O Brasil se move por acaso. As causas profundas, seculares, aparecem sob a forma de pequenos indícios, fatos e traumas inesperados que disparam uma mutação histórica. O que quer dizer essa frase? Que não são apenas as “relações de produção” que explicam nossa marcha; um país pega os cacoetes de seus políticos, que, por sua vez, repetem os cacoetes tradicionais do país, e isso vai numa corrente contínua que faz a história andar tortamente, povoada de acidentes de percurso, de neuroses, muito além de meros “blocos históricos” ou “luta de classes”.
O Brasil é uma região interna de nossa cabeça. E dela escorrem nossos vícios que nunca foram tão explícitos como hoje.
O Brasil se move por ínfimas causas, por bobagens casuais e tragédias intempestivas. É o que os franceses chamam de “petite histoire”. Pela petite histoire vemos a marcha de nossa endêmica esculhambação.
Há 13 anos estão no ar os sinais de perigo, os alarmes disparados e audíveis nos sutis detalhes despercebidos.
Os sinais se somam e explodem ao mesmo tempo; estamos vendo uma suja alvorada que nos dá uma frágil esperança de futuro.
No passado nem tão recente, Getúlio deu um tiro no peito e adiou a ditadura por dez anos. Jânio tomou um porre e pediu o boné. A ditadura começa com um general que se intitula uma vaca fardada. Vinte e um anos de fascismo caipira.
Aí, voltou a democracia.
Petite histoire trágica: um bichinho – um micróbio no rabinho do Tancredo mudou nossa vida e fez entrar para o governo outro micróbio de bigode. Vimos no velório seu rosto contrito de dor, num luto eufórico. Por um micróbio, encaramos Sarney por cinco anos, com seu jaquetão de teflon em que nada cola.
Outro detalhe: Collor caiu por causa de um Fiat Elba (ele se vingou agora, comprando Lamborghinis e Ferraris) e, dizem, denunciado por seu irmão Pedro, que ficou uma arara por causa do olho de Fernando em sua mulher. Logo depois Itamar se apaixona por uma atriz sem calcinha no Carnaval – o ridículo no poder.
Tudo que vemos agora começou com um ínfimo gesto: a mão displicente do Maurício Marinho pegando os R$ 3.000 que surgem no canto do quadro, e ele embolsa, escorregando-os para dentro do paletó, como quem recebe um troco de cafezinho. Dali ao mensalão, dali ao petrolão, foi uma revoada de escândalos. Nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Por exemplo, já sabemos que a corrupção no país não é um “desvio” da norma, não é um pecado; é a norma mesma, entranhada nos códigos e nas almas.
Os sinais sempre estiveram no ar: os angus e as feijoadas nordestinas. As gargalhadas. A torta escultura feita de palha e barro, de gorjetas, de sobras de campanha, de canjica de aniversários e água benta de batismos. E as palavras solenes? “Minha honra”, “aleivosias contra mim”, “nobres deputados”, ostentando pureza, angelitude, com palavras encobrindo a bilontragem nas cumbucas, as declarações de renda falsas, os carrões, os iates, as casas com piscinas em forma de vagina no Lago Sul.
Indícios ínfimos: os cintilantes negros cabelos de asa de graúna de Lobão e, agora, os brancos cabelos de Delcídio, bastos, generosos, ostentando bondade, tolerância, e os cabelos acaju, que ficam entre o cinismo e o escárnio.
As gravatas horrendas de bolinhas. São coisas ínfimas, detalhes tão pequenos de nós dois...
E a cidade de Ribeirãozinho, no Maranhão, com o nome absurdamente mudado para Governador Edison Lobão... Sabiam?
E a distração da Dilma, (oh, coitada, que distraída!) que nem viu que estávamos comprando uma lata velha por US$ 1,5 bilhão em Pasadena.
E as dualidades arcaicas? Paralisia x voluntarismo, processo x solução, continuidade x ruptura, e a militância dos ignorantes, a burrice com fome de sentido, balas perdidas sempre acertando em crianças, caixas de banco abertas a dinamite? São sinais de perigo.
Também o dedo do Lula faz parte de nossa história. Se ele não tivesse perdido o dedo, continuaria operário, não teria sido líder sindical e o Brasil seria outro.
A casa da mãe Joana – surubas causam a queda de Palocci, que, no entanto, salvou a economia do país no primeiro mandato de Lula. Oh, complexo enigma entre sexo e política...
E a “presidenta”? Erro populista de português para o povão entender.
E a mandioca? E a bicanca arrogante de Cunha? O cinismo.
A tristeza do Levy, um padre tentando salvar pecadores. E a irresponsabilidade dos tucanos? O PT se acha superior a nós, os tucanos se acham mais elegantes.
E os halls de hotéis onde se tramam tramoias? Ali estão os sorrisos hipócritas, a amizade colorida em Brasília, a poética camaradagem cordial, a troca de favores, sempre com gestos risonhos, fortes abraços pela barriga, na doce pederastia de uma sociedade secreta.
E o medo visível no presidente do Senado, e as ameaças de ações penais, as calúnias, injúrias e difamações, e os danos morais, e as indenizações pretendidas, e a euforia de advogados, e as promessas a Jesus para proteger os formadores de quadrilhas, as mandingas, as galinhas mortas na encruzilhada, as esposas histéricas sem sexo no pânico de Brasília, o uísque caindo mal nas barrigas murmurantes? E o silêncio dos intelectuais? É fé ou medo?
E a lama cobrindo a paisagem, numa sinistra metáfora do presente?
A derrota de 7 a 1 do Brasil parece ter inaugurado a urucubaca que nos sufoca, piorada no segundo governo de Dilma. A partir daí, só más notícias.
Mas, sem dúvida, estamos mais cultos sobre nós mesmos, sobre o Brasil que nós somos.
Meu Deus, que prodigiosa fartura de novidades, fecundas como um adubo sagrado, belas como nossas matas, cachoeiras e flores.
E, finalmente, mais um detalhe importantíssimo de nossa petite histoire: um celular gravando a conversa dos quadrilheiros no hotel muda nossa pequena, mesquinha história.
Bernardo Cerveró mudou o país.
01 de dezembro de 2015
Arnaldo Jabor
O Brasil é uma região interna de nossa cabeça. E dela escorrem nossos vícios que nunca foram tão explícitos como hoje.
O Brasil se move por ínfimas causas, por bobagens casuais e tragédias intempestivas. É o que os franceses chamam de “petite histoire”. Pela petite histoire vemos a marcha de nossa endêmica esculhambação.
Há 13 anos estão no ar os sinais de perigo, os alarmes disparados e audíveis nos sutis detalhes despercebidos.
Os sinais se somam e explodem ao mesmo tempo; estamos vendo uma suja alvorada que nos dá uma frágil esperança de futuro.
No passado nem tão recente, Getúlio deu um tiro no peito e adiou a ditadura por dez anos. Jânio tomou um porre e pediu o boné. A ditadura começa com um general que se intitula uma vaca fardada. Vinte e um anos de fascismo caipira.
Aí, voltou a democracia.
Petite histoire trágica: um bichinho – um micróbio no rabinho do Tancredo mudou nossa vida e fez entrar para o governo outro micróbio de bigode. Vimos no velório seu rosto contrito de dor, num luto eufórico. Por um micróbio, encaramos Sarney por cinco anos, com seu jaquetão de teflon em que nada cola.
Outro detalhe: Collor caiu por causa de um Fiat Elba (ele se vingou agora, comprando Lamborghinis e Ferraris) e, dizem, denunciado por seu irmão Pedro, que ficou uma arara por causa do olho de Fernando em sua mulher. Logo depois Itamar se apaixona por uma atriz sem calcinha no Carnaval – o ridículo no poder.
Tudo que vemos agora começou com um ínfimo gesto: a mão displicente do Maurício Marinho pegando os R$ 3.000 que surgem no canto do quadro, e ele embolsa, escorregando-os para dentro do paletó, como quem recebe um troco de cafezinho. Dali ao mensalão, dali ao petrolão, foi uma revoada de escândalos. Nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Por exemplo, já sabemos que a corrupção no país não é um “desvio” da norma, não é um pecado; é a norma mesma, entranhada nos códigos e nas almas.
Os sinais sempre estiveram no ar: os angus e as feijoadas nordestinas. As gargalhadas. A torta escultura feita de palha e barro, de gorjetas, de sobras de campanha, de canjica de aniversários e água benta de batismos. E as palavras solenes? “Minha honra”, “aleivosias contra mim”, “nobres deputados”, ostentando pureza, angelitude, com palavras encobrindo a bilontragem nas cumbucas, as declarações de renda falsas, os carrões, os iates, as casas com piscinas em forma de vagina no Lago Sul.
Indícios ínfimos: os cintilantes negros cabelos de asa de graúna de Lobão e, agora, os brancos cabelos de Delcídio, bastos, generosos, ostentando bondade, tolerância, e os cabelos acaju, que ficam entre o cinismo e o escárnio.
As gravatas horrendas de bolinhas. São coisas ínfimas, detalhes tão pequenos de nós dois...
E a cidade de Ribeirãozinho, no Maranhão, com o nome absurdamente mudado para Governador Edison Lobão... Sabiam?
E a distração da Dilma, (oh, coitada, que distraída!) que nem viu que estávamos comprando uma lata velha por US$ 1,5 bilhão em Pasadena.
E as dualidades arcaicas? Paralisia x voluntarismo, processo x solução, continuidade x ruptura, e a militância dos ignorantes, a burrice com fome de sentido, balas perdidas sempre acertando em crianças, caixas de banco abertas a dinamite? São sinais de perigo.
Também o dedo do Lula faz parte de nossa história. Se ele não tivesse perdido o dedo, continuaria operário, não teria sido líder sindical e o Brasil seria outro.
A casa da mãe Joana – surubas causam a queda de Palocci, que, no entanto, salvou a economia do país no primeiro mandato de Lula. Oh, complexo enigma entre sexo e política...
E a “presidenta”? Erro populista de português para o povão entender.
E a mandioca? E a bicanca arrogante de Cunha? O cinismo.
A tristeza do Levy, um padre tentando salvar pecadores. E a irresponsabilidade dos tucanos? O PT se acha superior a nós, os tucanos se acham mais elegantes.
E os halls de hotéis onde se tramam tramoias? Ali estão os sorrisos hipócritas, a amizade colorida em Brasília, a poética camaradagem cordial, a troca de favores, sempre com gestos risonhos, fortes abraços pela barriga, na doce pederastia de uma sociedade secreta.
E o medo visível no presidente do Senado, e as ameaças de ações penais, as calúnias, injúrias e difamações, e os danos morais, e as indenizações pretendidas, e a euforia de advogados, e as promessas a Jesus para proteger os formadores de quadrilhas, as mandingas, as galinhas mortas na encruzilhada, as esposas histéricas sem sexo no pânico de Brasília, o uísque caindo mal nas barrigas murmurantes? E o silêncio dos intelectuais? É fé ou medo?
E a lama cobrindo a paisagem, numa sinistra metáfora do presente?
A derrota de 7 a 1 do Brasil parece ter inaugurado a urucubaca que nos sufoca, piorada no segundo governo de Dilma. A partir daí, só más notícias.
Mas, sem dúvida, estamos mais cultos sobre nós mesmos, sobre o Brasil que nós somos.
Meu Deus, que prodigiosa fartura de novidades, fecundas como um adubo sagrado, belas como nossas matas, cachoeiras e flores.
E, finalmente, mais um detalhe importantíssimo de nossa petite histoire: um celular gravando a conversa dos quadrilheiros no hotel muda nossa pequena, mesquinha história.
Bernardo Cerveró mudou o país.
01 de dezembro de 2015
Arnaldo Jabor
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