O país vivencia um momento de incertezas na política econômica e o governo parece desacreditar no erro de suas estratégias. Em ano eleitoral, é quase certo que reformas estruturais necessárias não serão realizadas, entre elas a da Previdência Social, que pode ser comparada a uma verdadeira bomba relógio.
O déficit atual está em torno de R$56 bilhões, enquanto o número de brasileiros na terceira idade tende a ser cada vez maior nos próximos anos, com reajuste vinculado ao salário mínimo.
Em entrevista exclusiva para o Instituto Millenium, o economista Fábio Giambiagi falou sobre a condução das medidas econômicas, malabarismos fiscais do governo e sobre como o Brasil pode lidar com medidas impopulares, porém necessárias, que demandam corte de custos e bom funcionamento do sistema democrático.
Um dos maiores especialistas em finanças públicas e previdência social, Giambiagi é mestre em ciências econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor e organizador de diversos livros, entre eles “Reforma da Previdência, o encontro marcado” (Elsevier, 2007) e “Propostas para o governo 2015-2018 – Agenda para um país próspero” (Elsevier, 2013). Em abril deste ano, o especialista lança “Complacência – Entenda por que o Brasil cresce menos do que pode” (Elsevier, 2014), escrito em parceria com o economista Alexandre Schwartsman. Giambiagi atua como chefe do Departamento de Mercado do BNDES, é membro do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), especialista do Imil e articulista do jornal “Valor Econômico”.
Imil: O Brasil apresenta crescimento baixo, inflação alta, juros altos, alta carga tributária e baixa produtividade. Qual é o maior desafio a ser enfrentado?
Fabio Giambiagi: O grande desafio é transformar um país que cresceu com a ocupação aumentando 2,5 % ao ano e baixo crescimento da produtividade em um país onde a oferta de trabalho e o emprego vão crescer apenas 1,0 % ao ano e cuja produtividade precisará crescer muito mais. Aumentar a produtividade tem que se tornar uma obsessão nacional assim como foi no passado combater a alta inflação e depois combater os elevados níveis de pobreza.
Imil: A inflação é o pior cenário para a população de baixa renda, no entanto, temos a mesma meta de inflação – 4,5%, com intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo – desde 2005. A rigor, alguns analistas dizem que esta opção não tem permitido à economia crescer num ritmo maior. Qual sua visão sobre a questão?
Giambiagi: Essa crítica não faz o menor sentido e encontra-se em divórcio (litigioso!) com os fatos. No governo Lula, a meta de 4,5% era respeitada e o país crescia 4,0 % ao ano, em média. Depois que, no governo atual, o centro da meta passou a ser olimpicamente ignorado, o que deveria ter ocorrido com base nessa tese? O país deveria ter crescido mais. Certo? Não: errado. Passamos a flertar com inflação de 6 % e o crescimento caiu para a metade, apenas 2 % ao ano em média, grosso modo. O país tem que deixar para trás essas teses obtusas, até porque defender o respeito à meta de 4,5 % não pode ser tratado como um ato de ortodoxia, como se tivéssemos um alvo de inflação de menos de 2 % ao ano.
Imil: Uma das soluções apontadas para o combate à inflação é o mandato fixo para presidente do Banco Central e a adoção de metas plurianuais para inflação e superávit primário. Isso traria um maior compromisso das políticas econômicas à inflação, trazendo mais confiança?
Giambiagi: Sou a favor disso, mas cabem algumas qualificações. Quero ressaltar dois pontos. O primeiro é que embora a autonomia formal do Banco Central ajude, ela não é uma panaceia e pode ser tratada a pontapés por um governo intervencionista. Formalmente, o Banco Central argentino é autônomo, mas ele foi transformado em uma mixórdia pelos Kirchner. Já, aqui, não temos autonomia formal, mas no segundo governo FHC e nos anos Lula, o Banco Central foi plenamente independente, na prática. O segundo ponto é que a meta plurianual de superávit primário, na verdade, já existe, pois a Lei de Diretrizes Orçamentárias a define. O problema não é não termos metas plurianuais e sim as metas não terem significado algum pela possibilidade de ter descontos. Eu brinco dizendo que isso é como se um sujeito de cem quilos fizesse planos para emagrecer 20 quilos, “mas com possibilidade de emagrecer entre 0 e 20 quilos”. É óbvio que, quando bater a tentação, a meta vai virar pó. É o que acontece com a meta de 3,1 % do PIB no regime atual: ela não vale nada.
Imil: Autonomia por lei pode ser boa uma alternativa para não submeter à autoridade monetária aos ciclos eleitorais?
Giambiagi: Sou a favor, mas insisto: mais importante do que a lei é a atuação em si. Como dizia Roberto Campos, “o problema não é quando a lei é branda e sim quando a carne é fraca”. Um governo que respeite a autonomia do Bacen [Banco Central] vai deixar a política monetária fazer o que deve ser feito, qualquer que seja a legislação. Feito esse reconhecimento realista, de qualquer forma, sim, autonomia por lei seria um avanço.
Imil: O senhor vem alertando há alguns anos que, apesar de uma população ainda jovem, o Brasil tem um alto gasto previdenciário e que nosso “bônus demográfico” está com sua data de vencimento declarada. O governo e a sociedade têm se atentado mais a este tema nos últimos anos?
Giambiagi: O Brasil tem uma certa dificuldade de antecipar questões. Isso é um pouco parte da alma nacional. Basta ver a enorme proporção de gente que entrega a declaração do Imposto de Renda nos últimos dois dias, quando poderia entregar muitas semanas antes. Por isso, não faço ilusões de que alertas acerca de problemas que poderemos ter em 2020 ou 2030 recebam muito eco. Ao mesmo tempo, o “tic tac” dos dados está aí, jogando em favor das minhas teses: a despesa do INSS era de 2,5% do PIB em 1988 e será da ordem de 7,5 % do PIB este ano. Em algum momento, o que era óbvio para os especialistas se tornará claro para a liderança política. O papel dos técnicos é informar o debate com números. O momento de colocar isso na rua será definido pelo poder político, como é normal numa democracia.
Imil: O rombo previdenciário está em quase R$ 60 bilhões. Como reduzir os custos sabendo que a política de reajustes do salário mínimo é vinculada (pela Constituição) aos reajustes da previdência? Qual é a melhor forma de lidar com este impasse?
Giambiagi: Será impossível lidar com essa questão sem duas precondições fundamentais. A primeira é que o Executivo tem que liderar esse processo: é evidente que ninguém fará passeatas na rua pregando uma reforma da previdência e o Congresso jamais assumirá essa iniciativa. Quem tem que colocar essa agenda em pauta é o governo. A segunda precondição é que o governo tem que ter o máximo de preocupação em ser didático. Nunca fui candidato a nada, mas levo mais de 20 anos debatendo estas questões. E já enfrentei todo tipo de opiniões, inclusive bastante hostis. O que posso dizer dessa minha experiência pessoal é: não se deve subestimar a capacidade de compreensão das pessoas. É claro que ninguém gosta de trabalhar mais, mas quando você explica as questões para as pessoas, educadamente, mostrando os números, fazendo comparações internacionais etc., as pessoas, em geral, entendem que algo deve ser feito.
Imil: O modelo de capitalização individual, como é no Chile, é adequado para o Brasil?
Giambiagi: Não. O custo de transição seria enorme. Nesse modelo, a partir de certo momento a pessoa deixa de contribuir para o INSS e passa a contribuir para um fundo de capitalização. Com isso, o déficit público, que já é da ordem de 4% do PIB, aumentaria mais ainda. Não é uma boa estratégia. E, além disso, não resistiria à primeira crise das bolsas. Logo que o Ibovespa começasse a cair a gente teria filas quilométricas de aposentados do INSS reclamando que “ninguém me disse que minha aposentadoria seria afetada pela Bolsa”. A chance disso vingar no Brasil é zero. É um “não assunto”.
Imil: Mas estes debates mexem muito com emoções. Os custos são imediatos, enquanto os benefícios dispersos no tempo. Como o governo poderia lidar com isto, levando em conta o desconhecimento das pessoas sobre a importância de algumas reformas, como o corte de custos?
Giambiagi: Há que tirar um pouco do fetiche e, principalmente, evitar que se crie uma situação de pânico. Ninguém vai ameaçar os aposentados, ninguém que esteja às vésperas de se aposentar terá sua vida mudada dramaticamente. Temos que fazer uma mudança que seja implementada suavemente ao longo de vários anos. Eu desconfio que a resistência seria bem menor do que a que se supõe se as coisas forem explicadas de forma decente. Por que uma pessoa que teria que trabalhar 35 anos para se aposentar e é jovem irá se revoltar e quebrar tudo nas ruas se tiver que trabalhar 38 ou 39 anos, entendendo que isso é parte natural de uma mudança demográfica, coisa que até uma pessoa que não sabe ler ou escrever pode entender? Precisamos “desemocionalizar” um pouco esse debate.
Imil: O senhor afirmou que a combinação de redução do superávit primário, descumprimento de metas, utilização de descontos na contabilidade fiscal, abuso da contabilidade criativa e impropriedades conceituais— como a criação de um Fundo Soberano de acumulação de ativos num país com uma dívida bruta de 60 % do PIB – afetaram gravemente nossa reputação e ainda há mudança retroativa do indexador das dívidas. Como está a confiabilidade externa do país? Seguindo desta forma, quais os riscos de rebaixamento de rating (S&P e pela Moody’s)?
Giambiagi: A situação lembra a daquele menino da fábula que diz para o pessoal da cidade que há um lobo na floresta e insiste nisso, quando não há lobo algum. No dia em que o lobo aparece, já ninguém acredita mais no menino. O governo disse “n vezes” que não apelaria mais para a contabilidade criativa e para a redução do superávit primário, mas repetidamente é desmentido pelos fatos. O pior inimigo do governo é o noticiário do dia seguinte, que, geralmente, desmente o que foi prometido no dia anterior. Só em 2014, já houve um festival de desmentidos. O governo disse que a despesa fiscal da conta do apoio às distribuidoras de energia seria de R$ 9 bilhões e já está em R$ 13 bilhões. Disse que não faria mais contabilidade criativa e logo depois tirou da cartola os R$ 8 bilhões da Câmara de Energia, que terão que ser fruto de endividamento para serem pagos na conta dos contribuintes ano que vem.
Imil: Alguma consideração final?
Giambiagi: A profissão de fé no cumprimento da meta fiscal deste ano me lembra a frase de um antigo ministro da Fazenda colombiano, Guillermo Perry, que, rindo, costumava dizer, quando lhe cobravam declarações mais enfáticas sobre a questão fiscal, que “austeridade fiscal é como a atividade sexual. Em geral, quem fala muito dela, na verdade pratica pouco”. O importante é ser austero e não falar, apenas. E os números estão aí: em 2011 tivemos superávit primário de 3,1 % do PIB, em 2012 de 2,4 % do PIB, em 2013 de 1,9 % do PIB e nos últimos 12 meses já caiu para 1,7 % do PIB. Não adianta tapar o sol com a peneira.
09 de abril de 2014
Wagner Vargas
O déficit atual está em torno de R$56 bilhões, enquanto o número de brasileiros na terceira idade tende a ser cada vez maior nos próximos anos, com reajuste vinculado ao salário mínimo.
Em entrevista exclusiva para o Instituto Millenium, o economista Fábio Giambiagi falou sobre a condução das medidas econômicas, malabarismos fiscais do governo e sobre como o Brasil pode lidar com medidas impopulares, porém necessárias, que demandam corte de custos e bom funcionamento do sistema democrático.
Um dos maiores especialistas em finanças públicas e previdência social, Giambiagi é mestre em ciências econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor e organizador de diversos livros, entre eles “Reforma da Previdência, o encontro marcado” (Elsevier, 2007) e “Propostas para o governo 2015-2018 – Agenda para um país próspero” (Elsevier, 2013). Em abril deste ano, o especialista lança “Complacência – Entenda por que o Brasil cresce menos do que pode” (Elsevier, 2014), escrito em parceria com o economista Alexandre Schwartsman. Giambiagi atua como chefe do Departamento de Mercado do BNDES, é membro do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), especialista do Imil e articulista do jornal “Valor Econômico”.
Imil: O Brasil apresenta crescimento baixo, inflação alta, juros altos, alta carga tributária e baixa produtividade. Qual é o maior desafio a ser enfrentado?
Fabio Giambiagi: O grande desafio é transformar um país que cresceu com a ocupação aumentando 2,5 % ao ano e baixo crescimento da produtividade em um país onde a oferta de trabalho e o emprego vão crescer apenas 1,0 % ao ano e cuja produtividade precisará crescer muito mais. Aumentar a produtividade tem que se tornar uma obsessão nacional assim como foi no passado combater a alta inflação e depois combater os elevados níveis de pobreza.
Imil: A inflação é o pior cenário para a população de baixa renda, no entanto, temos a mesma meta de inflação – 4,5%, com intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo – desde 2005. A rigor, alguns analistas dizem que esta opção não tem permitido à economia crescer num ritmo maior. Qual sua visão sobre a questão?
Giambiagi: Essa crítica não faz o menor sentido e encontra-se em divórcio (litigioso!) com os fatos. No governo Lula, a meta de 4,5% era respeitada e o país crescia 4,0 % ao ano, em média. Depois que, no governo atual, o centro da meta passou a ser olimpicamente ignorado, o que deveria ter ocorrido com base nessa tese? O país deveria ter crescido mais. Certo? Não: errado. Passamos a flertar com inflação de 6 % e o crescimento caiu para a metade, apenas 2 % ao ano em média, grosso modo. O país tem que deixar para trás essas teses obtusas, até porque defender o respeito à meta de 4,5 % não pode ser tratado como um ato de ortodoxia, como se tivéssemos um alvo de inflação de menos de 2 % ao ano.
Imil: Uma das soluções apontadas para o combate à inflação é o mandato fixo para presidente do Banco Central e a adoção de metas plurianuais para inflação e superávit primário. Isso traria um maior compromisso das políticas econômicas à inflação, trazendo mais confiança?
Giambiagi: Sou a favor disso, mas cabem algumas qualificações. Quero ressaltar dois pontos. O primeiro é que embora a autonomia formal do Banco Central ajude, ela não é uma panaceia e pode ser tratada a pontapés por um governo intervencionista. Formalmente, o Banco Central argentino é autônomo, mas ele foi transformado em uma mixórdia pelos Kirchner. Já, aqui, não temos autonomia formal, mas no segundo governo FHC e nos anos Lula, o Banco Central foi plenamente independente, na prática. O segundo ponto é que a meta plurianual de superávit primário, na verdade, já existe, pois a Lei de Diretrizes Orçamentárias a define. O problema não é não termos metas plurianuais e sim as metas não terem significado algum pela possibilidade de ter descontos. Eu brinco dizendo que isso é como se um sujeito de cem quilos fizesse planos para emagrecer 20 quilos, “mas com possibilidade de emagrecer entre 0 e 20 quilos”. É óbvio que, quando bater a tentação, a meta vai virar pó. É o que acontece com a meta de 3,1 % do PIB no regime atual: ela não vale nada.
Imil: Autonomia por lei pode ser boa uma alternativa para não submeter à autoridade monetária aos ciclos eleitorais?
Giambiagi: Sou a favor, mas insisto: mais importante do que a lei é a atuação em si. Como dizia Roberto Campos, “o problema não é quando a lei é branda e sim quando a carne é fraca”. Um governo que respeite a autonomia do Bacen [Banco Central] vai deixar a política monetária fazer o que deve ser feito, qualquer que seja a legislação. Feito esse reconhecimento realista, de qualquer forma, sim, autonomia por lei seria um avanço.
Imil: O senhor vem alertando há alguns anos que, apesar de uma população ainda jovem, o Brasil tem um alto gasto previdenciário e que nosso “bônus demográfico” está com sua data de vencimento declarada. O governo e a sociedade têm se atentado mais a este tema nos últimos anos?
Giambiagi: O Brasil tem uma certa dificuldade de antecipar questões. Isso é um pouco parte da alma nacional. Basta ver a enorme proporção de gente que entrega a declaração do Imposto de Renda nos últimos dois dias, quando poderia entregar muitas semanas antes. Por isso, não faço ilusões de que alertas acerca de problemas que poderemos ter em 2020 ou 2030 recebam muito eco. Ao mesmo tempo, o “tic tac” dos dados está aí, jogando em favor das minhas teses: a despesa do INSS era de 2,5% do PIB em 1988 e será da ordem de 7,5 % do PIB este ano. Em algum momento, o que era óbvio para os especialistas se tornará claro para a liderança política. O papel dos técnicos é informar o debate com números. O momento de colocar isso na rua será definido pelo poder político, como é normal numa democracia.
Imil: O rombo previdenciário está em quase R$ 60 bilhões. Como reduzir os custos sabendo que a política de reajustes do salário mínimo é vinculada (pela Constituição) aos reajustes da previdência? Qual é a melhor forma de lidar com este impasse?
Giambiagi: Será impossível lidar com essa questão sem duas precondições fundamentais. A primeira é que o Executivo tem que liderar esse processo: é evidente que ninguém fará passeatas na rua pregando uma reforma da previdência e o Congresso jamais assumirá essa iniciativa. Quem tem que colocar essa agenda em pauta é o governo. A segunda precondição é que o governo tem que ter o máximo de preocupação em ser didático. Nunca fui candidato a nada, mas levo mais de 20 anos debatendo estas questões. E já enfrentei todo tipo de opiniões, inclusive bastante hostis. O que posso dizer dessa minha experiência pessoal é: não se deve subestimar a capacidade de compreensão das pessoas. É claro que ninguém gosta de trabalhar mais, mas quando você explica as questões para as pessoas, educadamente, mostrando os números, fazendo comparações internacionais etc., as pessoas, em geral, entendem que algo deve ser feito.
Imil: O modelo de capitalização individual, como é no Chile, é adequado para o Brasil?
Giambiagi: Não. O custo de transição seria enorme. Nesse modelo, a partir de certo momento a pessoa deixa de contribuir para o INSS e passa a contribuir para um fundo de capitalização. Com isso, o déficit público, que já é da ordem de 4% do PIB, aumentaria mais ainda. Não é uma boa estratégia. E, além disso, não resistiria à primeira crise das bolsas. Logo que o Ibovespa começasse a cair a gente teria filas quilométricas de aposentados do INSS reclamando que “ninguém me disse que minha aposentadoria seria afetada pela Bolsa”. A chance disso vingar no Brasil é zero. É um “não assunto”.
Imil: Mas estes debates mexem muito com emoções. Os custos são imediatos, enquanto os benefícios dispersos no tempo. Como o governo poderia lidar com isto, levando em conta o desconhecimento das pessoas sobre a importância de algumas reformas, como o corte de custos?
Giambiagi: Há que tirar um pouco do fetiche e, principalmente, evitar que se crie uma situação de pânico. Ninguém vai ameaçar os aposentados, ninguém que esteja às vésperas de se aposentar terá sua vida mudada dramaticamente. Temos que fazer uma mudança que seja implementada suavemente ao longo de vários anos. Eu desconfio que a resistência seria bem menor do que a que se supõe se as coisas forem explicadas de forma decente. Por que uma pessoa que teria que trabalhar 35 anos para se aposentar e é jovem irá se revoltar e quebrar tudo nas ruas se tiver que trabalhar 38 ou 39 anos, entendendo que isso é parte natural de uma mudança demográfica, coisa que até uma pessoa que não sabe ler ou escrever pode entender? Precisamos “desemocionalizar” um pouco esse debate.
Imil: O senhor afirmou que a combinação de redução do superávit primário, descumprimento de metas, utilização de descontos na contabilidade fiscal, abuso da contabilidade criativa e impropriedades conceituais— como a criação de um Fundo Soberano de acumulação de ativos num país com uma dívida bruta de 60 % do PIB – afetaram gravemente nossa reputação e ainda há mudança retroativa do indexador das dívidas. Como está a confiabilidade externa do país? Seguindo desta forma, quais os riscos de rebaixamento de rating (S&P e pela Moody’s)?
Giambiagi: A situação lembra a daquele menino da fábula que diz para o pessoal da cidade que há um lobo na floresta e insiste nisso, quando não há lobo algum. No dia em que o lobo aparece, já ninguém acredita mais no menino. O governo disse “n vezes” que não apelaria mais para a contabilidade criativa e para a redução do superávit primário, mas repetidamente é desmentido pelos fatos. O pior inimigo do governo é o noticiário do dia seguinte, que, geralmente, desmente o que foi prometido no dia anterior. Só em 2014, já houve um festival de desmentidos. O governo disse que a despesa fiscal da conta do apoio às distribuidoras de energia seria de R$ 9 bilhões e já está em R$ 13 bilhões. Disse que não faria mais contabilidade criativa e logo depois tirou da cartola os R$ 8 bilhões da Câmara de Energia, que terão que ser fruto de endividamento para serem pagos na conta dos contribuintes ano que vem.
Imil: Alguma consideração final?
Giambiagi: A profissão de fé no cumprimento da meta fiscal deste ano me lembra a frase de um antigo ministro da Fazenda colombiano, Guillermo Perry, que, rindo, costumava dizer, quando lhe cobravam declarações mais enfáticas sobre a questão fiscal, que “austeridade fiscal é como a atividade sexual. Em geral, quem fala muito dela, na verdade pratica pouco”. O importante é ser austero e não falar, apenas. E os números estão aí: em 2011 tivemos superávit primário de 3,1 % do PIB, em 2012 de 2,4 % do PIB, em 2013 de 1,9 % do PIB e nos últimos 12 meses já caiu para 1,7 % do PIB. Não adianta tapar o sol com a peneira.
09 de abril de 2014
Wagner Vargas
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