“Como é que eu vou comer? Como é que eu vou beber? Como é que eu vou calçar?”. O espírito de Luislinda Valois, a ministra que queria receber acima do teto, parece ter baixado no Supremo. Enquanto o país patina na crise, os juízes do tribunal aprovaram um aumento nos próprios salários.
Ao justificar o reajuste, o ministro Ricardo Lewandowski disse que aposentados do Judiciário estariam passando por uma “situação de penúria extrema”. “Se a magistratura não tem recompensa pela defasagem de 50% nos vencimentos, como é que os magistrados vão sobreviver?”, dramatizou.
Hoje os onze supremos sobrevivem com um salário de R$ 33,7 mil. Pela nova proposta, passarão a ganhar R$ 39,2 mil a partir do ano que vem. O efeito cascata, segundo cálculos da própria Corte, será de R$ 717 milhões apenas na Justiça Federal.
Também deve haver impacto sobre os orçamentos do Executivo e do Legislativo. Como o salário dos ministros é o teto do funcionalismo, o valor passou a ser usado como indexador. Quando os togados embolsam um a mais, os demais servidores reivindicam aumentos na mesma proporção.
A aprovação do reajuste é uma derrota da ministra Cármen Lúcia, que está prestes a deixar a presidência do tribunal. Ela tentou barrar o gasto extra, mas só teve apoio de três colegas. Foi um novo sinal de que o poder já se deslocou para seu sucessor, Dias Toffoli, que assume a cadeira em setembro. Ao que tudo indica, a gestão do ministro será mais sensível ao lobby das associações de magistrados.
As entidades não devem se saciar com o reajuste. Seus porta-vozes já deixaram claro que lutarão para manter penduricalhos como o auxílio-moradia, que continua a ser depositado na conta de magistrados que têm imóvel próprio. O juiz Sergio Moro, que tem apartamento e defende o pagamento do benefício, já alegou que o auxílio “compensa a falta de reajuste” nos contracheques.
Agora que o aumento passou, ele e seus colegas poderiam abrir mão da benesse.
11 de agosto de 2018
Bernardo Mello Franco
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário