"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

É O PLANETA, ESTÚPIDO! (OU "CAPITALISMO E DESTRUIÇÃO DO BEM COMUM")



Está acontecendo agora mesmo uma guerra entre aqueles que obram para proteger o bem comum e capitalistas fanáticos, que lutam para privatizar nossa economia, nossa cultura, nossa ecologia, nosso meio ambiente e nosso governo.
Há muito em jogo. O resultado deste conflito vai determinar se viveremos num caos distópico ou numa sociedade civil; se vamos preservar nosso sistema que serve de base à vida natural ou se, como pacientes terminais, dependeremos de aparelhos para sobreviver.
Até o momento, estamos perdendo feio. Os capitalistas estão ganhando, e os poucos que defendemos o bem comum estamos sendo ignorados, marginalizados ou ridicularizados.
Para entender este conflito, precisamos entender o que significa bem comum. Eis uma definição típica: são recursos naturais e culturais acessíveis a todos os membros da sociedade, inclusive matérias naturais como ar, água e um planeta habitável. Estes recursos são propriedade comum e não privada.
Eu proporia uma definição um pouco mais ampla, na qual “recursos culturais” incluiriam as leis, as regulamentações e as normas garantidoras de um mundo sustentável, próspero, justo e equitativo. Mas tudo isso está sob ataque permanente dos capitalistas.
RIQUEZA E OUTRAS INCONGRUÊNCIAS
Estou com medo que você sofra de capitalismo…
Pergunte a qualquer capitalista o que ele entende por economia e ele dirá algo como: “maximização da riqueza” ou “crescimento do PIB”.
Muita gente já se tocou que PIB não é sinônimo de riqueza ou de bem-estar, mas isso ainda não responde à pergunta: o que é riqueza?
A maior parte das definições propostas por economistas diz algo do tipo: aquelas coisas materiais produzidas pelo trabalho que satisfazem desejos humanos e podem ter valor de troca. E, é claro, o “meio de troca” que todos conhecemos e amamos: dinheiro, grana, tutu, moeda corrente. Mas, como indica Chris Martenson, a moeda é uma alegação de riqueza, não tendo nenhum valor intrínseco.
Um dos problemas que isso suscita é que não há limites práticos à moeda. Por exemplo, o valor global do mercado de derivados é de US$ 1,2 quatrilhões.
E a que corresponde essa alegação de riqueza? Bem, a fonte de toda verdadeira riqueza é o capital natural. Sem isso, todo trabalho, toda inventividade e toda iniciativa individual é fundamentalmente inútil. Mas o capital natural, diferentemente da moeda, tem seus limites.
BEM COMUM NATURAL
O simples fato de precificar o Bem Comum em moeda corrente mostra uma fundamental incompreensão do que é verdadeiramente a riqueza e como ela é gerada.
Como, por exemplo, precificar as consequências de não mais ter ar respirável, água potável ou de ter apenas oceanos altamente acidificados? Que valor monetário atribuir ao último recife de coral, ao último sopro de ar fresco, ao último polinizador, à ultima extensão de floresta?
A resposta, obviamente, é que você não pode e provavelmente não deve precificar essas coisas. Denominar coisas que são necessários sustentáculos da vida e cujo estoque é limitado tendo a moeda como referência é como tentar converter ar, água, recursos naturais e clima habitável num maço de dólares. Pouco importa a espessura do maço, isso não dá certo.
Mesmo quando se tenta monetizar o valor do bem comum, como Robert Constanza e outros andaram tentando fazer, verifica-se que o valor anual de apenas 17 serviços ecossistêmicos é maior que toda a economia humana medida em PIB.
O VALOR DAS ABELHAS
Um “serviço ecossistêmico” inclui coisas como o valor das abelhas como agente polinizador, o valor da proteção contra enchentes graças às zonas úmidas costeiras e o valor dos recifes de coral como berçário para frutos do mar comestíveis. Pra quem gosta de cifras, o valor destes 17 serviços ecossistêmicos ascendia a US$ 142.7 trilhões em 2014. E há muito mais que 17 serviços ecossistêmicos dos quais dispomos praticamente de graça, ano após ano. Em comparação, o Produto Mundial Bruto – valor anual de todos os bens e serviços criados pelo homem – é de apenas US$ 76 trilhões.
Incidentalmente, os humanos depredaram cerca de US$ 23 trilhões por ano em serviços ecossistêmicos desde 1997, arruinando zonas costeiras úmidas, destruindo corais e causando outras devastações do bem comum. Essa liquidação em massa de nosso capital natural sequer aparece em nossos indicadores econômicos.
CAPITAL NATURAL
Retomemos a questão do caráter praticamente ilimitado da moeda. Como pode ser isso? Ora, os capitalistas estão especulando em cima de um capital natural que não existe – no fundo, estão roubando cegamente futuras gerações enquanto produzem a maior bolha financeira jamais vista no mundo.
Os capitalistas ficam com a maior parte do botim deste roubo, a gente fica com as migalhas e as futuras gerações pagam a conta. A não ser que, é claro, a natureza decida cobrar a dívida mais cedo que tarde – algo que, dadas as tendências da mudança climática, tornou-se inevitável, e muito antes do que acreditavam os capitalistas.
De fato, é muito provável que a conta chegue mais cedo, pagável em uma década ou duas, e em termos inegociáveis, pouco importando se os sistemas que servem de sustentáculo à vida vão continuar ou não.
A INSANIDADE PERSISTE
Capitalistas cegos ao futuro se apossaram do governo, da mídia e dos termos do debate. E não se trata apenas do bem comum natural. Plutocratas estão privatizando ou tentando privatizar a educação, as prisões, os transportes, a água, a construção de infraestruturas, a administração e a manutenção, o policiamento, os serviços de bombeiros, os programas de saúde, a seguridade social – a lista é infinita.
E não é verdade que o setor privado faça melhor as coisas. Em geral, o setor público fornece melhores serviços a custos comparáveis ou iguais aos dos equivalentes do setor privado. A política de privatizações é para favorecer os lucros de uns poucos gatos pingados em detrimento da vasta maioria da população.
Os serviços públicos eram parte do investimento compartilhado que fizemos para o bem comum. A verdadeira base de nosso governo enraíza-se na ideia de que governos são estabelecidos para garantir o “bem público”, ou a “comunidade”.
Mas desde o famoso “o problema é o inchaço governamental” de Ronnie Reagan, os estadunidenses passaram a se comportar como caipiras vorazes num festival depravado, incapacitando, subfinanciando e desacreditando o governo e transformando o país numa troça de enlouquecidos acólitos de Ayn Rand, que se empobrecem a si mesmos enquanto destroem o capital natural e o direito de nascer de nossos filhos.

24 de junho de 2015
John Atcheson
Common Dreams

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