O ministro Celso de Mello tem tudo para rasgar o longo e bem fundamentado voto que já preparou, recusando os embargos infringentes como recurso salvador para 14 dos 25 condenados no Mensalão. Até quarta-feira que vem, quando anuncia seu voto de minerva, o decano do STF conviverá com uma pressão psicológica extrema, entre tomar uma decisão jurídica ou política, contra a própria vontade intelectual.
O “Celso Jurídico” (apelido dele nos tempos da tradicionalíssima Faculdade de Direito do Largo de São Francisco) deve ceder ao pragmatismo do “Celso Político” (aquele que, no julgamento da Ação Penal 470, pregou que o “Estado Brasileiro não tolera o poder que corrompe, nem admite o poder que se deixa corromper”). O dilema de Celso de Mello é entre seu notório saber jurídico e a notória sabedoria para preservar a imagem do Supremo perante a sociedade.
Nessa balança em que Política e Justiça pesam toneladas, a tendência pragmática é que fale mais alto a sobrevivência institucional. Ministro do STF desde 1989, quando foi indicado pelo então Presidente José Sarney, Celso de Mello ainda tem muito tempo para trabalhar suas 14 horas diárias no Supremo. Como só se aposenta em novembro de 2015, quando fizer 70 anos de idade, deve pesar em sua decisão de quarta-feira a necessidade de preservar a Corte suprema.
Para o Olimpo do STF continuar bem na fita da sociedade, a Ação Penal 470 precisa realmente chegar ao fim agora, sem o risco de impunidade agora despontado com um especulado “recomeço” de julgamento. Até quem votou pelos embargos, no fundo, pensa assim. O recado pela preservação do STF foi dado por outro Mello (o ministro Marco Aurélio), em entrevista a O Globo, alertando sobre o alto risco de “um forno que está aceso”:
“É uma responsabilidade enorme para o ministro Celso de Mello. É uma matéria que eu não tenho dúvida sobre a revogação do Regimento Interno. Mas, pelo visto, como tem cinco votos a cinco, é uma matéria polêmica. O tribunal, em termos de perda de credibilidade, está à beira do precipício. Para citar John Steinbeck (autor americano), quando uma luz se apaga, fica muito mais escuro do que se nunca tivesse brilhado. A sociedade começou a acreditar no STF e agora, com essa virada no horizonte de se rejulgar, há decepção”.
Desde sábado, a consciência pública de Celso de Mello vem sendo atormentada por um episódio revelado, por escrito, no passado, pelo seu padrinho de indicação para o STF, o ex-ministro da Justiça Saulo Ramos. A historinha, na autobiografia “Código de Vida”, circula, freneticamente, na internet. Celso de Mello, que nunca comentou o episódio publicamente, fica exposto no conflito político-jurídico do passado:
- Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.
- Claro, o que deu em você?
-É que a F. de São Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a F. de São Paulo. Mas fique tranquilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.
Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:
- Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a F. de São Paulo noticiou que você votaria a favor?
- Sim.
- E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?
- Exatamente. O senhor me entendeu?
- Entendi. Entendi que você é um juiz de merda!
Bati o telefone e nunca mais falei com ele.
Aspas fechadas para o falecido Saulo Ramos, o que resta do episódio é uma possibilidade concreta. Todo voto de um ministro do Supremo pode ser mudado, na hora em que é proferido verbalmente. Portanto, os advogados dos mensaleiros que se preparem para pedir habeas corpus em favor dos clientes mensaleiros prestes a ter a prisão executada. O placar final de 18 de setembro tem tudo para fechar em 6 a 5...
Forno aceso...
Como bem expôs o pragmático Marco Aurélio, único que votou contra a criminosa demarcação da “Nação Indígena” da Raposa Serra do Sol, o forno está aceso... Mas agora não convém preparar a maior das pizzas – conforme a irônica montagem que circula nos e-mails e redes sociais. Ou o STF detona de vez com os mensaleiros, fazendo-os de bode expiatórios, ou os mensaleiros acabarão com o STF.
Pressão das ruas
A voz rouca das ruas, certamente, vai pesar na decisão final do STF, com manifestações convocadas virtualmente para a próxima quarta, na Praça dos Três Poderes, em Brasília...
Releia o artigo de domingo: Marmotas supremas, danai-vos!
Vida que segue... Ave atque Vale! Fiquem com Deus.
Jorge Serrão é Jornalista, Radialista, Publicitário e Professor.
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