Em uma tarde de agosto, um tumulto barulhento interrompeu por meia hora a sessão da Câmara dos Deputados, em Brasília. No começo, era apenas um grupo de 500 manifestantes que gritava suas reivindicações no Salão Verde, perto do plenário dos parlamentares.
Eram policiais, papiloscopistas, enfermeiros e bombeiros defendendo seus interesses legítimos. Como tem sido costume nesses dias, um destacamento mais exaltado pressionou a passagem e acabou invadindo a sessão. Aí a situação degringolou, e a balbúrdia se impôs. O presidente da Casa, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), açoitava o ar com o dedo indicador, como se tivesse nele um pequenino chicote, escandindo a voz:
– Desse jeito, não conquistam nem o respeito nem o voto deste plenário.
Claro que não adiantou nada. Pouco antes, os encarregados da segurança tinham disparado jatos de gás de pimenta contra os invasores, também em vão. Diante do caos, os congressistas não tiveram outra saída, a não ser parar os trabalhos. Outra vez, um protesto que seria normal deu lugar ao vexame desbragado – agravado porque os protagonistas da baderna eram autoridades.
Pouco depois, no início da noite da própria terça, o jornalista Josias de Souza publicou em seu blog a caracterização exata do incidente: “Sinal dos tempos! Policiais virando Black Blocs”.
Quando um servidor público promove a desordem, algum alarme precisa soar
Alguma coisa está fora de ordem. Desde junho, os meios de comunicação de massa vêm cumprindo seu papel e alertam a audiência: não é com quebra-quebra que a democracia se aperfeiçoará. Quem promove a violência em atos públicos não apenas fere o patrimônio e os direitos de outras pessoas, como, talvez mais grave ainda, sabota a liberdade de expressão dos demais manifestantes.
Ao transformar as passeatas em batalhas campais, os arruaceiros afugentam das ruas os cidadãos pacíficos e inviabilizam o exercício de um direito legítimo, que todos nós temos: o direito de protestar contra o governo e contra quem quer que seja.
Mas há nuances nesse quadro, e essas nuances não têm sido bem exploradas pela cobertura dos protestos. Dizer simplesmente que o Brasil se divide entre “vândalos”, de um lado, e “manifestantes ordeiros e pacíficos”, de outro, talvez não seja suficiente. Essa abordagem talvez não dê conta da complexidade do momento e não nos ajude a enxergar que, muitas vezes, são justamente as forças encarregadas de manter a ordem que promovem a desordem, como vimos na semana passada na Câmara dos Deputados.
E então? Por onde passa mesmo a escalada da violência? Olhemos o cenário com mais atenção. Que jovens confusos partam para cima da tropa de choque e acreditem que, com isso, libertarão as massas da opressão capitalista, é algo a lamentar, sem dúvida.
Mas, vamos e venhamos, faz parte do figurino das manifestações que varreram o planeta de uns tempos para cá. Era de esperar que isso também acontecesse no Brasil. Os adeptos do quebra-quebra devem ser contidos, por certo, mas não devem ser tratados como se fossem terroristas ou traficantes armados.
Esses jovens não são a fonte do mal que nos espreita. Não são assassinos, não são assaltantes, não são integrantes de milícias ilegais.
O lado mais grave do problema está na autoridade que erra a mão.
Quando a polícia se omite escandalosamente e não reprime depredações e saques praticados por criminosos a centenas de metros das passeatas, quebrando vitrines e roubando mercadorias (como aconteceu no centro de São Paulo na noite fatídica de 18 de junho e em várias outras cidades), a ordem pública vai para o buraco. É no vazio deixado pela autoridade – a autoridade civilizada, bem entendido – que o vandalismo se converte em ameaça.
Se a polícia militar espanca jovens pacatos e fecha os olhos para bandidos encapuzados, o tempo fecha. Quando servidores públicos, em atos sindicais, começam a brincar de Black Bloc, o tempo fecha mais ainda. Fiquemos atentos. O clima é tenso. Há muita raiva no ar. Nas passeatas, há quem aplauda os que quebram vitrines de repartições públicas, tamanho é o sofrimento represado. Não é hora de crucificar a juventude. É hora de cobrar juízo, sim, mas principalmente das autoridades.
11 de setembro de 2013
Eugenio Bucci
Nenhum comentário:
Postar um comentário