Preparando-se para criar "o caos" nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo, principalmente naquelas onde as suas ações terão o máximo de visibilidade, os black blocs não disfarçam a sua torcida para terem nas ruas, fazendo o mesmo durante o torneio, os delinquentes profissionais do Primeiro Comando da Capital (PCC). A maior organização criminosa do País, que levou terror e pânico a São Paulo em maio de 2006, ao desencadear uma série de ataques contra as forças de segurança do Estado, controla os presídios paulistas, de onde dá ordens aos seus cúmplices em liberdade.
É de levar a sério a possibilidade dessa união de forças entre a formidável quadrilha e os neoanarquistas cujas máscaras, provocações e, afinal, atos de vandalismo roubaram a cena das manifestações em âmbito nacional de junho do ano passado. A dezena e meia de membros do núcleo do movimento - desconhecidos da polícia, por sinal - que o repórter Lourival Sant'Anna, do Estado, conseguiu localizar e entrevistar, sob anonimato, nega ter se aliado à facção. Mas, como confessa tranquilamente o mais veterano deles, de 34 anos, formado em história pela USP, "não somos contra o PCC". Já é um começo.
A sua fantasia assumida é que os quadrilheiros também aproveitem a Copa para dar, com muito mais meios, logística e experiência do que eles, a sua contribuição para o "estouro" que pretendem provocar, com o intento de mandar "um recado" para o Estado a que acusam de infligir padecimentos de toda ordem à população das periferias. Mas decerto não lhes faltará vontade para ir além, tomando ou recebendo de bom grado eventuais iniciativas de coordenação das respectivas ações. Agindo cada qual por si ou em parceria, a sua capacidade de conflagrar o Brasil da Copa configura uma ameaça real e presente.
Não vai aí nenhum alarmismo. Black blocs contam que o pessoal do PCC na Penitenciária do Tremembé, no Vale do Paraíba, recebeu da melhor forma dois companheiros para lá levados depois de serem presos numa manifestação. "Colocaram colchões para eles", detalham, agradecidos. "Os 'torres' (líderes, no jargão do PCC) respeitam o que fazemos por causa do nosso idealismo", vangloria-se o veterano black bloc. "Eles fazem por lucro, e a gente, contra o sistema", teoriza o ativista. "Não nos arriscamos por dinheiro, mas para que a mãe deles também seja atendida pelo SUS."
Em nome da redenção das vítimas do Estado a serviço do capitalismo, os anarquistas europeus do século 19 - como aqueles que jogavam bombas nos cafés parisienses aos gritos de "não existem inocentes" - já pregavam uma frente comum com o "lumpemproletariado", como Marx se referia à escória de marginais e marginalizados da sociedade. Faz sentido: se a ordem é dar o troco à violência estatal na mesma moeda, nada deve separar os seus praticantes. "Não existe o errado e o certo", diz um black bloc, para justificar os seus métodos. Emenda outro: "A manifestação não pode ser pacífica, sendo que é resposta à repressão".
Uma greve selvagem, como a dos motoristas de ônibus que infernizaram a vida de milhões de paulistanos dos quais os blocs se dizem defensores, é tão legítima para eles como a depredação de agências bancárias (e bancas de jornais), saques em lojas, queima de veículos e ataques a policiais. A legitimidade de que se consideram portadores teria nascido da convicção de que o protesto pacífico e a mudança por meio da pressão sobre as instituições políticas estão fadados ao fracasso. Se assim fosse, para invocar um exemplo extremo, a ditadura militar teria sido derrubada pelo radicalismo armado - que, aliás, só serviu para prolongá-la - e não pela resistência e mobilização das lideranças civis do País.
O mórbido prazer do exercício do vandalismo e a não menos animadora expectativa de vingança por violências sofridas marcham juntos. Na noite de 13 de junho passado, é oportuno lembrar, a PM desbaratou com brutalidade uma passeata pacífica no centro de São Paulo contra as tarifas de ônibus. Foi o detonador dos movimentos que galvanizaram em seguida o País. Até agora nenhum policial foi punido pelas agressões. Cinco dias depois, a PM se omitiu quando black blocs atacaram a sede da Prefeitura.
É de levar a sério a possibilidade dessa união de forças entre a formidável quadrilha e os neoanarquistas cujas máscaras, provocações e, afinal, atos de vandalismo roubaram a cena das manifestações em âmbito nacional de junho do ano passado. A dezena e meia de membros do núcleo do movimento - desconhecidos da polícia, por sinal - que o repórter Lourival Sant'Anna, do Estado, conseguiu localizar e entrevistar, sob anonimato, nega ter se aliado à facção. Mas, como confessa tranquilamente o mais veterano deles, de 34 anos, formado em história pela USP, "não somos contra o PCC". Já é um começo.
A sua fantasia assumida é que os quadrilheiros também aproveitem a Copa para dar, com muito mais meios, logística e experiência do que eles, a sua contribuição para o "estouro" que pretendem provocar, com o intento de mandar "um recado" para o Estado a que acusam de infligir padecimentos de toda ordem à população das periferias. Mas decerto não lhes faltará vontade para ir além, tomando ou recebendo de bom grado eventuais iniciativas de coordenação das respectivas ações. Agindo cada qual por si ou em parceria, a sua capacidade de conflagrar o Brasil da Copa configura uma ameaça real e presente.
Não vai aí nenhum alarmismo. Black blocs contam que o pessoal do PCC na Penitenciária do Tremembé, no Vale do Paraíba, recebeu da melhor forma dois companheiros para lá levados depois de serem presos numa manifestação. "Colocaram colchões para eles", detalham, agradecidos. "Os 'torres' (líderes, no jargão do PCC) respeitam o que fazemos por causa do nosso idealismo", vangloria-se o veterano black bloc. "Eles fazem por lucro, e a gente, contra o sistema", teoriza o ativista. "Não nos arriscamos por dinheiro, mas para que a mãe deles também seja atendida pelo SUS."
Em nome da redenção das vítimas do Estado a serviço do capitalismo, os anarquistas europeus do século 19 - como aqueles que jogavam bombas nos cafés parisienses aos gritos de "não existem inocentes" - já pregavam uma frente comum com o "lumpemproletariado", como Marx se referia à escória de marginais e marginalizados da sociedade. Faz sentido: se a ordem é dar o troco à violência estatal na mesma moeda, nada deve separar os seus praticantes. "Não existe o errado e o certo", diz um black bloc, para justificar os seus métodos. Emenda outro: "A manifestação não pode ser pacífica, sendo que é resposta à repressão".
Uma greve selvagem, como a dos motoristas de ônibus que infernizaram a vida de milhões de paulistanos dos quais os blocs se dizem defensores, é tão legítima para eles como a depredação de agências bancárias (e bancas de jornais), saques em lojas, queima de veículos e ataques a policiais. A legitimidade de que se consideram portadores teria nascido da convicção de que o protesto pacífico e a mudança por meio da pressão sobre as instituições políticas estão fadados ao fracasso. Se assim fosse, para invocar um exemplo extremo, a ditadura militar teria sido derrubada pelo radicalismo armado - que, aliás, só serviu para prolongá-la - e não pela resistência e mobilização das lideranças civis do País.
O mórbido prazer do exercício do vandalismo e a não menos animadora expectativa de vingança por violências sofridas marcham juntos. Na noite de 13 de junho passado, é oportuno lembrar, a PM desbaratou com brutalidade uma passeata pacífica no centro de São Paulo contra as tarifas de ônibus. Foi o detonador dos movimentos que galvanizaram em seguida o País. Até agora nenhum policial foi punido pelas agressões. Cinco dias depois, a PM se omitiu quando black blocs atacaram a sede da Prefeitura.
06 de junho de 2014
Editorial O Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário