Charge do Tacho (Jornal NH) |
Presidentes, governadores, prefeitos, senadores, deputados e vereadores, todos detentores de mandatos eletivos, são obrigados a tornar públicas, por lei, suas declarações de bens e renda a cada ano. Parece ridículo estarmos discutindo hoje os desdobramentos da quebra de sigilo bancário do presidente Michel Temer, autorizada pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso. Deveria ser automática.
Um delegado investiga um caso e tem uma suspeita, vai à página do Tribunal Superior Eleitoral na internet e confere. Se preferir, pode mandar uma carta ao presidente do Tribunal para tornar oficial a demanda. Ou vai ao Tribunal de Contas da União, que também por lei deve ter cópia desta declaração. Se não confiar na declaração, o delegado deveria ter livre acesso às contas e ao Imposto de Renda do homem público suspeito. Além do delegado e do procurador, todos nós deveríamos ter esse acesso garantido.
DEMOCRACIA – Transparência é o nome do jogo democrático. Como pode o eleitor não saber de que forma evolui o patrimônio das pessoas que elegeu? A legislação brasileira cuida disso, e é ainda mais ampla ao estender a medida também a ministros de Estado, membros da Magistratura e todos os que exerçam cargos de confiança na administração direta ou indireta de qualquer poder da União.
A Lei 8730/93 estabelece que as declarações de bens e rendas desses agentes públicos devem ser entregues aos órgãos em que eles trabalham ao final de cada exercício financeiro, no término da gestão ou do mandato e, ainda, em sequência a uma exoneração. Ela manda que as declarações sejam transcritas em livros próprios de cada órgão e determina que “o declarante remeta, incontinenti, uma cópia da declaração ao Tribunal de Contas da União”.
A lei existe. Há dispositivos constitucionais que estabelecem o direito à informação e preveem penas para quem não cumprir esta determinação. Ainda assim, vai você procurar mais detalhes sobre as contas do presidente Temer para ver o que encontra. Só os seus bens, nenhuma linha sobre suas rendas ou suas contas bancárias. No emaranhado legal brasileiro há quase sempre uma lei que desautoriza outra.
SEM DIVULGAÇÃO – Consultado, o TCU informou que dispõe dos dados de todos os citados na Lei 8730/93, mas não os divulga em respeito ao sigilo fiscal previsto no artigo 198 do Código Tributário Nacional. Acrescenta que mesmo a Lei de Acesso à Informação faz esta restrição. Ora, se não for para torná-los púbicos, para que serve coletar e reter estes dados? Se o MP ou uma autoridade policial precisar acessá-los, terá de obter um mandado judicial. E aí o caminho é o de sempre: bancos e Receita Federal.
Não se consegue aferir o volume dos bens e das rendas de uma pessoa sem acessar suas contas bancárias e seu IR. Todos têm direito a proteção do sigilo fiscal e bancário, como argumenta o TCU. Sim, todos têm este direito, menos os homens eleitos para representar os cidadãos. Pelo menos é este o espírito da lei. Para quê, aliás, um homem público precisa manter protegida sua condição financeira? O que ele tem a esconder? Não quer divulgá-la, vai fazer outra coisa.
O ministro Blairo Maggi, por exemplo, declarou ao TSE em 2010, quando concorreu e ganhou uma vaga no Senado pelo Mato Grosso, que detinha um patrimônio de R$ 143.272.924,99. Dentre os 72 bens declarados, estão listados ganhos no mercado de capitais e contas bancárias. O presidente Michel Temer apresentou sua declaração ao TSE, para a reeleição como vice de Dilma Rousseff em 2014, composta por 12 bens que totalizaram R$ 7.521.799,27. Temer listou três carros, mas nenhuma conta bancária.
COMETER CRIME – Você pode dizer que tanto o ministro quanto o presidente poderiam mentir ao fazer a declaração. Verdade. Mas aí estariam cometendo um crime. Em nome dos eleitores e dos cidadãos brasileiros, deveria se quebrar e manter abertas para consulta pública as declarações anuais de Imposto de Renda e as contas bancárias de todos os eleitos pelo voto popular.
É de altíssimo interesse que os brasileiros saibam o que entra e sai nas contas de seus vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, governadores, senadores e seus presidente e vice. Afinal, estamos falando de “homens públicos”, não de homens privados.
12 de março de 2018
Ascânio Seleme
O Globo
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