"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

LINEU, O GRANDE IDIOTA


A cinquentenária Rede Globo manteve no ar, anos a fio, um programa que retratava a vida de uma família de um subúrbio carioca, com personagens bem caracterizados no papel social de cada um. 
Chamava-se “A Grande Família” e o marido, Lineu, representava um burocrata idiota, rigoroso nos detalhes, em quem não se podia reconhecer qualquer particularidade que contribuísse para o aperfeiçoamento da vida, da economia, do aperfeiçoamento das relações sociais. 
O mundo não mudava com Lineu; na verdade, o mundo não muda com Lineus. Eles reproduzem em tudo as suas limitações, seu atraso, sua asnice. Sempre em nome do que entendem que é o certo. São referenciais, sempre.

Na última quarta-feira fui a uma agência dos Correios para fazer a certificação digital de uma empresa; só eu, como seu administrador, poderia fazê-lo e para isso, por necessário e intransferível, me dirigi aos Correios da Savassi. 
O cidadão chega, retira uma senha, se dirige a um salão onde normalmente já estão umas trinta pessoas, silenciosas, pacientes, olhando um monitor onde é anunciada sua vez de ser atendido, em quadros intercalados com um vídeo do Guga conversando com um motorista de taxi que lhe informa que numa agência postal bem próxima, sem necessidade de se deslocar, ele, o ágil Guga, poderia fazer também um certificado digital. 
Naquela quarta eu e o Guga tínhamos a mesma demanda. Ele talvez tenha sido mais feliz. Esperei ser anunciada minha vez para ir ao guichê 3, comuniquei ao funcionário atendente que queria fazer uma Certificação Digital e ele me respondeu que para tal serviço não demandava senha mas que quem me atenderia seria o funcionário ao lado, a quem ele passaria meu nome. Eu seria chamado nominalmente.

Assim aconteceu. Apresentei os documentos exigidos, entreguei minha Carteira de Identidade que o funcionário devolveu porque estava vencida. Não sabia que tal documento tinha data de validade mas tem: vale por dez anos, a minha, a da minha mãe, da mãe do atendente, a do Niemeyer, pelo menos para os Correios, para se fazer o procedimento de certificação. Mas para corrigir essa falta bastaria que eu tirasse uma foto 3x4, que seria anexada ao processo. A Carteira de Identidade não prova que você é você, mas uma foto sim. Fui obediente. Fui ao fotógrafo da esquina, fiz a melhor pose que consegui e tirei 8 fotos, para que não houvesse do que reclamar. 
Voltei aos Correios e aí o mesmo atendente, depois de conferir no computador todos os documentos, numa bem empreendida seção do que se poderia chamar encher o saco com o apoio da tecnologia digital, me devolveu tudo para dizer que minha identidade não estava em bom estado de conservação; estava com o plástico velho, a foto, com um esforço mínimo poderia ser arrancada e assim não servia. Poderia outro documento, o passaporte, por exemplo. “O senhor tem passaporte”, indagou solícito. Respondi que sim, mas que tratava-se de um documento que levo em viagens, na alfândega, na Polícia Federal, na Europa, na China, nunca aos Correios. 
“Então assim não certifico”, foi sua sentença. Depois de quase duas horas de tempo tomado de mim, dos que dependem de mim, dos serviços que deixei de lado para fazer o tal procedimento, fui buscar uma nova Carteira de Identidade. 
Tirei-a na mesma quarta-feira, voltei à agência e o mesmo atendente ficou surpreso com a agilidade do Departamento de Identificação: “já? Nossa...”. Já, meu caro. A Polícia está eficiente, respondi. Ele recolheu novamente a documentação, conferiu todos os números no site da Junta Comercial, conferiu o CNPJ no site da Receita Federal, conferiu a Carteira de Identidade no site da Polícia Civil e por fim novamente indeferiu meu pedido: meu contador informou que o órgão emissor do RG era a SSPMG, Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais. Errou: tinha que ter informado que era a PC, isto é Polícia Civil.

Retornei na quinta-feira, humildemente, e lá estava novamente o Lineu. Não retirei senha, porque já sabia que não era mais necessário. Postei-me defronte ao atendente, aguardando que ele me visse e me chamasse. Por fim, depois de uma espera angustiante, fui a ele que me comunicou que naquela manhã quem estava fazendo certificação era a fulana, olhando para um outro guichê. 
“Já passei seu nome pra ela, ela vai te chamar.” Esperei pela convocação da única funcionária que se mostrava no local, uma moça bonita, mas depois de outros vinte minutos ele me disse que não se tratava dela, a loura, mas de uma outra, atrás, quase escondida, que me chamaria. Como não chamou, ele mesmo então resolveu me atender.

Novamente os documentos estavam errados. Meu contador informou PCMG – Polícia Civil de Minas Gerais (como está na Carteira de Identidade) e ele queria que informasse apenas PC como órgão emissor. Não podia ter o MG. “Assim eu não certifico”. 
Perdi dois dias. Nessa segunda voltarei. Levarei o passaporte, as carteiras de Identidade velha e nova, todas as fotos incluindo as de família e do meu avô, os requerimentos em diversas versões com SSPMG, SSP do Sergipe, Polícia Civil, PM, PC, PCdoB, PCMG.

Os governos criam ministérios, secretarias, PPPs, para abrigar seus apaniguados, mas não se aplicam em aliviar a burocracia burra, engessadora, desestimulante, onerosa. Investem em projetos de modernização, projetos concebidos em gabinetes, mas dão poder a idiotas, que não têm responsabilidade com o tempo das pessoas, não têm respeito ao trabalho dos outros, ficam atrás de balcões investidos de uma autoridade que exercem sem o mínimo senso e deferência. 
Passam a vida inflando a bolsa escrotal do cidadão comum (o que comumente se diz ‘enchendo o saco’) e como muitas vezes sabem que não vão passar do que sempre fizeram, cuidam de torpedear a vida de quem precisa trabalhar.
04 de maio de 2015
Luiz Tito

NOTA AO PÉ DO TEXTO

Eis o exemplo de uma aventura 'kafkiana' no melhor dos mundos possíveis...
Por que o universo está tão entupido de idiotas?
Será a química dos alimentos industrializados que vem afetando e destruindo o melhor elemento da mediania, que é o bom e velho "bom senso"?
Não tenho a resposta... Pode ser o hormônio dos frangos, ou do gado... Não sei realmente a que atribuir a virtuosa estupidez que invadiu o universo humano.
Imagino que entre os animais, a comunicação seja bem mais clara além de direta. É ou não é, se não for tome dentadas, ou patadas.
Andam os cientistas e psicólogos, também psiquiatras, tentando encontrar razões para o 'stress' que domina a vida moderna. Não conseguem atinar com o mal que desencadeou e adoeceu o ser humano, muitas vezes nem tão humano. 
As clínicas de neuróticos, sociopatas e psicóticos andam lotadas, com gente saindo pela janela, ou pelo ralo.
Penso eu com os meus botões, que o que vem solapando a saúde do humano é o modelo adotado pela "civilização".
O modelo primata de vida era mais simples, bem mais tolerável que a violenta relação que as pessoas estabeleceram para consumo social.
A crônica acima, uma verdadeira saga que poderia ser um conto de Kafka, é tão comum de enfrentarmos no dia a dia da necessidade de provarmos que nós somos nós mesmos, que esgotados, já estamos quase abdicando do direito de provar que somos nós mesmos, e que existimos...
Ave, idiotas, os que estamos morrendo de 'burocratite', te saúdam...
m.americo

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