"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 10 de março de 2016

SEM GOLPE DE CÚPULAS


É uma autêntica tradição da política brasileira que, em meio a crises lancinantes, apareça alguém com uma proposta parlamentarista.

Cogita-se disso (ou de um "semipresidencialismo") na cúpula do Senado, que instalou comissão especial para estudar o tema. Em artigo recente na imprensa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) relançou a ideia de uma "Presidência forte e equilibradora, mas não gerencial".

Para além das ambições pessoais deste ou daquele senador a que possa convir, compreende-se o atrativo da propositura.

Sistemas parlamentaristas tornam a maioria no Legislativo responsável, porque interessada no êxito do governo, ao mesmo tempo em que permitem abreviar sem trauma uma administração que tenha fracassado. Por valorizar essas vantagens, do prisma doutrinário esta Folha apoia há décadas o parlamentarismo.

Mas adotá-lo de improviso, num passe de mágica congressual, não parece indicado. Seria um remendo comparável ao de 1961, logo revogado pelo plebiscito de 1963, que restaurou os poderes da Presidência. Uma segunda consulta popular, feita em 1993 a mando da nova Constituição, confirmou a anterior por larga maioria (55,6% X 24,9%).

A fim de não configurar intolerável golpe de cúpulas, qualquer solução do tipo demandaria aprovação num terceiro referendo. Sobretudo no caso de se pretender implantar a medida durante o atual mandato, seja com a atual presidente reduzida a figura decorativa, seja com o vice em seu lugar.

Difícil crer, ainda assim, que a maioria do eleitorado se disponha a conferir mais poderes a um Congresso que é desprezado em escala quase universal.

Mesmo que terminasse aceito, tal arranjo não estaria assentado em persistente campanha de persuasão pública que houvesse formado lastro na sociedade. Decerto seria a primeira coisa que o presidente eleito com imensa legitimidade em 2018 trataria de desfazer.

Somadas as dificuldades, a sugestão resulta inviável. Parte de seu espírito, no entanto, poderá se materializar na prática, uma vez que um eventual governo Michel Temer (PMDB) necessitaria de ampla base parlamentar e concederia o que fosse necessário para conquistá-la, na tentativa de confinar na oposição apenas o que restasse do PT e sua franja ideológica.

O futuro parece mais volátil do que nunca, exceto pela sólida convicção de que a solução da crise acontecerá dentro da lei. Em meio ao cenário desolador, as instituições têm dado provas de bom funcionamento. Não é hora de mexer na única parte do sistema que vai bem.



10 de março de 2016
Editorial Folha de SP

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