Confrontada com o assustador diagnóstico em 2011, aos 23 anos, Evelin Scarelli repetiu a pergunta que se fazem dez em dez pessoas surpreendidas pelo câncer: “Por que eu?”. Era natural que ficasse inconformada com a descoberta do tumor maligno num seio, algo que raramente se manifesta em mulheres tão jovens e sem antecedentes familiares conhecidos. Alguns dias e muita reflexão depois, a pergunta inicial foi invertida pela introdução do advérbio de negação: “Por que não eu?”
Nascida em Bragança Paulista, a 90 quilômetros da capital, a moça de pele alva, longos cabelos castanhos e expressão confiante acabara de voltar de Brasília, onde festejara o aniversário de um amigo, quando ouviu de seu médico a notícia que todos temem. “Pedi uma semana para pensar em tudo que estava acontecendo, para assimilar a informação de que eu tinha câncer de mama”, lembra. “Mas ele disse que não seria possível. Saí do consultório já com a papelada dos exames e uns quinze dias depois fiz a mastectomia”.
Evelin precisou suspender no último ano as aulas numa faculdade de fisioterapia em São Paulo, onde mora com os pais. Iniciada a quimioterapia, os cabelos cortados no estilo chanel começaram a cair. A garota franzina e de fala suave valeu-se da fé intensa para, primeiro, resistir ao o diagnóstico e, em seguida, sufocar o desespero com a certeza de que sairia daquele drama muito melhor. Hoje ela até agradece a armadilha do destino. “Minha vida mudou”, diz. “O que parecia tão difícil acabou se tornando uma coisa linda”.
Além da previsível ajuda dos pais e do irmão, contribuiu para a superação das dificuldades a singular capacidade de rir de si própria. ”Sempre quis ter seios maiores”, brinca. “Não pensei duas vezes: aproveitei que precisaria tirar uma mama e coloquei silicone nas duas. Quando acordei da cirurgia, os momentos de mal estar se alternavam com a alegria pelo novo par de seios”.
É provável que as dificuldades enfrentadas no pós-cirúrgico tenham tornado menos frequentes os instantes de alegria. Em contrapartida, a rotina dolorosa consolidou seu desejo de compartilhar as lições que assimilara com tantas pessoas quanto pudesse. “Transmitir isso tudo para muita gente é o meu combustível, é o que me faz seguir adiante”, enfatiza. Em abril de 2012, nasceu o blog Lenço Cor de Rosa ─ inspirado na cor de seu primeiro lenço. As crônicas bem-humoradas logo se espalharam pela internet e a página passou a acumular acessos de todos os cantos do país ─ e até mesmo dos Estados Unidos. “Ganhei grandes amigos”, comemora. “Mais legal ainda é trocar experiências e saber que você não está sozinho”.
Terminada a etapa da quimioterapia, Evelin decidiu doar os lenços que lhe cobriram a cabeça durante o tratamento. “Foram meus companheiros de jornada”, sorri. “Neles eu imprimi todos os sentimentos que marcaram essa fase da minha vida. Não me pertenciam mais”.
Dois dias depois de anunciar em seu blog a disposição de distribuí-los, os 17 lenços já tinham novos donos. Cuidadosamente embalados, todos foram remetidos junto com dois brindes: uma carta de apresentação manuscrita e um tsuru, dobradura japonesa que simboliza a esperança e a persistência. A ação repercutiu intensamente na internet e inúmeros desconhecidos lhe enviaram lenços para que os passasse adiante.
Aos 25 anos, ela atualmente trabalha numa ONG que assiste e apoia portadores de câncer. Ali comanda o Espaço Cor de Rosa e segue doando lenços. Até agora, os presenteados são quase 400, entre os quais figura a assistente social Débora Rodrigues Medeiros, de 43 anos. Também afetada pela mesma doença, Débora ressalta a importâncias de ações desse gênero. “É bonito ver a corrente de bem que se forma entre as pessoas com câncer”, diz. “Quando abri o pacote, foi como se ganhasse mais que um lenço. Ganhei um abraço e uma amiga”. O Espaço Rosa age em todo o país e sobrevive graças a doações feitas sobretudo por pacientes já beneficiadas pela iniciativa.
Além dos lenços, a ONG distribui próteses externas e perucas de cabelo sintético. Também providencia cabeleireiro para quem ainda não começou o tratamento e deseja usar o próprio cabelo para fazer a peruca. A principal dificuldade encontrada pela ONG é arcar com as despesas exigidas pela remessa dos donativos. “Gastamos cerca de R$ 500 por mês com os Correios”, calcula Evelin. “Um patrocinador certamente facilitaria o nosso trabalho”. Os interessados podem entrar em contato com a entidade pelo site ou pela página no Facebook.
A conclusão do curso de fisioterapia não vai mudar a rota que a menina do lenço cor de rosa vem percorrendo. ”Não me vejo fazendo outra coisa que não seja ajudar os outros”, informa com evidente convicção. Evelin está resolvida a continuar transmitindo a mensagem que resume em duas frases: “Isso é só um processo. Isso passa”.
03 de novembro de 2013
JÚLIA RODRIGUES
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