Se você ainda duvida da insaciabilidade do parasitismo estatal, avalie a proposta da reforma da Previdência em tramitação e pense novamente. Em um contexto de continuada irresponsabilidade fiscal, corrupção sistêmica e privilégios injustificáveis, o bom senso exigiria que o governo iniciasse a mudança com cortes na própria gordura, que por sinal não é pouca.
O que se nota, no entanto, é mais uma tentativa de impor o ônus ao pequeno: o cidadão comum.
Que a reforma é necessária, não há que se debater; com um deficit previdenciário total de cerca de R$ 315 bilhões em 2016 -incluindo governo federal e Estados-, a urgência é justificada. Isso não significa, no entanto, que se deva aceitar qualquer alteração.
Deve-se levar em conta, como ponto de partida, as distorções do atual regime previdenciário.
No Brasil há dois regimes de Previdência: o Regime Geral, válido para os trabalhadores do setor privado e gerido pelo INSS, e o Regime Próprio, para os funcionários públicos, gerido pelo Ministério da Fazenda.
O Geral, que abrange mais de 29 milhões de aposentados e pensionistas (com aposentadoria média mensal de R$ 1.200), acumulou deficit de R$ 150 bilhões no ano passado. Já o Próprio, feito para apenas 3 milhões de funcionários públicos civis e militares, somou um rombo maior, de R$ 164 bilhões.
Nesta classe estão os cidadãos com maior aposentadoria mensal média: R$ 7.500 para o funcionário público civil, R$ 9.500 para o militar, R$ 18.000 para servidores do Ministério Público Federal, R$ 25.700 para o Judiciário e R$ 28.500 para o Legislativo.
A existência de dois regimes revela uma realidade execrável: a existência de duas classes de brasileiros, com direitos diferentes. O cidadão ligado ao setor privado tem o "direito" de ser demitido caso não seja competente e o dever de dar parte do seu salário para sustentar a aposentadoria do cidadão ligado ao setor público.
Este, por sua vez, tem o "direito" de usufruir da renda do trabalho do cidadão de segunda classe, na forma de uma aposentadoria em média quatro vezes maior, e outros privilégios como benefício com salário integral. De um lado, há os que choram; de outro, os que riem.
Como se vê, a Previdência é um grande programa de distribuição de renda às avessas, do pobre para o rico, e seu problema fundamental está no setor público.
Você acha isso justo?
Ainda é tempo de fazer a coisa certa. A reforma deveria estabelecer, além de cortes nos privilégios ligados ao Estado, a unificação dos regimes dos setores privado e público, com o estabelecimento de um teto único. Deve buscar, ainda, proteger a renda do trabalhador, impedindo que recursos seus (como os do FAT, por exemplo) sejam direcionados aos grandes empresários via BNDES.
O Brasil deve ter compromisso com a urgência. Não seremos uma nação desenvolvida sem endurecer desde já as causas fundamentais de nossos problemas sociais e econômicos.
Um país que decrete classes diferentes de cidadãos fere a moral e herda consequências fiscais insustentáveis, como o sistema de Previdência demonstra.
A reforma como está não é nada além de uma gambiarra oportunista para manter a penitência social.
09 de agosto de 2017
HELIO BELTRÃO, engenheiro com MBA em finanças pela Universidade Columbia (EUA), é presidente do Instituto Mises Brasil
Folha de SP
O que se nota, no entanto, é mais uma tentativa de impor o ônus ao pequeno: o cidadão comum.
Que a reforma é necessária, não há que se debater; com um deficit previdenciário total de cerca de R$ 315 bilhões em 2016 -incluindo governo federal e Estados-, a urgência é justificada. Isso não significa, no entanto, que se deva aceitar qualquer alteração.
Deve-se levar em conta, como ponto de partida, as distorções do atual regime previdenciário.
No Brasil há dois regimes de Previdência: o Regime Geral, válido para os trabalhadores do setor privado e gerido pelo INSS, e o Regime Próprio, para os funcionários públicos, gerido pelo Ministério da Fazenda.
O Geral, que abrange mais de 29 milhões de aposentados e pensionistas (com aposentadoria média mensal de R$ 1.200), acumulou deficit de R$ 150 bilhões no ano passado. Já o Próprio, feito para apenas 3 milhões de funcionários públicos civis e militares, somou um rombo maior, de R$ 164 bilhões.
Nesta classe estão os cidadãos com maior aposentadoria mensal média: R$ 7.500 para o funcionário público civil, R$ 9.500 para o militar, R$ 18.000 para servidores do Ministério Público Federal, R$ 25.700 para o Judiciário e R$ 28.500 para o Legislativo.
A existência de dois regimes revela uma realidade execrável: a existência de duas classes de brasileiros, com direitos diferentes. O cidadão ligado ao setor privado tem o "direito" de ser demitido caso não seja competente e o dever de dar parte do seu salário para sustentar a aposentadoria do cidadão ligado ao setor público.
Este, por sua vez, tem o "direito" de usufruir da renda do trabalho do cidadão de segunda classe, na forma de uma aposentadoria em média quatro vezes maior, e outros privilégios como benefício com salário integral. De um lado, há os que choram; de outro, os que riem.
Como se vê, a Previdência é um grande programa de distribuição de renda às avessas, do pobre para o rico, e seu problema fundamental está no setor público.
Você acha isso justo?
Ainda é tempo de fazer a coisa certa. A reforma deveria estabelecer, além de cortes nos privilégios ligados ao Estado, a unificação dos regimes dos setores privado e público, com o estabelecimento de um teto único. Deve buscar, ainda, proteger a renda do trabalhador, impedindo que recursos seus (como os do FAT, por exemplo) sejam direcionados aos grandes empresários via BNDES.
O Brasil deve ter compromisso com a urgência. Não seremos uma nação desenvolvida sem endurecer desde já as causas fundamentais de nossos problemas sociais e econômicos.
Um país que decrete classes diferentes de cidadãos fere a moral e herda consequências fiscais insustentáveis, como o sistema de Previdência demonstra.
A reforma como está não é nada além de uma gambiarra oportunista para manter a penitência social.
09 de agosto de 2017
HELIO BELTRÃO, engenheiro com MBA em finanças pela Universidade Columbia (EUA), é presidente do Instituto Mises Brasil
Folha de SP
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