Senado Federal
Discurso do Senador Cristovam Buarque
Plenário do Senado Federal
09 de Julho de 2014
O Brasil é um País privilegiado. Sabemos do privilégio na natureza e nas características do povo, mas
tem um privilégio na história: o fato de que não termos traumas que outros países têm nas suas histórias.
Nunca perdemos uma guerra, nem nos rendemos. A Alemanha sofreu duas derrotas e rendições em um mesmo século. A França que foi invadida e ocupada durante quatro anos pelo exército alemão. Os Estados Unidos tiveram uma traumática guerra civil e presidentes assassinados. Nossos traumas se
resumem ao suicídio de um presidente, e perda da Copa do Mundo para o Uruguai, no último minuto, 64 anos atrás.
Agora, neste 8 de julho de 2014, ficamos com a sensação de um grande trauma
nacional por causa da desastrosa derrota por 7 a 1 que nossa seleção sofreu diante da
Alemanha.
Por sermos o país do futebol, por termos este esporte entrando na alma de nosso
povo, e por sermos atualmente bons, os melhores historicamente, nós temos a razão de
sentirmos o trauma com a derrota da seleção ontem. O que surpreende é como não
temos outros traumas.
Por exemplo, estamos profundamente abatidos no Brasil inteiro porque perdemos
de 7 a 1 para a Alemanha, mas jamais nos lembramos de que a Alemanha teve 103
Prêmios Nobel e nós nenhum.
Com toda a tristeza que sinto pelo fato de termos sido derrotados, e com um
escore tão grande, do ponto de vista do interesse nacional, do ponto de vista das
consequências para o futuro, é muito mais grave para o futuro do País o fato de
estarmos perdendo para a Alemanha de 103 a zero, no campeonato de Prêmio Nobel.
Nós não nos traumatizamos, no dia 14 de março de 2013, quando foi divulgado o
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, que nos deixou em 85º lugar,
entre 106 países analisados. Entre estes países estão alguns dos mais pobres do mundo,
os 106 ficamos em 85º – quase lanterninha –, e não nos traumatizamos. E nós nos
traumatizamos por sermos o quarto ou até o terceiro em futebol, dependendo do
resultado do jogo no próximo sábado. O mundo inteiro disputou para ter seus times na
COPA. Foram selecionados 31 e nós fomos disputar com eles. Apenas 32 foram
selecionados como os melhores. Aos poucos foram sendo eliminados. O nosso chegou
ao último estágio, que são os quatro finalistas. Não chegamos à finalíssima, mas
chegamos à anterior. Na pior das hipóteses, sairemos dessa Copa como a quarta melhor
seleção de futebol do mundo. E o Brasil está de luto, num sofrimento que dói na gente,
sobretudo quando vemos as crianças que choraram no estádio e nas ruas pela derrota
que elas não esperavam. Nem entendem.
Mas não nos traumatizamos no dia 3 de dezembro de 2013, quando foi divulgada
a classificação do Brasil na educação, entre 65 países, e ficamos em 58º. Uma avaliação
que analisa 65 países, feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, da Europa, deixa-nos em 58º, entre 65 e não houve nenhum trauma naquele
4 de dezembro, dia seguinte à divulgação do resultado. Este campeonato que não gerou
qualquer tristeza, mas suas consequências para o Brasil são muito mais trágicas, do que o
resultado do jogo contra a Alemanha.
Nós não tivemos o menor constrangimento, o menor trauma, a menor tristeza,
quando, no dia 1º de março de 2011, a Unesco divulgou a sua classificação da educação
para 128 países, e nos colocou em 88º. Ou seja, um dos piores.
E, quando falamos em 128 países, estamos incluindo os mais pobres do mundo,
não nos comportamos apenas com países da elite educacional, não foram apenas os
BRICS, nem apenas os emergentes: Temos toda a razão emocional de estarmos tristes
por termos sido excluídos da finalíssima decisão de quem será o campeão deste ano.
Temos toda a razão de estarmos tristes, porque ainda não foi este ano que ganhamos o
hexa, mas também precisamos ficar tristes com as outras nossas classificações: na
educação, na saúde publica, na violência, no quadro social.
Todo o direito à tristeza, mas não esqueçamos as outras razões para sofrer
também, até porque são essas outras razões de sofrimento que nos levariam a superar os
nossos problemas e construir um futuro que nos vem sendo negado há séculos.
Precisamos ver, nessa derrota como jogador David Luiz no final do jogo, quando
ainda dentro do campo, pela televisão, chorando, disse o seguinte: “Desculpa, por não
ter feito vocês felizes nesta hora”. Veja a que grandeza: ele não disse que estava triste por
não ser campeão do mundo. Estava triste por não ter feito a nós, os brasileiros, felizes
nessa hora. E continuou “Mas aqui tem um cidadão disposto a ajudar a todos”, Ou seja,
a derrota foi de um jogo, não foi a derrota de uma história. E continua: “Eu só queria
dar alegria para o meu povo que sofre tanto por tanta coisa”. Esse sentimento vindo dele
confesso que me surpreendeu, quando ele lembra: “queria dar uma alegria para esse
povo que sofre tanto por tanta coisa”. E ele diz: “Queria pedir desculpa”, “só queria
fazer meu povo sorrir pelo menos no futebol”.
Veja que sentimento esse rapaz teve. Sair daquela derrota chorando e lembrar-se
do povo, lembrar-se do sofrimento do povo e lembrar-se, como ele diz, de o povo
sorrir, pelo menos no futebol. “Porque já sofre tanto por tanta coisa”
O sofrimento não fica restrito ao futebol mas é o sofrimento do futebol que
traumatiza. Os demais são tolerados, ignorados, por serem banalizados. Por isso não
damos tanta importância aos demais sofrimentos e não fazemos o dever de casa para
consertar o resto ganhar outras copas. Não estamos jogando para sermos campeões
mundiais na educação, para sermos campeões mundiais no saneamento, para sermos
campeões mundiais, por exemplo, na paz das cidades. Embora fracassada, fazemos o
dever de casa, para sermos competitivos no futebol, mas não estamos fazendo o dever
de casa para o Brasil ser melhor, mais eficiente, mais justo, e não percebemos este
fracasso. Por isso não sofremos, diante dos males banalizados. Sofremos porque o Brasil
não é campeão mundial de futebol este ano – já foi cinco vezes –, mas não sofremos
porque não estamos fazendo um Brasil melhor.
Quando vi o David Luiz pedindo desculpas, pensei: quem devia estar ali pedindo
desculpas éramos nós os Senadores, os Deputados, os Ministros, os Governadores, a
Presidente da República, porque somos nós que estamos em campo para fazer um Brasil
melhor. Nós somos a seleção brasileira da política para a definição dos rumos do País. E
nem ao menos lembramos que o papel do político é eliminar os entulhos que dificultam
o caminho das pessoas à busca de sua felicidade pessoal.
Eles estavam em campo para fazer o Brasil campeão. Nós estamos em campo
para fazer um Brasil melhor e não estamos conseguindo chegar nem ao quarto, nem ao
décimo, nem ao vigésimo, nem ao quinquagésimo lugar. Estamos chegando ao
octogésimo quinto no Índice de Desenvolvimento Humano, octogésimo oitavo na
educação. Estamos perdendo de 103 a zero em Prêmio Nobel para a Alemanha.
O mais importante para o futuro do País não é o campeonato de futebol, embora
esse toque mais na alma da gente, o maior campeonato que estamos perdendo são as
condições sociais, as possibilidades de eficiência na economia, a educação, segurança, a
saúde, a corrupção. Esses são os campeonatos que devem fazer com que nós brasileiros
trabalhemos para superar.
O Davi Luís deu todo o seu esforço e nos colocou primeiro entre as seleções
selecionadas para a Copa, porque muitas ficaram de fora; depois nos fez passar para
oitava, para quarta e agora estamos nas finais, e apesar disso ele nos pede desculpas, “por
não ter feito o povo sorrir, pelo menos no futebol” – como ele disse – pelo menos no
futebol, mas não basta só o futebol. Pelo menos no futebol porque essa é a tarefa dele,
mas aqui, nesta casa no congresso não basta o futebol.
Sofri ontem como qualquer brasileiro, mas eu quero agradecer aos jogadores que
nos colocaram nessa posição.
Quero agradecer, ao David Luiz, quando ele nos deu esta lição: “Eu só queria
fazer meu povo sorrir pelo menos no futebol.” Você não conseguiu, David Luiz, fazer o
povo sorrir plenamente no futebol, mas você conseguiu nos despertar para o fato de que
nós não estamos conseguindo fazer o povo sorrir pelas outras coisas das quais eu sou
um dos responsáveis.
Por isso, desculpa, David Luiz.
02 de agosto de 2014
Cristovam Buarque, Professor da UnB e Senador pelo PDT-DF.
Discurso do Senador Cristovam Buarque
Plenário do Senado Federal
09 de Julho de 2014
O Brasil é um País privilegiado. Sabemos do privilégio na natureza e nas características do povo, mas
tem um privilégio na história: o fato de que não termos traumas que outros países têm nas suas histórias.
Nunca perdemos uma guerra, nem nos rendemos. A Alemanha sofreu duas derrotas e rendições em um mesmo século. A França que foi invadida e ocupada durante quatro anos pelo exército alemão. Os Estados Unidos tiveram uma traumática guerra civil e presidentes assassinados. Nossos traumas se
resumem ao suicídio de um presidente, e perda da Copa do Mundo para o Uruguai, no último minuto, 64 anos atrás.
Agora, neste 8 de julho de 2014, ficamos com a sensação de um grande trauma
nacional por causa da desastrosa derrota por 7 a 1 que nossa seleção sofreu diante da
Alemanha.
Por sermos o país do futebol, por termos este esporte entrando na alma de nosso
povo, e por sermos atualmente bons, os melhores historicamente, nós temos a razão de
sentirmos o trauma com a derrota da seleção ontem. O que surpreende é como não
temos outros traumas.
Por exemplo, estamos profundamente abatidos no Brasil inteiro porque perdemos
de 7 a 1 para a Alemanha, mas jamais nos lembramos de que a Alemanha teve 103
Prêmios Nobel e nós nenhum.
Com toda a tristeza que sinto pelo fato de termos sido derrotados, e com um
escore tão grande, do ponto de vista do interesse nacional, do ponto de vista das
consequências para o futuro, é muito mais grave para o futuro do País o fato de
estarmos perdendo para a Alemanha de 103 a zero, no campeonato de Prêmio Nobel.
Nós não nos traumatizamos, no dia 14 de março de 2013, quando foi divulgado o
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, que nos deixou em 85º lugar,
entre 106 países analisados. Entre estes países estão alguns dos mais pobres do mundo,
os 106 ficamos em 85º – quase lanterninha –, e não nos traumatizamos. E nós nos
traumatizamos por sermos o quarto ou até o terceiro em futebol, dependendo do
resultado do jogo no próximo sábado. O mundo inteiro disputou para ter seus times na
COPA. Foram selecionados 31 e nós fomos disputar com eles. Apenas 32 foram
selecionados como os melhores. Aos poucos foram sendo eliminados. O nosso chegou
ao último estágio, que são os quatro finalistas. Não chegamos à finalíssima, mas
chegamos à anterior. Na pior das hipóteses, sairemos dessa Copa como a quarta melhor
seleção de futebol do mundo. E o Brasil está de luto, num sofrimento que dói na gente,
sobretudo quando vemos as crianças que choraram no estádio e nas ruas pela derrota
que elas não esperavam. Nem entendem.
Mas não nos traumatizamos no dia 3 de dezembro de 2013, quando foi divulgada
a classificação do Brasil na educação, entre 65 países, e ficamos em 58º. Uma avaliação
que analisa 65 países, feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, da Europa, deixa-nos em 58º, entre 65 e não houve nenhum trauma naquele
4 de dezembro, dia seguinte à divulgação do resultado. Este campeonato que não gerou
qualquer tristeza, mas suas consequências para o Brasil são muito mais trágicas, do que o
resultado do jogo contra a Alemanha.
Nós não tivemos o menor constrangimento, o menor trauma, a menor tristeza,
quando, no dia 1º de março de 2011, a Unesco divulgou a sua classificação da educação
para 128 países, e nos colocou em 88º. Ou seja, um dos piores.
E, quando falamos em 128 países, estamos incluindo os mais pobres do mundo,
não nos comportamos apenas com países da elite educacional, não foram apenas os
BRICS, nem apenas os emergentes: Temos toda a razão emocional de estarmos tristes
por termos sido excluídos da finalíssima decisão de quem será o campeão deste ano.
Temos toda a razão de estarmos tristes, porque ainda não foi este ano que ganhamos o
hexa, mas também precisamos ficar tristes com as outras nossas classificações: na
educação, na saúde publica, na violência, no quadro social.
Todo o direito à tristeza, mas não esqueçamos as outras razões para sofrer
também, até porque são essas outras razões de sofrimento que nos levariam a superar os
nossos problemas e construir um futuro que nos vem sendo negado há séculos.
Precisamos ver, nessa derrota como jogador David Luiz no final do jogo, quando
ainda dentro do campo, pela televisão, chorando, disse o seguinte: “Desculpa, por não
ter feito vocês felizes nesta hora”. Veja a que grandeza: ele não disse que estava triste por
não ser campeão do mundo. Estava triste por não ter feito a nós, os brasileiros, felizes
nessa hora. E continuou “Mas aqui tem um cidadão disposto a ajudar a todos”, Ou seja,
a derrota foi de um jogo, não foi a derrota de uma história. E continua: “Eu só queria
dar alegria para o meu povo que sofre tanto por tanta coisa”. Esse sentimento vindo dele
confesso que me surpreendeu, quando ele lembra: “queria dar uma alegria para esse
povo que sofre tanto por tanta coisa”. E ele diz: “Queria pedir desculpa”, “só queria
fazer meu povo sorrir pelo menos no futebol”.
Veja que sentimento esse rapaz teve. Sair daquela derrota chorando e lembrar-se
do povo, lembrar-se do sofrimento do povo e lembrar-se, como ele diz, de o povo
sorrir, pelo menos no futebol. “Porque já sofre tanto por tanta coisa”
O sofrimento não fica restrito ao futebol mas é o sofrimento do futebol que
traumatiza. Os demais são tolerados, ignorados, por serem banalizados. Por isso não
damos tanta importância aos demais sofrimentos e não fazemos o dever de casa para
consertar o resto ganhar outras copas. Não estamos jogando para sermos campeões
mundiais na educação, para sermos campeões mundiais no saneamento, para sermos
campeões mundiais, por exemplo, na paz das cidades. Embora fracassada, fazemos o
dever de casa, para sermos competitivos no futebol, mas não estamos fazendo o dever
de casa para o Brasil ser melhor, mais eficiente, mais justo, e não percebemos este
fracasso. Por isso não sofremos, diante dos males banalizados. Sofremos porque o Brasil
não é campeão mundial de futebol este ano – já foi cinco vezes –, mas não sofremos
porque não estamos fazendo um Brasil melhor.
Quando vi o David Luiz pedindo desculpas, pensei: quem devia estar ali pedindo
desculpas éramos nós os Senadores, os Deputados, os Ministros, os Governadores, a
Presidente da República, porque somos nós que estamos em campo para fazer um Brasil
melhor. Nós somos a seleção brasileira da política para a definição dos rumos do País. E
nem ao menos lembramos que o papel do político é eliminar os entulhos que dificultam
o caminho das pessoas à busca de sua felicidade pessoal.
Eles estavam em campo para fazer o Brasil campeão. Nós estamos em campo
para fazer um Brasil melhor e não estamos conseguindo chegar nem ao quarto, nem ao
décimo, nem ao vigésimo, nem ao quinquagésimo lugar. Estamos chegando ao
octogésimo quinto no Índice de Desenvolvimento Humano, octogésimo oitavo na
educação. Estamos perdendo de 103 a zero em Prêmio Nobel para a Alemanha.
O mais importante para o futuro do País não é o campeonato de futebol, embora
esse toque mais na alma da gente, o maior campeonato que estamos perdendo são as
condições sociais, as possibilidades de eficiência na economia, a educação, segurança, a
saúde, a corrupção. Esses são os campeonatos que devem fazer com que nós brasileiros
trabalhemos para superar.
O Davi Luís deu todo o seu esforço e nos colocou primeiro entre as seleções
selecionadas para a Copa, porque muitas ficaram de fora; depois nos fez passar para
oitava, para quarta e agora estamos nas finais, e apesar disso ele nos pede desculpas, “por
não ter feito o povo sorrir, pelo menos no futebol” – como ele disse – pelo menos no
futebol, mas não basta só o futebol. Pelo menos no futebol porque essa é a tarefa dele,
mas aqui, nesta casa no congresso não basta o futebol.
Sofri ontem como qualquer brasileiro, mas eu quero agradecer aos jogadores que
nos colocaram nessa posição.
Quero agradecer, ao David Luiz, quando ele nos deu esta lição: “Eu só queria
fazer meu povo sorrir pelo menos no futebol.” Você não conseguiu, David Luiz, fazer o
povo sorrir plenamente no futebol, mas você conseguiu nos despertar para o fato de que
nós não estamos conseguindo fazer o povo sorrir pelas outras coisas das quais eu sou
um dos responsáveis.
Por isso, desculpa, David Luiz.
02 de agosto de 2014
Cristovam Buarque, Professor da UnB e Senador pelo PDT-DF.
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