"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

"ENTRE FATOS E CONVICÇÕES, ANÁLISE DA SENTENÇA DO JUIZ SÉRGIO MORO QUE CONDENA O EX-PRESIDENTE LULA"

"o problema central é que duas batalhas se desenrolavam ao mesmo tempo. Uma batalha penal, que poderia ter sido ganha com o argumento de que os benefícios foram recebidos, mas não foram criminosos. Uma batalha política, que era incompatível com essa estratégia e exigia construir uma imagem de vítima para Lula."

"Li vários comentários que criticavam a decisão de Sérgio Moro que condenou o ex-presidente Lula por causa de seu resultado e de suas consequências. Porém, li poucas análises que avaliaram a consistência dos argumentos, inclusive porque as mais de 200 páginas do documento dificultam a elaboração de análises mais completas, que exigem um bom tempo de leitura e reflexão.

Considerando que minhas atividades de docência fatalmente me exigirão o desenvolvimento de uma opinião mais elaborada sobre esse tema, decidi ler a sentença e escrever um pouco sobre ela. Assim, em vez de começar dizendo que eu não li a sentença, mas discordo dela mesmo assim, começarei de outro modo: eu li a sentença e a condenação me pareceu absurda.

Cabe ressaltar que achei bem feita a descrição dos fatos, a explanação dos argumentos e a construção das narrativas. Existe uma clareza na exposição que tem muito mérito, especialmente porque se torna evidente que Sérgio Moro quis tornar a sentença compreensível para cidadãos comuns que se dessem ao trabalho de ler a decisão.

Também cabe ressaltar que a decisão esclarece muito bem que os argumentos utilizados pela defesa foram muito frágeis, provavelmente porque a narrativa verdadeira provavelmente seria muito indigesta para as pretensões políticas do ex-presidente.

Apesar disso, creio que as conclusões que Sérgio Moro infere não estão devidamente baseadas nos fatos que ele narra e nas provas que ele explicita. As provas indicam que Lula obteve benefícios da OAS que ele não quer admitir isso? Sim. A OAS fez uma reforma em benefício dele? Fez. Esse tipo de recebimento causa danos à sua imagem? Causa. Ele mentiu negando tudo isso? Sim. É lícito que réus mintam em seu próprio benefício? Sim, mas essa mentira pode ter impactos políticos relevantes.

Mas a pergunta central é: há comprovação de recebimento de benefício em função do cargo de Presidente da República? E penso que aqui a resposta é negativa. Há comprovação de fatos que podem ter sido corrupção. Verdade. Há comprovação de que Lula recebeu da OAS uma série de benefícios em 2014. Existem indícios que esses benefícios seriam pagos com verba decorrente da corrupção da Petrobrás?

Nesse sentido, existe um indício: a afirmação de Léo Pinheiro de que ele acertou com Vaccari Neto em maio de 2014 que a OAS doaria o imóvel para Lula e debitaria isso da conta de corrupção (item 529). Se as palavras de Léo Pinheiro forem verdadeiras, não haveria indícios de que Lula recebeu benefícios da OAS em função do seu cargo, mas que a OAS serviu como intermediária para pagamentos do PT a Lula, redistribuindo para ele parte do que o PT recebeu de forma ilícita da OAS.

Não há, porém, provas dessa operação, para além das palavras de Léo Pinheiro, que são insuficientes para justificar uma condenação por corrupção. Além disso, o que Léo Pinheiro afirma expressamente é que, em maio de 2014, ele acertou com Vaccari que certos custos que a OAS teve deveriam ser cobertos com o dinheiro que seria pago pela OAS para o PT em função de contratos da Petrobras. Isso quer dizer que primeiro a OAS pagou as obras e somente depois ajustou com Vaccari a compensação, o que quer dizer que talvez não fosse esse o ajuste final do acordo e o custo das reformas ficasse por conta da OAS, não da conta de corrupção do PT.

Tudo isso pode indicar que Lula foi beneficiado por dinheiro originado de corrupção, mas isso não indica que ele praticou atos de corrupção. Não há mais indício de corrupção nesses fatos do que há no pagamento pela OAS do depósito do acervo presidencial. E, nesse caso, Moro absolveu Lula, por considerar que não havia indícios de que o pagamento foi feito com dinheiro ligado à corrupção.

Percebe-se, portanto, que o critério de condenação utilizado por Moro não é aquele definido pela lei (o recebimento de benefício em função do cargo), mas um critério bastante diverso (o recebimento de benefícios oriundos de dinheiro ligado à corrupção). Por mais que seja imoral o recebimento desse tipo de benefício, ele não configura crime de corrupção, como reconheceu o próprio juiz Sérgio Moro ao analisar o pagamento da OAS pelo depósito do acervo.

E em 2009, quando Lula era presidente, existe algum indício de recebimento ilícito de benefícios? A única coisa que existe é uma afirmação de Léo Pinheiro no sentido de que João Vaccari Neto e Paulo Okamoto lhe disseram que em 2009 “O apartamento triplex, essa unidade é uma unidade específica, você não faça nenhuma comercialização sobre ela, pertence à família do presidente, a unidade tipo você pode vender porque eles não vão ficar com essa unidade, a unidade seria o triplex” (item 525).

Esse “pertence”, no meio da frase, é a palavra central do processo, pois foi com base nisso que Sérgio Moro concluiu que a propriedade “de fato” do apartamento era de Lula. Todavia, esse pertence parece ter sido usado de forma demasiadamente ambígua, pois a narrativa toda não indica claramente que deveria haver uma transferência gratuita do apartamento ao ex-presidente.

Tanto que, na continuidade do depoimento, Léo Pinheiro afirmou que conversou com Vaccari e Okamoto depois da reportagem da Globo sobre o triplex e que lhe foi dito: “ [...]a orientação que foi me passada naquela época foi de que 'Toque o assunto do mesmo jeito que você vinha conduzindo, o apartamento não pode ser comercializado, o apartamento continua em nome da OAS e depois a gente vê como é que nós vamos fazer para fazer a transferência ou o que for', e assim foi feito. Isso, voltamos a tratar do assunto em 2013, se não me falha a memória.” (item 525).

Essa conversa torna evidente que não havia clareza alguma no que deveria ser feito com o imóvel, exceto que ele não deveria ser comercializado. Todavia, não havia clareza sobre pagamentos, sobre compensações, sobre propriedade, sobre quem pagaria. O que Léo Pinheiro diz é que lhe foi pedido para não vender o apartamento e ele o fez, mas não existe em nenhum dos diálogos contidos na sentença uma indicação clara de que ele deveria ter transferido o apartamento gratuitamente para Lula.

A OAS beneficiou Lula ao manter esse apartamento fora do comércio? Sim. Fez isso intencionalmente? Fez, e há indícios fortes nesse sentido, já que o comportamento com relação a esse imóvel foi muito particular durante todo o período. Todavia, não há nesses fatos nenhum indício claro de que a OAS estaria repassando a Lula em 2009 qualquer benefício em função do cargo que ele exercia, exceto a reserva do apartamento, que é um benefício deveras pequeno para justificar uma condenação penal por corrupção.

E os benefícios posteriores, especialmente os de 2014, não são em momento algum ligados diretamente ao exercício do cargo de presidente. Inobstante, Moro evidentemente faz a leitura de que os benefícios da OAS a Lula no caso do triplex ocorreram em função de seu cargo de presidente.

Todavia, o próprio Moro foi levado a considerar que os benefícios da OAS ao presidente com relação à manutenção de seu acervo (que têm vulto maior do que as reformas do triplex) não podem ser consideradas corrupção porque a OAS tinha interesse em manter a proximidade com Lula por ser ele um ex-presidente.

Benefício pago a ex-presidente, em função de sua influência política, pode ser de uma imoralidade atroz. Pode ser uma situação política desgastante para os envolvidos. Mas não é crime de corrupção. E foi somente esse tipo de benefício que está devidamente comprovado nos autos.

Os benefícios da OAS para Lula podem ser o pagamento de ajustes feitos durante o exercício do cargo? Podem. Mas, de fato, os benefícios efetivamente parecem muito pequenos para justificar essa interpretação, pois eles são muito compatíveis com presentes da OAS para conquistar a boa vontade do ex-presidente.

Os fatos apresentados são graves e mostram uma série de irregularidades. E mostram também as mentiras que Lula disse para tentar desqualificar as acusações. E indicam também que a estratégia da defesa foi lícita, mas indicadora da falta de melhores caminhos: atacaram o juiz, atribularam a audiência, tentaram deslocar o debate para a mídia.

Acho que o problema central é que duas batalhas se desenrolavam ao mesmo tempo. Uma batalha penal, que poderia ter sido ganha com o argumento de que os benefícios foram recebidos, mas não foram criminosos. Uma batalha política, que era incompatível com essa estratégia e exigia construir uma imagem de vítima para Lula.

Não obstante as provas de obtenção de benefícios, Sérgio Moro opera uma série de malabarismos para condenar Lula com especial gravidade e para caracterizar como “corrupção passiva” os atos do ex-presidente.

A tese de Moro é de que Lula era proprietário “de fato” do triplex desde 2009 e isso é necessário para justificar a condenação por corrupção. Mas não há nada de claro na afirmação de que ele e Marisa eram proprietários do famoso triplex. As provas, de fato, não são plenamente compatíveis com essa leitura, que força os fatos para se encaixarem nas pretensões do juiz.

Todos os fatos poderiam ser rearranjados em uma versão mais leve: Lula consegue com João Vaccari Neto (presidente da BANCOOP - Cooperativa Habitacional dos Bancários) a reserva de um apartamento maior. Lula estava pagando por um apartamento menor, mas queria um maior. Como vai ser pago? Sabe-se lá. Mas não é um imóvel especialmente caro. Era um imóvel compatível com a renda de Lula.

Ele queria ganhar o apartamento de presente? Talvez. Mas não é claro. E não se pode condenar ninguém por um talvez. O que mostra a sentença? A instrução probatória oferece sólidos indícios de que o interesse de Lula e Marisa em um dos apartamentos de cobertura do prédio do Guarujá fez com que a cooperativa BANCOOP, presidida por João Vaccari Neto, reservasse o apartamento 174 para a família Lula da Silva. Uma cooperativa quebrada deixa de vender um dos seus ativos para beneficiar o presidente da república que é amigo do presidente da cooperativa... já acho isso bem irregular, mas nada disso foi abordado no processo.

Há indícios variados de que a OAS respeitou essa reserva e tratou o apartamento como “reservado” para Lula. Ocorre que “reservado” não é “doado”. Há indícios de que a OAS estava disposta a continuar disponibilizando o apartamento para Lula, sem custos. Mas “disponibilizar” não é “doar”. Emprestar seria um verbo mais adequado, pois não se tratava em momento algum de um ajuste definitivo.

Portanto, é falso um dos pressupostos básicos da sentença: “Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa eram proprietários de fato do apartamento” (item 850). É evidentemente estranho que Lula não tenha optado por continuar pagando, por mudar o objeto do contrato (e pagar mais pelo apartamento maior) nem por receber de volta o que tinha pagado. Não fica claro o que ocorreria com o dinheiro pago se não houvesse investigação. Tudo isso é estranho, mas todos os benefícios foram posteriores ao mandato.

Não há provas claras de corrupção. Aí entra outro salto lógico da sentença. Mesmo que o benefício tenha sido obtido depois do mandato, a sentença considera evidente que ele foi recebido “em função do mandato”. Esse é o ponto em que se faz o salto: “852. Definido que o apartamento 164-A, triplex, era de fato do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que as reformas o beneficiavam, não há no álibi do acusado Luiz Inácio Lula da Silva o apontamento de uma causa lícita para a concessão a ele de tais benefícios materiais pela OAS Empreendimentos, restando nos autos, como explicação única, somente o acerto de corrupção decorrente em parte dos contratos com a Petrobrás.”

Esse é o ponto mais absurdo da sentença. Mostra que houve um benefício, OK. Mostra que as justificativas de Lula eram insubsistentes, OK. Mas diz que, se o réu não provou sua inocência, resta uma única explicação: a de que se tratava de acerto de corrupção decorrente, em parte, dos contratos com a Petrobrás.

São furos demais em uma frase só. Não resta uma única explicação, pode haver outras. Pode até ser corrupção, mas há outras versões possíveis, como o próprio Moro indica na decisão sobre o depósito dos bens. A corrupção é atribuída em parte a ajustes decorrentes dos contratos com a Petrobras, mas não mostra nada nesse sentido. Pode até ser que o benefício viesse totalmente de outros ajustes de corrupção. Até pode ser que fosse corrupção mesmo, mas é inadmissível condenar alguém porque o ato “pode ser” corrupção.

No ponto 856, Moro esclarece de fato o motivo da condenação “O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi beneficiado materialmente por débitos da conta geral de propinas”. Não há provas de que ele praticou atos de corrupção, mas que ele foi beneficiado pelo dinheiro da corrupção.

Mas isso também é falso. Existe a palavra de Leo Pinheiro de que ele havia ajustado com Vaccari que os custos seriam debitados da “conta geral de propinas” (item 529), mas não há mais nada nesse sentido. Lula sabia que estava sendo beneficiado pela OAS, e a OAS tinha muitos motivos para beneficiá- lo diversos do dinheiro decorrente da corrupção na Petrobras.

Se formos levar a sério a argumentação de Moro, o que ocorreria aqui seria o fato de Lula receber benefícios do PT, que seria quem de fato arcaria com os custos envolvidos. A OAS teria apenas atuado como executora de um ajuste entre Lula e Vaccari, a ser custeado com dinheiro do PT que estava em suas mãos. Mas não foi essa a narrativa de Moro.

Ademais, se a situação houvesse se consolidado, com uma utilização do apartamento de forma dissimulada, talvez se consumasse um crime de lavagem de dinheiro, mas não de corrupção. Ocorre, todavia, que Lula está correto ao afirmar que a transmissão do bem (de fato ou de direito), nunca se operou. Não parece verdade que ele era apenas um potencial comprador, mas parece razoável que ele tenha desistido do negócio quando percebeu o tamanho do problema que poderia vir a ter com ele.

Assim, a dissimulação da propriedade não chegaria a se consumar. De toda forma, em vez de caracterizar o ato de Lula como uma recepção de benefícios pagos com dinheiro de corrupção, Sérgio Moro procura estabelecer uma narrativa muito diferente: a de que Lula recebeu benefícios em função de ter nomeado certos diretores para a Petrobras.

A tentativa de estabelecer essa narrativa gerou vários problemas para a argumentação da sentença. Seria razoável indicar a existência de corrupção (por receber valores indevidos, independentemente da fonte) se a OAS tivesse feito as reformas em 2009 e Lula tivesse ocupado o apartamento.

Mas isso não ocorreu e Moro faz toda uma ginástica para afirmar que se tratou de “um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente” (item 878). Ele precisava retroagir o fato para outubro de 2009 para caracterizar que Lula recebeu o benefício em razão do cargo ocupado.

Como a retroação para 2009 ficou frágil, a argumentação foi complementada no item 881: “881. Não importa que o acerto de corrupção tenha se ultimado somente em 2014, quando Luiz Inácio Lula da Silva já não exercia o mandato presidencial, uma vez que as vantagens lhe foram pagas em decorrência de atos do período em que era Presidente da República.”

Aqui novamente há um grande salto entre os fatos e a interpretação. Moro considera claro que se trata de recebimento decorrente da corrupção na Petrobras, mas não há nada nesse sentido. Ele retoma a ideia de que o dinheiro seria debitado da conta da corrupção, mas o único indício nesse sentido é uma afirmação tangencial de Léo Pinheiro.

De todas as explicações possíveis, ele escolhe aquela que convém a suas convicções. São convicções compatíveis com os fatos, há de se reconhecer. Mas há muitas interpretações possíveis do fato que permitem outras narrativas, mais sólidas inclusive do que a de Moro. É muito razoável descrever todos os fatos como favores prestados pela OAS a uma pessoa que, a despeito de ter saído do cargo, era provavelmente o político mais influente da República.

Essa escolha interpretativa fica ainda mais frágil quando se verifica que Lula foi absolvido no caso do depósito do acervo presidencial porque Leo Pinheiro “negou, em Juízo, que os pagamentos pelo Grupo OAS da armazenagem do acervo presidencial estivessem envolvidos em algum acerto de corrupção” (item 934). E continua afirmando que “as declarações do acusado, de que não vislumbrou ilicitude ou que não houve débito da conta geral de propinas, afastam o crime de corrupção” (item 935).

Torna-se evidente, portanto, que Lula foi condenado no caso do triplex porque Léo Pinheiro afirmou ter ajustado com Vaccari Neto que benefícios da OAS seriam pagos a partir da “conta geral de propinas” (item 529) e que foi absolvido na mesma sentença porque o mesmo Léo Pinheiro disse que a intenção da OAS nesse caso não tinha a ver com o cargo (item 935).

Parece-me absurdo esse modo de lidar com as provas e construir narrativas descoladas dos fatos. Não creio que o juiz atuou com má-fé, mas parece-me clara a operação de um viés de confirmação a partir do qual ele enxergou “provas” em todos os indícios que eram simplesmente “compatíveis” com sua narrativa pessoal sobre o evento. Ao desconsiderar as narrativas alternativas, que ele levou em conta na avaliação do caso do depósito, as conclusões da sentença se tornaram arbitrárias.

Assim, resta claro que a condenação por corrupção se deveu menos aos fatos do que às convicções de Moro. E a condenação por lavagem de dinheiro é ainda mais frágil. Moro afirma que a “atribuição a ele de um imóvel, sem o pagamento do preço correspondente e com fraudes documentais nos documentos de aquisição, configuram condutas de ocultação e dissimulação aptas a caracterizar crimes de lavagem de dinheiro” (item 893).

Por considerar que houve corrupção (e, portanto, infração penal), Moro considera que se tratou de ocultação patrimonial a atribuição do imóvel (que não ocorreu de forma definitiva) e as fraudes documentais (com documentos pré-datados), voltada a dissimular os bens decorrentes da infração penal.

Todavia, uma vez que se entenda que não há provas de corrupção, essa acusação se esvai. Além disso, a justificativa de que é possível cumular os crimes neste caso é muito frágil. Uma coisa é receber dinheiro como corrupção e “lavá-lo” por operações autônomas de dissimulação e ocultação. Coisa diversa é quando o próprio benefício recebido é justamente a disponibilidade do bem.

O diagnóstico de Moro é de que “através de condutas de dissimulação e ocultação, a real titularidade do imóvel foi mantida oculta até pelo menos o final de 2014 ou mais propriamente até a presente data” (item 899). Assim, a narrativa é de que Lula recebeu o bem em outubro de 2009 e que o ocultou até 2014. Porém, essa narrativa não é plenamente adequada às provas, pois não há indicação clara de que ele recebeu o imóvel de forma definitiva e que todos os atos posteriores foram uma dissimulação do recebimento.

Creio que é plenamente razoável a leitura de que o imóvel estava sendo reservado para ele, mas que não havia sido transferido para ele. Talvez seja verdade o que diz Léo Pinheiro, que ele acertou com Vaccari em 2014 que a OAS doaria o imóvel para Lula e debitaria isso da conta de corrupção.

Mesmo que isso tenha ocorrido, não seria suficiente para caracterizar crime de corrupção. Ademais, talvez não seja verdadeira essa afirmação, que não é corroborada por outros elementos probatórios.

Não são apresentados indícios de que o dinheiro foi debitado da conta de corrupção. Só há indícios de que o bem foi reservado para Lula em 2009 e que sofreu uma série de benefícios a partir de 2010. E há a afirmativa de Léo Pinheiro de que somente em 2014 ficou acertado que o pagamento desses benefícios seria feito por meio de uma compensação com a conta de corrupção do PT.

Parece-me evidente que a reserva do apartamento e as obras de melhoria não caracterizam uma “propriedade de fato” e que, mesmo que tenha havido uma disponibilização de bens da OAS para Lula nesse período, não há indicação concreta de que isso ocorreu em função do exercício do cargo de Presidente.

Tal como no caso dos depósitos, todos esses favores e presentes poderiam ser caracterizados como estratégias para agradar um ex-presidente que tinha influência muito grande no governo e no PT. Por tudo isso, não vejo como entender que a base fática apresentada por Sérgio Moro seja uma justificativa razoável para suas conclusões jurídicas e, portanto, que a condenação de Lula não foi baseada nas provas, mas em certas convicções pessoais de Moro que não estão assentadas diretamente nos fatos e que não se adequam às leis penais brasileiras.

Brasília, 14 de julho de 2018
07 de fevereiro de 2018
Alexandre Araujo Costa

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