A sociedade ainda está polarizada, mas agora não apenas na política. Essa polarização avançou para o choque de valores, de culturas e de comportamento e cria um cenário perigoso para a democracia na avaliação do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. Segundo ele, a esquerda está “sitiada” pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde o início do mês, porque ele não abre as negociações para um candidato único no campo. O experiente especialista desmistifica ainda o papel dos “partidos de aluguel” ou “nanicos”, um dos temas de seu novo livro ‘A difusão parlamentar do sistema partidário’.
Mesmo com um cenário bastante incerto para a disputa presidencial, o que é possível prever para os próximos meses?Primeiro vamos de Lula. Ele é uma figura carismática indestrutível, mas isso não significa que permanecerá com essa capacidade eleitoral. Nem todos que dizem votar no seu indicado, votarão. Mas o Lula tem que tomar decisões importantes nos próximos meses. Primeiro, terá de decidir se não será mais candidato. Uma segunda decisão relevante é se realmente vai apoiar alguém. Terceiro, quem será o escolhido. Essas três questões vão chacoalhar o quadro de hoje. Não sei se a polarização está morta, talvez a que exista entre PT e PSDB, sim. Mas pode acontecer com outros nomes.
Qual deveria ser a estratégia da esquerda?Eu acho que a esquerda devia estar discutindo um outro candidato. Mas isso depende do Lula. Não há outro caminho e isso pode gerar o acirramento desse radicalismo, esse sebastianismo evangélico do PT, contra uma alternativa bastante interessante que é Ciro Gomes. Esse silêncio pode criar a inviabilidade de um acordo entre as forças lulistas e o Ciro e tem a capacidade de dividir a esquerda. E ele é o cara ideal para entrar em disputa com os conservadores, ele é um cara que tem tutano para fazer isso. O Jaques Wagner e o (Fernando) Haddad são ótimos quadros, mas não para o contexto desse debate duro. O Lula, para meu desgosto, manteve toda a esquerda sitiada. Está presa junto com ele. Então, a chance de vitória da direita, em tese, é maior. O problema da direita é que não tem candidato. Por isso, se o Joaquim Barbosa for candidato, eu acho que herdará os votos da direita. Ele é um homem para o momento, assim como o Ciro. A eleição será dura. Antes da prisão do Lula e do aparecimento do Joaquim, eu achava que a esquerda poderia levar fácil. Agora, a coisa muda de figura.
Qual o tamanho do impacto da prisão de Lula para esse campo?Estão desorientados. Sem rumo. A posição majoritária do campo da esquerda é com Lula até o fim. Mas isso não pode ser até o dia 7 de outubro. Acho que está tudo desorganizado desde o impedimento da Dilma (Rousseff). Há uma desorientação grande e um erro estratégico tanto de esquerda quanto da direita. Pior, está se criando um contexto cívico de difícil recuperação. Hoje, não existe uma polarização eleitoral ou sequer partidária, o que há é uma divisão de culturas, de valores, de comportamento, enfraquecendo a direita e a esquerda. Basta ver as manifestações nas redes sociais. A esquerda está fazendo censura tanto quanto a direita. Assassinatos de caráter, falsificações de números e de fatos, um é o espelho do outro. Nunca aconteceu antes. Isso está tornando muito difícil a administração por parte das lideranças políticas, aquelas que ainda estão com um pouco de sanidade, desse período até outubro. Porque tem que chegar até outubro.
O senhor vê risco de não ter eleição?São coisas que não estão fora do cenário das possibilidades. Por exemplo, um enfrentamento crescente nas ruas entre esquerda e direita, com vítimas, talvez pessoas mortas. Isso seria um pretexto, obviamente oportunista, mas poderiam dizer que não seria possível fazer eleição num contexto assim. Outra possibilidade, a Venezuela. Olhe o pedido de Roraima querendo fechamento da fronteira. Aí o Temer diz que é uma coisa “incogitável”, mas todo mundo sabe que isso não quer dizer nada na boca do Temer. Num contexto desses, parecerá até sensato se dizer que se deve adiar as eleições. Isso pode acontecer.
No seu livro, o senhor lança uma nova abordagem sobre os partidos com menor representação no Congresso, desmistificando a ideia de que as legendas com menos deputados federais são apenas “empresas de aluguel”. Por que temos 35 partidos formalizados no Brasil?Algumas premissas das análises tem que ser postas à vista. Essa visão de fragmentação total e também do papel desempenhado pelos partidos chamados nanicos ou de aluguel vem de uma visão estritamente de Brasília. Quer dizer, da política nacional ou de representação nacional. Portanto, atribui-se que a política brasileira tem uma fragmentação e na verdade são extrapolações das opiniões de um visão de Brasília. E há ainda outra premissa errada de que os partidos de menor representação são apenas partidos de aluguel. Aliás, as investigações atingem os grandes partidos e não os nanicos. Um dos motivos para a existência de tantos partidos é que os grandes permitem o funcionamento dos pequenos e não conseguem ir onde eles estão. No interior do país, os partidos menores disputam as assembleias e câmara de vereadores e os grandes não. Outro motivo principal foi o financiamento privado das campanhas. Então, respondendo sucintamente: eles existem porque os grandes não vão lá acabar com eles e os grandes não vão acabar com eles porque economicamente e no cálculo eleitoral é interessante que as pequenas legendas existam.
O financiamento publico e individual tem força pra reduzir o número de partidos?De algumas legendas possivelmente, mas não de todas. Porque não interessa no cálculo dos partidos grandes e médios investir muito em campanhas no interior ou em cidades pequenas se isso desvia recursos de conquistar mais deputados em grandes centros.
O senhor mostra, por exemplo, mais de 85% das legendas elegeram ao menos um parlamentar para 20 assembleias em 2008 e 2012. Ou seja, os brasileiros não se importam se há 35 legendas. É isso?Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Depende, porque se fosse irrelevante os resultados eleitorais seriam profundamente aleatórios e não são. Nem a nível nacional e nem a nível estadual e nem a nível municipal. O eleitor vota distinguindo, por isso você tem ao longo do tempo em todos os níveis do Legislativo um padrão de votação. Muda só marginalmente. Quanto mais urbanizado e denso o município, mais ideologizado é voto. Quanto mais dependente da ação do poder público é a população, principalmente ligada a prestação de serviços, menos ideologizado.
23 de abril de 2018
Jeferson Ribeiro
O Globo
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