"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O ARTISTA E O ESTADISTA

 

Em 1959, Janio  Quadros e Juracy Magalhães disputavam a legenda da UDN para a Presidência da República. José Aparecido, articulador da campanha de Jânio, aconselhou-o a ir ao Nordeste para um encontro com os governadores da UDN: Magalhães Pinto (MG), presidente do partido,  Cid Sampaio (PE), Dinarte Mariz (RN), Luis Garcia (SE).

Marcaram encontro em Aracaju. Janio, Aparecido, outros, pegaram um avião  no Rio. Quando desceram em Salvador para reabastecer, Janio viu Juracy embarcando para Aracaju sem esperar para cumprimenta-lo. No aeroporto, a imprensa baiana  foi educada mas dura com Janio.
Perguntei:
- Governador, esses passeios de V. Exa pelo mundo estão sendo pagos por quem? Ou será com o famoso terreno da Vila Mariana, em São Paulo?
- Respeitem-me. Nada tenho a dizer. Lamento o comportamento do governador. Não sou dos que arreganham os dentes para o sucesso eleitoral.
Levantou-se e foi para avião. Em Aracaju uma multidão com vassouras e os governadores da UDN o esperavam. Disse a Aparecido:
- O Juracy me armou uma cilada. Vou dizer-lhe o que precisa ouvir.
Na primeira reunião, Jânio levantou-se:
- Governador Juracy, quero começar dizendo que não aceitei o que o senhor fez em Salvador, as perguntas que me mandou fazer.
Juracy também se levantou, apoplético:
- O senhor me respeite. Nunca precisei pedir a ninguém para fazer perguntas por mim. Não tenho caspas nos meus ombros. Sou um revolucionário de 30. O senhor é um aventureiro, mentiroso e demagogo.
- Governador Juracy, não temos mais nada a conversar. Eu me retiro.
E saiu rápido.

O VASSOURINHA
 
Em 10 de fevereiro de 1961, dez dias depois da posse de Jânio no governo, fui a Porto Alegre entrevistar o governador Leonel Brizola. Recebeu-me no gabinete no dia seguinte às seis da manhã. Estavam lá, com cara de sono, Brusa Neto e Hamilton Chaves, os principais assessores. A conversa foi longa e objetiva. A certa altura, Brizola pede que eu não anote:
- Nery, isso que vou te dizer não deve ser publicado, porque não quero criar problema para o presidente Jânio Quadros. Gosto dele, estamos os dois apenas com dez dias de governo. E já começam graves problemas.
- De que tipo, governador?
- Políticos e econômicos. Sobretudo políticos. Tu já fizeste uma análise das forças políticas e econômicas que financiaram o Vassourinha? (Vassourinha era o Jânio). Para atender às necessidades do País e dos seis milhões de eleitores que votaram nele, ele vai ter que mudar de comportamento, e as forças que o financiaram não vão se conformar.
Bateu o fundo da caneta na mesa, ficou pensando longe:

- Tu deves ficar atento. Em seis meses, ou ele renuncia ou vamos para a guerra civil.
Fui para o hotel, anotei e guardei. Em sete meses Jânio renunciou.
LEITE BARBOSA


Jânio era dois: o artista e o estadista. Alias, era vários. Historias do artista, do múltiplo, do excepcional comunicador de massas, do candidato sempre imbatível -  vereador, deputado estadual, deputado federal, prefeito, governador, presidente – há tantas, nos meus e outros livros. Mas o Brasil lhe devia o livro sobre o estadista, o homem que em 1960 viu o pais meio século à frente, com todos os riscos e abismos que precisaria saltar e vencer.

Pois tem o livro. Publicado em 2007 pela Editora Atheneu (Rio, São Paulo), e logo esgotado, volta às livrarias, em esmerada segunda edição ampliada, uma obra-prima do embaixador Carlos Alberto Leite Barbosa: “Desafio Inacabado – A Política Externa de Jânio Quadros”.

Rara gente no Brasil teria a bagagem do embaixador Leite Barbosa para um livro desse nível sobre a política externa brasileira. Formado pela  Nacional de Direito da Universidade do Brasil,  já no Itamaraty aos 23 anos, em 42 anos de diplomata serviu em Nova York, Buenos Aires e Madri e, foi embaixador em Bogotá, Roma, Paris e junto à OEA.

Em 1960 foi convocado para o governo Jânio Quadros, onde trabalhou ao lado do presidente todos os dias dos 7 meses do governo. Seu testemunho é preciso, detalhado, documentado e sobretudo inteligente, não perdendo os conflitos que iam surgindo e sendo enfrentados. Perfis irretocáveis: de Jânio, Afonso Arinos, Lacerda, Fidel, Guevara, Kennedy, Tito, Frondisi. E EUA, União Soviética, China, África. Uma aula magna.

20 de janeiro de 2014
Sebastião Nery

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