Marcaram encontro em Aracaju. Janio, Aparecido, outros, pegaram um avião no Rio. Quando desceram em Salvador para reabastecer, Janio viu Juracy embarcando para Aracaju sem esperar para cumprimenta-lo. No aeroporto, a imprensa baiana foi educada mas dura com Janio.
Perguntei:
- Governador, esses passeios de V. Exa pelo mundo estão sendo pagos por quem? Ou será com o famoso terreno da Vila Mariana, em São Paulo?
- Respeitem-me. Nada tenho a dizer. Lamento o comportamento do governador. Não sou dos que arreganham os dentes para o sucesso eleitoral.
Levantou-se e foi para avião. Em Aracaju uma multidão com vassouras e os governadores da UDN o esperavam. Disse a Aparecido:
- O Juracy me armou uma cilada. Vou dizer-lhe o que precisa ouvir.
Na primeira reunião, Jânio levantou-se:
- Governador Juracy, quero começar dizendo que não aceitei o que o senhor fez em Salvador, as perguntas que me mandou fazer.
Juracy também se levantou, apoplético:
- O senhor me respeite. Nunca precisei pedir a ninguém para fazer perguntas por mim. Não tenho caspas nos meus ombros. Sou um revolucionário de 30. O senhor é um aventureiro, mentiroso e demagogo.
- Governador Juracy, não temos mais nada a conversar. Eu me retiro.
E saiu rápido.
O VASSOURINHA
- Nery, isso que vou te dizer não deve ser publicado, porque não quero criar problema para o presidente Jânio Quadros. Gosto dele, estamos os dois apenas com dez dias de governo. E já começam graves problemas.
- De que tipo, governador?
- Políticos e econômicos. Sobretudo políticos. Tu já fizeste uma análise das forças políticas e econômicas que financiaram o Vassourinha? (Vassourinha era o Jânio). Para atender às necessidades do País e dos seis milhões de eleitores que votaram nele, ele vai ter que mudar de comportamento, e as forças que o financiaram não vão se conformar.
Bateu o fundo da caneta na mesa, ficou pensando longe:
- Tu deves ficar atento. Em seis meses, ou ele renuncia ou vamos para a guerra civil.
Fui para o hotel, anotei e guardei. Em sete meses Jânio renunciou.
LEITE BARBOSA
Jânio era dois: o artista e o estadista. Alias, era vários. Historias do artista, do múltiplo, do excepcional comunicador de massas, do candidato sempre imbatível - vereador, deputado estadual, deputado federal, prefeito, governador, presidente – há tantas, nos meus e outros livros. Mas o Brasil lhe devia o livro sobre o estadista, o homem que em 1960 viu o pais meio século à frente, com todos os riscos e abismos que precisaria saltar e vencer.
Pois tem o livro. Publicado em 2007 pela Editora Atheneu (Rio, São Paulo), e logo esgotado, volta às livrarias, em esmerada segunda edição ampliada, uma obra-prima do embaixador Carlos Alberto Leite Barbosa: “Desafio Inacabado – A Política Externa de Jânio Quadros”.
Rara gente no Brasil teria a bagagem do embaixador Leite Barbosa para um livro desse nível sobre a política externa brasileira. Formado pela Nacional de Direito da Universidade do Brasil, já no Itamaraty aos 23 anos, em 42 anos de diplomata serviu em Nova York, Buenos Aires e Madri e, foi embaixador em Bogotá, Roma, Paris e junto à OEA.
Em 1960 foi convocado para o governo Jânio Quadros, onde trabalhou ao lado do presidente todos os dias dos 7 meses do governo. Seu testemunho é preciso, detalhado, documentado e sobretudo inteligente, não perdendo os conflitos que iam surgindo e sendo enfrentados. Perfis irretocáveis: de Jânio, Afonso Arinos, Lacerda, Fidel, Guevara, Kennedy, Tito, Frondisi. E EUA, União Soviética, China, África. Uma aula magna.
20 de janeiro de 2014
Sebastião Nery
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