O Judiciário é um dos três Poderes da República. A ele compete dizer o direito (jurisdictio) e resolver os conflitos intersubjetivos (entre sujeitos) de interesses. Sempre que há um litígio, cabe ao Judiciário decidi-lo, porque no Brasil, assim como em todos os países que se constituíram sob a forma de Estado Democrático de Direito, vige o princípio da ubiquidade da Justiça. Exatamente por isso, não se concebe possa existir democracia sem Justiça – usada a palavra, aqui, metonimicamente, no lugar de Poder Judiciário.
A Constituição da República, em seu art. 95, incisos I, II e III, declara que os juízes gozam das seguintes garantias: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio. O que ela não diz, entretanto, é que essas garantias foram conferidas ao magistrado em prol do cidadão. Isto mesmo. Essas três garantias asseguram a independência, a imparcialidade e a dignidade do magistrado, em relação a fatores externos e internos.
A vitaliciedade garante que o juiz não pode perder seu cargo por desagradar a políticos ou a outros magistrados que se encontram em posição hierárquica superior à dele. A inamovibilidade assegura que o juiz que vai julgar a causa não pode ser escolhido, removido ou substituído, para que a outra parte se favoreça ilicitamente, obtendo decisão direcionada a seus interesses pessoais e egoísticos.
Já a irredutibilidade de subsídios, garante o livre exercício das atribuições do juiz, evitando formas nefastas de pressão econômica ou financeira, a qual todo homem está sujeito, enquanto ser humano (Cf. Terêncio: Homo sum; humani nil a me alienum puto). A irredutibilidade dos subsídios é, portanto, modo proficiente de manter a dignidade do magistrado, colocando-o à salvo do interesse mesquinho e odioso de eventuais corruptores.
COMO SERIA?
Pense bem, cidadão. Como seria um processo judicial em que os juízes pudessem perder seu cargo pelo simples fato de suas decisões desagradarem a políticos ou aos próprios órgãos de organização judiciária ao qual pertencem? Como seria se a vontade de alguém, que não a da lei, pudesse interferir no julgamento da causa, a ponto de escolher o juiz que vai julgá-la, a ponto de removê-lo ou substituí-lo, para favorecimento de uma das partes? Como seria se os subsídios dos juízes pudessem ser reduzidos, cada vez que eles proferissem uma decisão que desagrada ao Poder Executivo ou Legislativo?
Os juízes não são seres sobre-humanos, mas pessoas como nós. Daí também se aplicar a eles a advertência feita por Alexander Hamilton, o primeiro Secretário do Tesouro dos Estados Unidos da América, nomeado que foi por George Washington, e colhida da sua já clássica obra, “O Federalista”, escrita com James Madison e John Jay: “mexer na subsistência é mexer na vontade”.
Fácil verificar, pois, que a previsão constitucional de que os subsídios dos magistrados estejam assegurados integralmente durante o período em que exercem suas funções é garantia deles, mas foi fixada, também, em prol do jurisdicionado, do cidadão, dos menos favorecidos e dos hipossuficientes, em suma e em síntese, daqueles que não só almejam, mas precisam de uma justiça independente e imparcial, cuja dignidade não pode ser conspurcada pelo aviltamento de seus subsídios, sob pena de a transformarmos num balcão de negócios.
NORMA CONSTITUCIONAL
Não que os juízes ganhem pouco, a se considerar o que ganha a maioria da classe trabalhadora brasileira, cujo salário é indexado pelo salário mínimo; cujo nome, mínimo, já diz tudo. Não é disso que trato aqui, mas de cumprimento da norma constitucional, de torná-la efetiva em função da realidade do nosso país.
De que adianta haver previsão quanto à irredutibilidade jurídica dos subsídios – a garantia de não diminuição do seu valor nominal – num país em que a Taxa Selic desponta a 11% ao ano, e o custo de vida e a inflação só fazem crescer?
Parece-me inquestionável e induvidoso que, com vistas à garantia plena da eficácia da norma constitucional, é necessário que se assegure aos magistrados a irredutibilidade real, ou, para dizer-se o mínimo, que seus subsídios sejam corrigidos monetariamente pela variação dos índices oficiais que calculam a inflação, fenômeno que resulta na perda do poder aquisitivo da moeda em virtude do aumento dos preços.
Se a correção monetária não importa em ganho de capital, claro está, como a luz solar, que a manutenção do valor nominal dos subsídios dos magistrados em patamar inferior ao da desvalorização do poder de compra da moeda, ou seja, em nível inferior ao da correção monetária fixada pelo índice oficial, importa na redução real dos seus subsídios, o que é vedado pela Constituição e foi tudo o que o legislador constituinte pretendeu evitar.
HÁ SETE ANOS…
Acontece, entretanto, que os juízes federais, apesar da relevante função que exercem, há 7 (sete) anos não são contemplados com o aumento de seus subsídios, os quais sequer vêm sendo corrigidos monetariamente.
Os membros do Ministério Público Federal conseguiram equiparar seus vencimentos aos subsídios dos juízes federais e, hoje, ganham muito mais que eles, apesar de uns e outros exercerem funções desiguais, sabido, especialmente, que o MPF não constitui um dos Poderes de República.
Não se pretende, neste desvalioso artigo, desmerecer os integrantes do MPF, que exercem relevante função social e de interesse público. Fique isso bem claro. No entanto, qual a explicação para que desiguais sejam tratados de forma igual, se há milênios, ninguém menos do que Aristóteles (Ética a Nicômaco, Livro V) já declarava que a equidade, regra basilar da Justiça, está em tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual?
Se houve equiparação financeira (embora tendo origem no erro de se considerar iguais pessoas que efetivamente não o são, haja vista exercerem funções visivelmente distintas), como deixar de reconhecer que os juízes federais, por força da isonomia concedida ao MPF, possuem, no mínimo, o direito de receber o mesmo valor nominal percebido pelos procuradores da República? Como chamar isto? Duplo erro? O tratamento isonômico não faz valer para um o que vale para o outro?
DILMA VETOU
No entanto, por questões orçamentárias – a velha desculpa de sempre, que, entretanto, não serve para explicar a farra com o dinheiro da Petrobrás, por exemplo – a doutora Dilma vetou a pretensão equiparatória dos juízes federais, conquanto, tempos antes, a tenha concedido ao MPF. Será este um exemplo da utilização maligna da régua de Lesbos?
Será que, por que compete aos juízes federais processar e julgar as causas de interesse da União, autarquias federais e empresas públicas federais, estamos diante de punição política, do tipo “ou vocês julgam do jeito que queremos ou manteremos o valor nominal dos seus subsídios congelado”?
Será tentativa de cooptação ideológica do Poder Judiciário? Sim, as perguntas se fazem pertinentes, porque não há razão de ordem lógica, ou de natureza jurídica, que justifique o aviltamento, mediante redução real, dos subsídios dos magistrados federais, e bem assim a sua não equiparação aos vencimentos do MPF, em sentido inverso, como já deferido alhures.
Ora, se a redutibilidade não interessa ao legislador constituinte e ao Estado Democrático de Direito, não interessa aos advogados, e, como aqui já se explicitou, não interessa ao jurisdicionado, cabe, então, perquirir à Presidenta do Brasil:
A QUEM INTERESSA MANTER O VALOR NOMINAL DOS SUBSÍDIOS DOS MAGISTRADOS FEDERAIS CONGELADO HÁ MAIS DE 7 ANOS?
Realmente, não sei a quem interessa; só sei que a Justiça Federal pede socorro!
18 de setembro de 2014
Fernando Orotavo Neto é advogado e jurista.
18 de setembro de 2014
Fernando Orotavo Neto é advogado e jurista.
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