"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

PEDRA E VIDRAÇA


É muito mais fácil ser pedra do que vidraça. Na internet, não se pode escolher

Dom Basílio, no Barbeiro de Sevilha, descreve como uma calúnia, que começa como brisa suave, pode tornar-se um tiro de canhão: "La calunnia è un venticello e produce una esplosione come un colpo di cannone". O mundo da internet é outro, bem diverso do que havia há 200 anos, e continua mudando em velocidade alucinante. A primeira impressão que temos ao olhar as redes sociais é que há um aumento simultâneo na agressividade e no melindre. Ao mesmo tempo em que aumentou a capacidade de atacar, nossa carapaça defensiva parece rala.

Uma tentativa de análise das tais redes sociais passa, talvez, por relembrar um dito, algo duro, de Umberto Eco: elas "deram voz a legiões de imbecis, que antes falavam no bar depois de um copo de vinho e não causavam danos à sociedade". A rede nos deu o poder da reação rápida e fácil, mas tornou raro o refletir antes de enviar uma resposta. Mais que isso, no lento mundo pré-internet com o restrito poder individual de participação, os alvos específicos e "vidraças" eram as pessoas públicas: governantes, políticos, artistas, esportistas. Nós, da arquibancada, líamos o que jornalistas, cronistas e outros escreviam a respeito das "vidraças" e, eventualmente, emitíamos também nossa opinião, que alcançava o pequeno grupo de amigos ao lado ou os da mesa do bar. Nós, da arquibancada, jamais seríamos alvo de comentários, porque não éramos visíveis nem significativos. E se as "vidraças" eram pessoas notáveis e conhecidas, as "pedras" também eram.

Claro que nós, da arquibancada ou do bar, podíamos também jogar confetes de elogio ou alguma areia de crítica, mas isso passaria despercebido pelas "vidraças" e seria ignorado pelas "pedras". A internet, com todos os seus aspectos positivos de colaboração e desprendimento, também proveu "pedras" para todos. Com amplificação fácil, as novas "pedras" começaram a produzir efeitos significativos. Os "davides" do passado perderam o monopólio das fundas e dos bodoques e todos pudemos arremessar muitos pequenos pedregulhos nos "golias" de nossa preferência. Uma chuva de pedregulhos pode produzir tanto ou mais dano que uma pedra grande. Mas aí vem a outra face da moeda. Pau que bate em Chico bate em Francisco.

Quem se torna perceptível jogando pedras (ou confetes) rapidamente transforma-se em potencial vidraça. Nós, os invisíveis da arquibancada, começamos a ser notados e a despertar reações. Os "notáveis" continuam sendo o alvo preferencial, mas os "não notáveis" também passam a merecer comentários. E os comentadores tornam-se comentados; os críticos, criticados. Ganhamos o poder de falar, mas tivemos de passar o ouvir respostas rudes. As antigas "vidraças", as tais pessoas públicas, tinham o couro já curtido e resistente pela exposição ao sol e ao vento dos críticos. Nós, as novas "vidracinhas" não acostumadas a isso, somos sensíveis e magoáveis.

Com baixa blindagem, as "vidracinhas" pedem socorro esquecendo-se que, quando do outro lado, jogavam alegre e despreocupadamente suas pedrinhas nos alvos escolhidos. É muito mais fácil ser pedra do que ser vidraça. Na internet, entretanto, não se pode escolher.



24 de agosto de 2016
Demi Getschko
É ENGENHEIRO ELETRICISTA

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