"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 18 de junho de 2017

J.R.GUZZO: O PAÍS SEM COMANDO

Michel Temer governa um bazar de trocas. O Brasil vive sem governo desde a funesta decisão de dar a Dilma Rousseff um segundo mandato
Presidente cassada Dilma Rousseff e presidente Michel Temer durante cerimônia em Brasília - 05/11/2014 (Ueslei Marcelino/Reuters)

Publicado na revista Exame

• A “Justiça eleitoral” (despropósito de fabricação 100% nacional; deveria dar ao Brasil as eleições mais limpas do planeta, mas jamais conseguiu impedir que a política brasileira seja controlada por essa massa de escroques que está sempre aí) julgou em seu Tribunal Superior Eleitoral, a mais alta de suas instâncias, a seguinte questão: houve irregularidades, especialmente na parte financeira da campanha do PT e de Dilma Rousseff, nas eleições presidenciais de 2014?

Por exemplo: correu tudo direitinho, conforme a lei, com a recepção e o dispêndio dos 300 milhões de reais que a candidata vencedora declarou ter gasto para ser eleita? A dúvida colocada em julgamento jamais teve a mais remota semelhança com uma dúvida. Há quase três anos há certeza praticamente científica de que a campanha eleitoral que levou Dilma à Presidência da República foi um dos mais prodigiosos episódios de roubalheira jamais vistos na história universal da política.

Ainda assim, nossos juristas e demais guardiães da majestade das leis brasileiras passaram esse tempo todo meditando sobre o caso — será que alguém realmente meteu a mão em alguma coisa? — e só agora conseguiram levar o caso a julgamento. A infração era gravíssima: a pena prevista consistia na perda do mandato para a presidente eleita em 2014 caso tivesse acontecido alguma coisa de errado com aquele oceano de dinheiro mencionado acima. Dá para levar a sério? Além do mais, Dilma, deposta pelo impeachment, já perdeu o mandato há mais de um ano; não era possível tirar-lhe a mesma Presidência pela segunda vez. É óbvio, em tais condições, que a esta altura chegamos ao avesso do avesso do avesso em matéria de disparate.

• Se não há mais Dilma Rousseff, é preciso se contentar com Michel Temer. O processo contra ela, por essa sequência de aberrações, passou a ser o processo contra ele. É sensacional. O autor da ação contra a eleição de Dilma é o PSDB, na época o partido de oposição mais indignado com a ex e com o PT — mas hoje, desgraçadamente, enfiado até o talo no governo de Temer, seu sucessor constitucional.

O PT e o ex-presidente Lula, de seu lado, gritam e mandam gritar todo santo dia “Fora Temer”. Mas seus advogados no processo do TSE, agindo em defesa de Dilma e da perfeita lisura da campanha de 2014, ficaram obrigatoriamente contra a cassação da chapa — e, por via de consequência, como diria o falecido vice-presidente Aureliano Chaves, a favor de Temer e de sua permanência no cargo. Ficamos, então, diante de um xeque-mate que diz tudo sobre como o Brasil é governado hoje: o TSE conseguiu o feito de condenar-se a escolher entre duas decisões erradas.

• A história toda é acompanhada de algum lugar seguro, provavelmente às gargalhadas e com champanhe, pelos irmãos Wesley e Joesley Batista — possivelmente os maiores corruptores confessos que já apareceram no Brasil nos últimos 500 anos. Receberam, em troca de suas confissões, um inédito perdão da Procuradoria-Geral da República e de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Não uma redução de pena ou algum benefício compreensível; foi uma absolvição sem julgamento. Talvez aguardem, agora, a medalha da Ordem do Rio Branco.

• O quadro se completa, até agora, com a constatação de que ninguém governa. Na verdade, desde que a maioria dos eleitores brasileiros tomou a funesta decisão de dar um segundo mandato à ex-presidente Dilma, o país vive sem governo. Dilma não governou de 2014 para cá, e Temer não governa desde seu primeiro dia no Palácio do Planalto, ou governa apenas um bazar de trocas.

Além disso, saiu de uma costela do PT e só chegou aonde está porque serviu em tudo a Lula e aos companheiros. Não poderia ser diferente do que está sendo, pois não apagou seu passado quando subiu de cargo; ninguém consegue. Toma, agora, o mesmo remédio que viu Lula e o PT aplicar em todos os adversários.


18 de junho de 2017
J.R.Guzzo, VEJA

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