"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

FORA DA ORDEM

A posse da ministra Cármen Lúcia virou um grande encontro de investigados e investigadores da Lava Jato. Seguindo o protocolo, a nova presidente do Supremo convidou os próceres da República para a solenidade. O plenário do tribunal ficou pequeno para tantos personagens do petrolão.

Do lado direito da ministra, sentou-se o senador Renan Calheiros, indiciado em oito inquéritos. Do esquerdo, o presidente Michel Temer, citado por ao menos três delatores. Outros alvos da operação, como os ex-presidentes Lula e José Sarney, circularam pela corte recebendo abraços e tapinhas nas costas.

Como ninguém aparentava constrangimento, coube ao ministro Celso de Mello instaurar algum desconforto no salão. Em discurso incisivo, ele criticou a "captura das instituições do Estado por organizações criminosas" e chamou os políticos corruptos de "delinquentes", "marginais da República" e "indignos do poder".

"Os cidadãos desta República têm o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, legisladores probos e juízes incorruptíveis", disse. Ministro mais antigo do Supremo, ele afirmou que os "infiéis da causa pública" enfrentarão a "severidade das sanções criminais" e serão "punidos exemplarmente" por "práticas desonestas".

Diante dos chefes dos Três Poderes, o procurador Rodrigo Janot proclamou a "falência do nosso sistema de representação política" e disse que "forças do atraso" tentam parar a Lava Jato. Ele pediu apoio para enfrentar o que chamou de "reação vigorosa do sistema adoecido".

Em tom mais brando, Cármen Lúcia também deu seu recado ao cumprimentar "Sua Excelência, o povo" antes das autoridades. Ela disse que o país vive "tempos tormentosos" e, por um instante, pareceu comentar a presença dos investigados na festa. "Alguma coisa está fora da ordem", disse, citando a música de Caetano Veloso. Os políticos ouviram tudo em silêncio.



14 de setembro de 2016
Bernardo Mello Franco, Folha de SP

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