Ilustração do Duke (O Tempo) |
Seria ingênuo pensar que o movimento dos estudantes ocupando escolas e universidades se esgota na crítica ao projeto da reforma do ensino médio ou no protesto contra a PEC 55. O que se esconde atrás das críticas é algo mais profundo: a rejeição ao tipo de Brasil que até agora construímos e à política corrupta praticada por parlamentares em proveito próprio. Junto, vem o lado mais positivo: a demanda por outra forma de construir o Brasil e de reinventar a democracia.
Desde as manifestações de 2013, três autores continuam a nos inspirar, pois sempre lutaram por outro Brasil e sempre foram derrotados. O primeiro é Darcy Ribeiro, que disse: “Nós, brasileiros, surgimos de um empreendimento colonial que não tinha nenhum propósito de fundar um povo. Queria tão somente gerar lucros empresariais exportáveis com pródigo desgaste de gentes”.
O segundo é Luiz Gonzaga de Souza Lima na mais recente e criativa interpretação do Brasil, o livro “A Refundação do Brasil: Rumo à Sociedade Biocentrada”, em que afirmou: “Quando se chega ao fim, lá onde acabam os caminhos, é porque chegou a hora de inventar outros rumos; é hora de outra procura; é hora de o Brasil se refundar; a refundação é o caminho novo e, de todos os possíveis, é aquele que mais vale a pena, já que é próprio do ser humano não economizar sonhos e esperanças; o Brasil foi fundado como empresa. É hora de se refundar como sociedade”. Essa hora chegou.
O terceiro é um escritor francês, François-René de Chateaubriand (1768-1848), que disse: “Nada é mais forte do que uma ideia quando chegou o momento de sua realização”. Tudo indica que esse momento de realização está a caminho.
A HORA DOS JOVENS – Os jovens que estão ocupando os lugares de ensino estão revelando mais inteligência do que a maioria de nossos representantes sentados em nossas Casas parlamentares. Sem definição partidária, com seus cartazes incisivos, os estudantes querem nos dizer: “Estamos cansados do tipo de Brasil que vocês nos apresentam, com democracia de baixa intensidade que faz políticas ricas para os ricos e pobres para os pobres”.
Efetivamente, até hoje, o Brasil foi e continua sendo um apêndice do grande jogo econômico e político do mundo. Mesmo politicamente libertos, continuamos sendo recolonizados, pois as potências centrais, antes colonizadoras, nos querem manter colonizados, condenando-nos a ser uma grande empresa neocolonial que exporta commodities: grãos, carnes, minérios. Dessa forma, nos impedem de realizar nosso projeto de nação independente, soberana e altiva.
Caio Prado Júnior, em seu “A Revolução Brasileira”, escreveu: “O Brasil se encontra em um daqueles momentos em que se impõem de pronto reformas e transformações capazes de reestruturarem a vida do país de maneira consentânea com suas necessidades mais gerais e profundas e com as aspirações da grande massa de sua população que, no estado atual, não são devidamente atendidas”.
UM OUTRO BRASIL – A maioria desses intérpretes clássicos olhou para trás e tentou mostrar como se construiu o Brasil que temos. Especialmente Souza Lima, como os jovens de hoje, olha para a frente e tenta mostrar como podemos refundar um Brasil na nova fase planetária, a ecozoica, rumo ao que ele chama “uma sociedade biocentrada”.
Ou um Brasil diferente nascerá desses jovens estudantes, ou corremos o risco de perder novamente o carro da história. Eles podem ser os protagonistas daquilo que deve nascer.
20 de novembro de 2016
Leonardo Boff, O tempo
Nenhum comentário:
Postar um comentário