A esquerda está engasgada com seu próprio veneno. Anda por aí posando de vestal virgem (a redundância é intencional) com a "perseguição" que começa a sofrer por parte da nova direita.
Coitadinha dela! Sempre tão a favor da liberdade de expressão. Tão sempre disposta ao diálogo e à abertura "para o Outro". Tão distante de práticas de reserva de mercado nas universidades, nas escolas, nas redações, ou entre os agentes culturais.
Até feiras literárias chiques a esquerda sempre quis compartilhar com os que têm o hábito de ler "outros livros".
Tenho mesmo perdido horas imaginando como esses "corações livres" sofrem com a injustiça do mundo. Como não reconhecer que a esquerda sempre foi a favor da liberdade de expressão e que nunca praticou o seu modo de censura, conhecido por "politicamente correto"? A boçalidade da esquerda na sua autopercepção como "pura" pode chocar os não iniciados na mentira moral e política que alimentou grande parte da história da esquerda desde suas origens entre os jacobinos no século 18.
Mas, antes, vamos esclarecer uma coisa: não simpatizo com essa guerrilha cultural. E não simpatizo, basicamente, por dois motivos.
O primeiro porque, quando começamos a pedir censura, o processo toma seu próprio curso e logo chegamos à caça às bruxas e à histeria.
O segundo motivo porque, apesar de a direita americana há anos ter optado por essa prática de embate cultural, não estou certo de que funcione no plano das eleições (não julgo a eleição de Trump um sucesso para os setores mais competentes em política da direita americana).
Enquanto esses setores da nova direita brasileira combatem feministas que se ocupam com temas periféricos no mundo (questão "queer"), o PT pode voltar ao poder em larga escala. A escala do retrocesso no país seria paleolítica.
O preço a pagar pelo retorno do PT custaria 50 anos ao país, no mínimo. O PT e seus associados continuam sendo maioria nas universidades, nas escolas, nas Redações, no Poder Judiciário, no STF e nos aparelhos culturais em geral.
A necessidade de alianças com níveis reacionários da sociedade pode se tornar uma triste realidade.
E aí chegamos ao que pensa, pelo menos em parte, essa nova direita que vai para o embate cultural nesse momento.
E é importante prestarmos atenção ao que está por trás da escolha dessa estratégia.
Voltemos ao meu próprio argumento acima (a um detalhe nele, pelo menos).
Eu disse que a questão "queer" era periférica no mundo.
Continuo a duvidar da importância da guerrilha cultural para evitar um retorno do PT e associados ao poder, mas alguém pode contra-argumentar dizendo que, pelo menos em parte, o combate cultural pode ser um elemento essencial na disputa política pelo poder (a tal da "hegemonia").
Não apenas no sentido de política como eleições, mas sim no de política cultural engajada nas instituições e aparelhos que produzem uma visão de mundo que, a médio prazo, poderá impactar todas as formas de política e de sociedade no país.
Alguém pode perguntar: por que o dinheiro dos impostos, pagos por todos (e que sustentam direta ou indiretamente universidades, escolas, museus, teatros e afins), deve ser utilizado em atividades que não estariam de acordo com grande parte da sociedade brasileira?
E mais: por que essa grande parte não poderia, ou não deveria, se manifestar no sentido de inviabilizar esses gastos?
Lembremos que a truculência praticada por esta nova direita já era praticada pela esquerda no país. O que esta esquerda não esperava era ter que provar do seu próprio veneno.
Quem vem a público atirar pedras nessa nova direita deveria lembrar tudo o que a esquerda faz contra quem não concorda com seus pressupostos acerca da "democracia".
Escolas devem sim ensinar que todos são iguais perante a lei. Mas, por que escolas devem se meter na formação sexual de crianças?
Não seria essa suposta "formação sexual" um modo de um número mínimo de pessoas impor suas teorias a um número enorme de crianças que não tem como reagir à "pregação" ideológico-sexual?
24 de dezembro de 2017
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
Coitadinha dela! Sempre tão a favor da liberdade de expressão. Tão sempre disposta ao diálogo e à abertura "para o Outro". Tão distante de práticas de reserva de mercado nas universidades, nas escolas, nas redações, ou entre os agentes culturais.
Até feiras literárias chiques a esquerda sempre quis compartilhar com os que têm o hábito de ler "outros livros".
Tenho mesmo perdido horas imaginando como esses "corações livres" sofrem com a injustiça do mundo. Como não reconhecer que a esquerda sempre foi a favor da liberdade de expressão e que nunca praticou o seu modo de censura, conhecido por "politicamente correto"? A boçalidade da esquerda na sua autopercepção como "pura" pode chocar os não iniciados na mentira moral e política que alimentou grande parte da história da esquerda desde suas origens entre os jacobinos no século 18.
Mas, antes, vamos esclarecer uma coisa: não simpatizo com essa guerrilha cultural. E não simpatizo, basicamente, por dois motivos.
O primeiro porque, quando começamos a pedir censura, o processo toma seu próprio curso e logo chegamos à caça às bruxas e à histeria.
O segundo motivo porque, apesar de a direita americana há anos ter optado por essa prática de embate cultural, não estou certo de que funcione no plano das eleições (não julgo a eleição de Trump um sucesso para os setores mais competentes em política da direita americana).
Enquanto esses setores da nova direita brasileira combatem feministas que se ocupam com temas periféricos no mundo (questão "queer"), o PT pode voltar ao poder em larga escala. A escala do retrocesso no país seria paleolítica.
O preço a pagar pelo retorno do PT custaria 50 anos ao país, no mínimo. O PT e seus associados continuam sendo maioria nas universidades, nas escolas, nas Redações, no Poder Judiciário, no STF e nos aparelhos culturais em geral.
A necessidade de alianças com níveis reacionários da sociedade pode se tornar uma triste realidade.
E aí chegamos ao que pensa, pelo menos em parte, essa nova direita que vai para o embate cultural nesse momento.
E é importante prestarmos atenção ao que está por trás da escolha dessa estratégia.
Voltemos ao meu próprio argumento acima (a um detalhe nele, pelo menos).
Eu disse que a questão "queer" era periférica no mundo.
Continuo a duvidar da importância da guerrilha cultural para evitar um retorno do PT e associados ao poder, mas alguém pode contra-argumentar dizendo que, pelo menos em parte, o combate cultural pode ser um elemento essencial na disputa política pelo poder (a tal da "hegemonia").
Não apenas no sentido de política como eleições, mas sim no de política cultural engajada nas instituições e aparelhos que produzem uma visão de mundo que, a médio prazo, poderá impactar todas as formas de política e de sociedade no país.
Alguém pode perguntar: por que o dinheiro dos impostos, pagos por todos (e que sustentam direta ou indiretamente universidades, escolas, museus, teatros e afins), deve ser utilizado em atividades que não estariam de acordo com grande parte da sociedade brasileira?
E mais: por que essa grande parte não poderia, ou não deveria, se manifestar no sentido de inviabilizar esses gastos?
Lembremos que a truculência praticada por esta nova direita já era praticada pela esquerda no país. O que esta esquerda não esperava era ter que provar do seu próprio veneno.
Quem vem a público atirar pedras nessa nova direita deveria lembrar tudo o que a esquerda faz contra quem não concorda com seus pressupostos acerca da "democracia".
Escolas devem sim ensinar que todos são iguais perante a lei. Mas, por que escolas devem se meter na formação sexual de crianças?
Não seria essa suposta "formação sexual" um modo de um número mínimo de pessoas impor suas teorias a um número enorme de crianças que não tem como reagir à "pregação" ideológico-sexual?
24 de dezembro de 2017
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
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