"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 21 de agosto de 2016

LEGISLADORES BÊBADOS?

Nunca fui muito simpático à Lei da Ficha Limpa. Até acho que dá para defendê-la por razões táticas, mas, conceitualmente, eu a vejo como uma limitação do poder do voto do cidadão. 
Em princípio, eleitores deveriam ter a possibilidade de escolher alguém com problemas com a Justiça. 
Pense num Robin Hood, ou, num exemplo menos mitológico, num Lula em 2018. Não recomendaria reconduzir tão cedo o PT ao comando do governo federal, mas impedir o principal líder do partido de concorrer não soa lá muito democrático.

Seja como for, a Ficha Limpa veio para ficar. Isso dito, não gostei da decisão que o STF tomou nesta semana de determinar que apenas as Casas Legislativas têm poder para tornar inelegíveis políticos que tiveram suas contas reprovadas pelos tribunais de contas estaduais e municipais. 

O juízo parece contrariar a própria lógica da Ficha Limpa, que é a de submeter a filtros técnico-jurídicos os nomes que serão apresentados ao crivo do eleitor. 
Não há dúvida de que os tribunais de contas são órgãos mais técnicos do que câmaras e assembleias, que são instituições eminentemente políticas. E, se é para decidir politicamente e não tecnicamente, então faria mais sentido dar esse poder diretamente ao eleitor, revogando a Ficha Limpa.

Não sei se as pessoas que escreveram essa lei estavam bêbadas, como sustentou o ministro Gilmar Mendes, mas cometeram erros. 
Parece-me escandaloso que tenham equiparado a exclusão por órgão profissional a uma condenação judicial em segunda instância. 
Consigo imaginar algumas razões virtuosas que poderiam levar um advogado a ser expulso da OAB, por exemplo. Denunciar o corporativismo da Ordem é a mais óbvia.

O ponto central, me parece, é que a Ficha Limpa tem como pressuposto uma concepção equivocada, que é a de que é possível "corrigir" o eleitor fabricando leis e decretos que o impeçam de escolher "errado".



21 de agosto de 2016
Hélio Schwartsman, Folha de SP


NOTA AO PÉ DO TEXTO

Perco-me às vezes, quando procuro entender certas opiniões de comentaristas sagazes, experts em bastidores políticos, com "informações" muitas vezes privilegiadas de observadores que estão no palco da política praticada em surdina. Escrevo essas simples observações, porque procuro compreender o que diz o autor do texto, quando escreve "eu a vejo (a Lei da Ficha Limpa) como uma limitação do poder do voto do cidadão."
Ou: "O ponto central, me parece, é que a Ficha Limpa tem como pressuposto uma concepção equivocada, que é a de que é possível "corrigir" o eleitor fabricando leis e decretos que o impeçam de escolher "errado".
Como assim, 'limitação' do voto... A Lei cuida apenas de expurgar da vida pública os corruptos, que se valem de mandatos para a prática solerte dos mais infames atos de corrupção. 
Atos que corrompem não apenas a ordem e a organização do Estado, mas que corrompem a ética, desmoralizando o exercício da política em todos os níveis.
Não se trata do 'pressuposto' de 'corrigir' a má escolha do eleitor. Cuida-se apenas de cercear o aceso ao poder dos oportunistas de plantão, cujo objetivo único não é gerir ou legislar em função do bem público, mas o de locupletar-se, e aos seus, apropriando-se do Estado.
Numa democracia numérica como a nossa, em que a astúcia de bandidos se vale da desinformação de eleitores analfabetos funcionais, ou totalmente analfabetos, para alcançar mandatos para a prática simplesmente criminosa do poder, há que se criar mecanismos que inibam os oportunistas contumazes, já sobejamente conhecidos, com vários processos, de varias naturezas, pretenderem mandatos para continuar na vida pública. com seus foros privilegiados. Criminosos intocáveis...
Num país em que a educação não é uma prioridade, ao contrário, sempre relegada ao descaso, a Lei da Ficha Limpa é o recurso legal para impedir que suba ao 'podium' a escória.
É o exercício legal do saneamento...
m.americo

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