"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

POR UMA "DEMOCRACIA REPRESENTATIVA"



É pura ilusão acreditar que mais uma eleição dentro da mesma regra “proporcional” das anteriores – agravada agora pelo “financiamento público” que abafa a voz de quem entra limpo na disputa enquanto dá um megafone ao continuismo – vá mudar qualquer coisa de significativo na tragédia brasileira. É de uma ingenuidade de dar pena afirmar que “eleger gente honesta” é o quanto basta, como se jogar honestamente se tivesse tornado milagrosamente possivel num jogo que começa viciado pela obrigação de todo estreante de compor-se com os donos das capitanias partidárias hereditárias e seus latifundios no “horário gratuito” e prossegue com os políticos, tornados intocáveis assim que eleitos pelos 30 co-proprietários do “fundo partidário” dimensionado e redimensionado “a gosto”, negociando cada voto nos legislativos.



Também é sonho de uma noite de verão imaginar que a doença brasileira possa ser curada só com ações policiais e judiciais encomendadas ou desencomendadas a critério de agentes públicos refestelados em privilégios e fora do alcance dos eleitores. Quanto do “vaza-não vaza” que atinge exclusivamente o legislativo e o executivo responde a uma disposição genuína de fazer justiça? Quanto ao propósito de deter reformas contra privilégios? Quanto às disputas de poder de inspiração ideológica ou patrimonialista?

Nem pouco, nem muito mais do mesmo mudará coisa nenhuma. A primeira providência comezinha para tirarmos o pé desse passado grudento é liberar a portaria da política. Despartidarizar as eleições municipais e condicionar as estaduais para cima a eleições primárias diretas. Nos municipios – todos únicos e radicalmente diferentes entre si – deve concorrer quem quiser, independentemetente de partidos. E nas eleições estaduais e federais quem quer que chegue às portas do partido apoiado por uma lista de assinaturas não muito extensa terá obrigatoriamente de ser incluido na disputa pelo direito de candidatar-se que os associados da agremiação decidirão no voto direto. É o quanto basta para varrer de cena os velhos caciques sem a eliminação dos quais o ambiente político não se higieniza.



No mais, o nome do jogo é “democracia representativa”. A implantação de um sistema que permita saber exatamente quem representa quais eleitores em cada instância de governo é, portanto, o que poderá nos credenciar a entrar nele. Isto se consegue com eleições distritais puras. O eleitorado tem de ser dividido em distritos mais ou menos equivalentes em numero de habitantes desenhados sobre o mapa real da localização do seu domicílio, do menor (o bairro ou conjunto de bairros em eleições municipais) para o maior (um conjunto de distritos menores em eleições mais amplas). O tamanho dos distritos é dado pela divisão do numero de habitantes pelo numero de representantes que se deseja ter na instância em disputa e só pode ser alterado em função do censo populacional. O Brasil de 204 milhões de habitantes, mantido o numero de deputados federais de hoje, seria dividido em 513 distritos de aproximadamente 400 mil habitantes. Como cada distrito só pode eleger um representante e cada candidato só pode concorrer por um distrito, alem de reduzir drasticamente o custo das campanhas, o sistema permite que cada deputado eleito saiba o nome e o endereço de todos os seus representados.



Mas eleição distrital não é uma solução em si mesmo. Ela apenas permite viabilizar o controle efetivo do processo político pelos eleitores com garantia de absoluta legitimidade daí por diante. Esclarecido quem representa quem, o passo seguinte é consagrar o direito à retomada dos mandatos traidos ou mal satisfeitos a qualquer momento (recall). Qualquer cidadão pode iniciar uma petição para desafiar o seu representante. Se conseguir uma porcentagem previamente definida de assinaturas será convocada uma nova eleição apenas no distrito envolvido para reconfirmar ou cassar seu representante e eleger um substituto.

O resto do ferramental inclui o direito ao referendo por iniciativa popular das leis passadas nos legislativos usando a mesma mecânica de legitimação do recall, o que torna efetivo, de trôco, o direito de oferecer leis de iniciativa popular que os brasileiros “já têm” (me engana que eu gosto), pois a ultima palavra sobre toda lei passa a ser daqueles a quem ela será imposta e não mais de legisladores livres para legislar em causa própria.



Isso de fato entrega o poder a quem a constituição define como a “unica fonte de legitimação do estado”, nós, o povo, também dito o eleitorado. Mas todo esse edifício só se mantem solidamente em pé com o complemento das periódicas “eleições de retenção” de juízes, o Brasil amargamente sabe porque. As comarcas sob a alçada de cada um devem ter correspondência com os distritos eleitorais e a cada eleição o nome de cada juiz de cada tribunal até a instância estadual mais alta, aparecerá na cédula dos eleitores sujeitos à sua jurisdição com a pergunta sobre se deve manter ou não seu cargo e suas prerrogativas por mais um período. Os que forem expelidos serão substituidos pelo sistema normal de nomeação de juizes, com o que cria-se um controle efetivo do Judiciário operando exclusivamente a porta de saída, sem interferir com a independência de quem permanecer dentro do sistema.



A eleição de outubro se vai desenhando como desolada e negativamente plebiscitária. A escolha restringe-se a votar simbólica e genericamente “contra a política” ou pela continuação dela por falta de melhor e medo do pior. Ninguém oferece plataforma nenhuma que se possa apoiar. E adotar um tom radical, mesmo que seja em torno de nada, é a única coisa que empurra candidatos para cima do brejo geral dos sub-10%. Se alguém abraçar radicalmente uma plataforma de reformas não apenas que faça sentido mas que possa exibir uma certificação histórica de eficiência letal contra a corrupção e a politicagem estará, portanto, seriamente arriscado de se tornar um candidato imbatível.



17 de maio de 2018
Vespeiro, Estado de S.Paulo

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