"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

COMO PASSAR DO NÃO AO SIM

As dificuldades iniciais parecem ter sido superadas e assim os chefes de Estado dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), reunidos em Fortaleza, criaram terça-feira duas instituições internacionais que podem sacramentar uma sigla quase vazia enquanto bloco nascido de objetivos comuns.

É um passo importante, mas é pouco. Uma vez criados o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, em inglês) e o Acordo Contingente de Reserva (CRA, um fundo de reservas para socorrer países momentaneamente incapacitados de honrar seus compromissos externos), é preciso saber quais seriam os critérios para fazê-los funcionar, respectivamente, como banco de desenvolvimento e como fundo de reservas.

No momento, dos cinco membros do clube, só a África do Sul poderia aproveitar melhor essas disponibilidades caso delas necessite. Os demais, incluído aí o Brasil, dispõem de mais recursos ou acesso a outras fontes externas do que essas duas instituições poderiam oferecer.

Como já foi argumentado aqui na Coluna de terça-feira, apenas o BNDES brasileiro é sete vezes maior do que esse NDB. China, Rússia, Brasil e Índia têm, cada um, substancialmente, mais reservas externas do que as que serão colocadas à disposição do novo fundo.

Isso sugere que as duas instituições estão sendo criadas mais para apoiar projetos de infraestrutura e políticas de países de fora do bloco do que de dentro dele. Nascem num contexto de críticas contundentes à atuação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) e pretendem, assim, começar a rodar. Mas, outra vez, com que critérios?

Se for para atuar com parâmetros técnicos parecidos com os do Banco Mundial e do FMI, tendem a não passar de farinhas de qualidade similar dispostas em sacos de tamanhos diferentes. Se os critérios para a distribuição de financiamentos ou empréstimos-ponte para cobertura de dívidas forem políticos, então fica difícil saber que tipo de grude pode manter unidos os cinco do Brics.

Imagine, por exemplo, se a Crimeia ou a Síria ou a Venezuela solicitarem um socorro do CRA (a Argentina, por sinal, parece já contar com isso). Mas o que levará a direção desse fundo a atendê-los ou não? Questões geopolíticas compartilhadas pelos cinco? Provavelmente, não.

Dos cinco integrantes do Brics, três são potências nucleares (Rússia, Índia e China), no momento com interesses mais conflitantes do que convergentes entre si. Afora isso, as coisas mudam e a fila anda. Mudanças de governo na Rússia, na Índia ou na China - para não falar no Brasil - podem mudar os alinhamentos políticos e o que foi interesse comum num momento pode, perfeitamente, não ser mais no momento seguinte.

Por enquanto, o que os une parece ser o que está lá na declaração conjunta: a desaprovação ao emperramento das propostas de reforma do Banco Mundial e do FMI. Mais difícil é saber como sair desse não ao FMI para um sim ao que tem de ser. Suponhamos que, lá pelas tantas, o Congresso dos Estados Unidos concorde com modernizar as instituições de Bretton Woods. Nesse caso, essas instituições alternativas vingariam do mesmo jeito?

Sabe-se como esse jogo começou. Não se sabe como seguirá.

 
23 de julho de 2014
Celso Ming, O Estadão

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