Dez anos depois do início da última crise global, o mundo está pendurado em dívidas e vulnerável a novos abalos. Há dois anos a soma dos débitos privado e público chegou a US$ 164 trilhões, um recorde equivalente a 225% do produto mundial. A última grande crise começou com o estouro de uma bolha financeira. Riscos de novas turbulências têm sido apontados por economistas e dirigentes de instituições multilaterais. Nenhum governo deveria ignorá-los, e isso vale especialmente para o caso do Brasil, um campeão do endividamento público entre os grandes países emergentes.
As advertências podem parecer estranhas, quando a atividade se intensifica na maior parte do mundo e as previsões de crescimento para este e para o próximo ano são revistas para cima. Mas os fatos parecem claros. Fatores favoráveis à prosperidade, como juros baixos, crédito fácil e vigor crescente nos mercados de ações e de commodities, criam ambiente para a imprudência e para o surgimento de novas vulnerabilidades.
Não é hora para complacência, insiste o diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI), Vitor Gaspar. A dívida pública tem crescido em todo o mundo e atingiu no ano passado o equivalente a 82,4% do produto global. Entre os países desenvolvidos, a proporção chegou a 105,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 e deve recuar ligeiramente, para 103,9%, neste ano. O endividamento médio dos países emergentes e de renda média é muito menor: 49% do PIB no ano passado e provavelmente 51,2% neste ano. A situação brasileira é bem mais preocupante.
Pelo critério do FMI, o endividamento do governo geral – federal, de Estados e municípios – chegou a 84% do PIB no ano passado, deve bater em 87,3% neste ano e alcançar 96,3% em 2023. Pelo critério oficial brasileiro, a dívida continua pouco abaixo de 80%. Nos cálculos de Brasília, papéis do Tesouro mantidos na carteira do Banco Central (BC) são desconsiderados. Isso explica a diferença. Em qualquer caso, a situação do governo geral, no Brasil, é muito mais precária que a da maior parte das economias emergentes e de renda média.
Com os juros básicos em queda, o endividamento do Tesouro Nacional, de longe o mais importante do conjunto, tem crescido pouco mais lentamente. Mas continuará a crescer enquanto o governo for incapaz de pagar pelo menos os juros vencidos em cada período. Só se pode cobrir essa despesa quando há superávit primário, isto é, quando sobra algum dinheiro depois de pagas as despesas de operação do governo, tanto de custeio quanto de investimento. Mas o saldo primário tem sido negativo desde os tempos de gastança irresponsável da presidente Dilma Rousseff. Tem sido preciso rolar o principal e os juros e, além disso, tomar mais algum dinheiro no mercado para manter as luzes acesas nos escritórios federais.
Até agora o Tesouro tem tido acesso aos mercados, e em condições até razoáveis, embora o crédito soberano continue classificado em grau especulativo pelas principais agências de avaliação de risco. Mas o endividamento crescente, consequência do desajuste fiscal prolongado, pode afetar o humor dos financiadores. Endividamento em alta combinado com financiamento em baixa significa risco de insolvência. Esse risco parece por enquanto remoto, mas pode tornar-se bem mais sensível se o quadro político evoluir de maneira preocupante.
Além disso, mesmo uma administração severa e respeitável das contas públicas será insuficiente para anular novos perigos, se as condições do mercado financeiro forem afetadas por algum novo choque. A possibilidade de um choque desse tipo tem crescido, nos últimos tempos, com a expansão do endividamento e das operações de risco nos mercados de ações e de outros ativos. O FMI e outras instituições têm alertado para esse perigo.
O cenário agora se complica, segundo o FMI, com a política fiscal expansionista do presidente Donald Trump. Essa política pode impulsionar, a curto prazo, uma economia já em expansão desde o governo anterior, mas tende a acentuar, a médio prazo, os desequilíbrios internos dos Estados Unidos e os externos. Há muitos motivos para os governos aproveitarem a boa fase econômica para criar amortecedores fiscais, preciosos no caso de um novo choque.
23 de abril de 2018
Editorial Estadão
As advertências podem parecer estranhas, quando a atividade se intensifica na maior parte do mundo e as previsões de crescimento para este e para o próximo ano são revistas para cima. Mas os fatos parecem claros. Fatores favoráveis à prosperidade, como juros baixos, crédito fácil e vigor crescente nos mercados de ações e de commodities, criam ambiente para a imprudência e para o surgimento de novas vulnerabilidades.
Não é hora para complacência, insiste o diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI), Vitor Gaspar. A dívida pública tem crescido em todo o mundo e atingiu no ano passado o equivalente a 82,4% do produto global. Entre os países desenvolvidos, a proporção chegou a 105,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 e deve recuar ligeiramente, para 103,9%, neste ano. O endividamento médio dos países emergentes e de renda média é muito menor: 49% do PIB no ano passado e provavelmente 51,2% neste ano. A situação brasileira é bem mais preocupante.
Pelo critério do FMI, o endividamento do governo geral – federal, de Estados e municípios – chegou a 84% do PIB no ano passado, deve bater em 87,3% neste ano e alcançar 96,3% em 2023. Pelo critério oficial brasileiro, a dívida continua pouco abaixo de 80%. Nos cálculos de Brasília, papéis do Tesouro mantidos na carteira do Banco Central (BC) são desconsiderados. Isso explica a diferença. Em qualquer caso, a situação do governo geral, no Brasil, é muito mais precária que a da maior parte das economias emergentes e de renda média.
Com os juros básicos em queda, o endividamento do Tesouro Nacional, de longe o mais importante do conjunto, tem crescido pouco mais lentamente. Mas continuará a crescer enquanto o governo for incapaz de pagar pelo menos os juros vencidos em cada período. Só se pode cobrir essa despesa quando há superávit primário, isto é, quando sobra algum dinheiro depois de pagas as despesas de operação do governo, tanto de custeio quanto de investimento. Mas o saldo primário tem sido negativo desde os tempos de gastança irresponsável da presidente Dilma Rousseff. Tem sido preciso rolar o principal e os juros e, além disso, tomar mais algum dinheiro no mercado para manter as luzes acesas nos escritórios federais.
Até agora o Tesouro tem tido acesso aos mercados, e em condições até razoáveis, embora o crédito soberano continue classificado em grau especulativo pelas principais agências de avaliação de risco. Mas o endividamento crescente, consequência do desajuste fiscal prolongado, pode afetar o humor dos financiadores. Endividamento em alta combinado com financiamento em baixa significa risco de insolvência. Esse risco parece por enquanto remoto, mas pode tornar-se bem mais sensível se o quadro político evoluir de maneira preocupante.
Além disso, mesmo uma administração severa e respeitável das contas públicas será insuficiente para anular novos perigos, se as condições do mercado financeiro forem afetadas por algum novo choque. A possibilidade de um choque desse tipo tem crescido, nos últimos tempos, com a expansão do endividamento e das operações de risco nos mercados de ações e de outros ativos. O FMI e outras instituições têm alertado para esse perigo.
O cenário agora se complica, segundo o FMI, com a política fiscal expansionista do presidente Donald Trump. Essa política pode impulsionar, a curto prazo, uma economia já em expansão desde o governo anterior, mas tende a acentuar, a médio prazo, os desequilíbrios internos dos Estados Unidos e os externos. Há muitos motivos para os governos aproveitarem a boa fase econômica para criar amortecedores fiscais, preciosos no caso de um novo choque.
23 de abril de 2018
Editorial Estadão
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