globo, e a de Mariana Carneiro na Folha de São Paulo.
A primeira focaliza a exposição feita pelo ministro Joaquim Levy, refletindo, na teoria, as intenções da presidente Dilma Rousseff de elevar impostos e cortar gastos públicos. A segunda destaca os fortes ataques do ex-presidente Lula contra o projeto de ajuste fiscal esboçado pelo titular da Fazenda.
A divergência, através do cotejo inevitável, torna-se absolutamente nítida e vem à superfície de uma análise objetiva, bastando para isso ler-se os textos com serena atenção.
ROTEIROS TEÓRICOS
O ministro Joaquim Levy, mais uma vez, abordou roteiros teóricos para enfrentar as dificuldades atuais do governo e do país, tentando incorporar o ente chamado mercado como forma de retomar os investimentos na economia. E Luiz Inácio da Silva foi agressivo na defesa do ponto de vista exatamente contrário.
Vamos aos fatos. Levy anunciou, sem entrar em detalhes, que a equipe econômica apresentará até o final deste mês as medidas voltadas para os cortes de gastos e aumentos de impostos para reequilibrar as contas públicas e atingir a meta do superavit primário. O ex-presidente Lula, entretanto, afirmou: “Me assusta muito a visão de todos aqueles que, ao primeiro sintoma de uma crise começam a falar em ajuste”.
E acrescentou: “Ajuste significa corte de salário, corte de emprego.”
NÃO HÁ MÁGICA
O pronunciamento de Lula foi feito em Buenos Aires, onde se encontrava participando de agenda política da presidente Cristina Kirchner em favor de seu candidato às eleições de outubro, Daniel Scioli. Disse ainda, em relação ao governo Dilma, que “em economia não existe mágica, existem palavras como confiança e credibilidade”.
Para Joaquim Levy, a solidez fiscal evita turbulência e representa a base do crescimento da economia. E confirmou sua permanência no ministério: “Minha tarefa ainda não terminou”, disse ele.
Atribuir a Joaquim Levy a tarefa de expor o posicionamento do governo sem dúvida foi a forma política adotada por Dilma Rousseff de fortalecê-lo politicamente em meio à tempestade. O caminho adotado por Lula tornou-se a maneira que julgou mais eficaz e oportuna de se colocar na oposição ao projeto, sem se afastar do PT. Até porque tal hipótese é totalmente impossível.
POLÍTICA É ASSIM
Desestabilizou Joaquim Levy, frontalmente. Mas quis preservar o governo. Uma conciliação de propósitos difícil. Mas política é assim.
Aqueles que são capazes de estranhar as contradições a ponto de rejeitar seus efeitos podem estar certos ou não, dependendo das ocasiões e das versões finais dos episódios. Porém a verdade é que, todos nós, que trabalhamos com análises, temos que nos acostumar às dúvidas. São naturais. Se elas (as dúvidas) não existissem e não se incorporassem ao conhecimento humano, simplesmente não haveria progresso.
O progresso e o processo dependem – e sempre dependerão – das dúvidas que abriram caminho a novas descobertas, e novas etapas, a novos avanços no tempo e no espaço.
Espaço? Sem dúvida, agora, Lula contribuiu em diminuí-lo para o Palácio do Planalto.
15 de setembro de 2015
Pedro do Coutto
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