Artigo de Lawrence Reed e Marc Hyden no Instituto Mises Brasil identifica traços comuns na velha miséria humana, que mergulha na utopia, mas tem mesmo é que lidar com o presente, em qualquer época:
Se acontece até mesmo com poderosos impérios, por que não pode acontecer com simples nações?
Muito antes de pacotes governamentais de socorro a empresas, programas assistencialistas e inflação monetária se tornarem uma rotina, os romanos já haviam vivenciado esquemas semelhantes. Há mais de 2.000 anos.
Naquela época, o governo romano socorreu instituições falidas, perdoou dívidas, gastou enormes quantias em programas assistencialistas e incorreu em uma grande inflação monetária.
E o resultado não foi bonito.
Naquela época, assim como hoje, os políticos romanos escolheram, segundo critérios próprios, quem seria socorrido e quem seria esquecido, quem seriam os "ganhadores" e quem seriam os "perdedores". Obviamente, os "ganhadores" foram aqueles que usufruíam boas conexões políticas — uma prática que hoje está no cerne do nosso arranjo político-econômico.
Como já observaram vários pesquisadores da época, tais esquemas baseados em "tirar de Pedro para dar a Paulo" foramcruciais para a falência da sociedade romana. Para mantê-los, o estado teve de recorrer a intervenções cada vez mais destrutivas. "Roma não foi construída em um dia", como diria o velho ditado — e seria igualmente necessário um bom tempo para destruí-la. Quando a república se transformou em um despotismo imperial, os imperadores tentaram controlar toda a economia.
Perdoar dívidas na Roma antiga, embora fosse uma questão controversa, foi um ato que se repetiu diversas vezes. Um dos primeiros reformadores populistas romanos, o tribuno Licínio Stolo, aprovou uma lei, em 367 a.C, uma época de instabilidade econômica, que essencialmente declarava uma moratória sobre a dívida. A lei permitia aos devedores não mais pagarem os juros sobre principal caso o restante da dívida fosse pago dentro de um período de três anos.
Já em 352 a.C., a situação financeira de Roma continuava complicada, e o Tesouro resolveu arcar com inúmeras dívidas privadas que haviam sido caloteadas. À época, supunha-se que os devedores eventualmente reembolsariam o estado. E se você acredita que isso aconteceu, então você provavelmente deve pensar que emprestar para o atual governo grego é um investimento seguro.
Para se ter uma ideia, em 357 a.C., a maior taxa de juros permitida para empréstimos era de, aproximadamente, 8%. Dez anos depois, tal taxa foi considerada alta demais, e os administradores romanos reduziram o teto para 4%. Em 342 a.C., tais as reduções sucessivas aparentemente não foram capazes de acalmar os devedores ou de satisfatoriamente atenuar as tensões econômicas. Consequentemente, o governo teve a brilhante ideia de simplesmente abolir os juros.
O que houve então? O óbvio: várias pessoas passaram a não mais emprestar dinheiro. Tal situação perdurou até que essa lei que proibia juros simplesmente passou a ser ignorada.
Em 133 a.C., o então ambicioso e promissor político Tibério Graco decidiu que as medidas de Licínio ainda não eram suficientes. Ato contínuo, Tibério aprovou uma lei que concedia grandes extensões de terras cultiváveis do estado para os pobres. Adicionalmente, o governo financiou a construção de novas moradias e a compra de ferramentas para essas pessoas. Estima-se que 75.000 famílias receberam terras totalmente grátis devido a essa legislação. Esse foi um programa governamental que forneceu, "gratuitamente", terra, moradia e até mesmo oportunidades de negócio, tudo financiado ou pelos pagadores de impostos ou pela pilhagem de nações recém-conquistadas.
Entretanto, tão logo foi permitido, muitos colonos ingratos venderam suas terras e retornaram à cidade. Mas Tibério não viveu para testemunhar esses beneficiários rejeitarem a generosidade de Roma, pois um grupo de senadores o assassinou em 133 a.C. Só que seu irmão mais novo, Caio Graco, assumiu seu manto populista e aprofundou suas reformas.
Enquanto ainda era vivo, Tibério também aprovou o primeiro programa de alimentação subsidiada de Roma, o qual oferecia cereais a preços baixos para muitos cidadãos. Inicialmente, aqueles romanos que ainda se apegavam a ideais como auto-suficiência e independência ficaram estarrecidos com esse conceito de assistencialismo compulsório; no entanto, não demorou muito para que dezenas de milhares estivessem recebendo os cereais subsidiados, e não somente os necessitados. Qualquer cidadão romano que ficasse nas filas do posto de coleta de cereais tinha o direito à assistência estatal. Um cônsul rico chamado Lúcio Calpúrnio Pisão Frugi, que se opunha a esse programa, foi visto na fila. Ele alegou que, dado que era a sua riqueza que estava compulsoriamente financiando aquilo tudo, então ele pretendia obter sua fatia.
Já por volta de 300 d.C., esse programa já havia sido modificado diversas vezes. O cereal que até então era apenas subsidiado passou a ser totalmente gratuito; e, no auge, um terço de Roma já era contemplado pelo programa, o qual se tornou um privilégio hereditário, passado de pai para filho. Outros gêneros alimentícios, incluindo azeite de oliva, carne de porco e sal, eram foram continuamente adicionados ao programa. Este cresceu até se tornar o segundo maior gasto do orçamento imperial, atrás somente dos gastos militares. O que havia começado como um programa assistencialista provisório se transformou, como muitos outros programas governamentais, em uma forma permanente de assistencialismo voltado para um eleitorado que considerava isso um direito adquirido.
Voltando a 88 a.C., Roma ainda estava se recuperando da Guerra Social, um debilitante conflito com seus antigos aliados na península italiana. Um dos generais vitoriosos foi Lucio Cornélio Sula, que no final do mesmo ano tornou-se Cônsul (a posição política mais importante nos dias da república) e depois, Ditador.
Para amenizar a catástrofe econômica, Sula decretou que até 10% das dívidas de cada cidadão deveriam ser canceladas, o que colocou os credores em uma posição difícil. Ele também restaurou e reforçou a lei que decretava que uma taxa máxima de juros sobre empréstimos, provavelmente similar à lei de 357 a.C. A crise foi piorando continuamente, e, para "resolver de uma vez a situação", em 86 a.C., outra lei que cancelava nada menos que 75% das dívidas privadas foi aprovada — sob o consulado deLúcio Cornélio Cina e Mario Caio.
Menos de duas décadas após Sula (que morreu em 78 a.C.), Lúcio Sérgio Catilina, o infame populista radical e inimigo de Cícero, candidatou-se ao consulado com uma plataforma política de cancelamento total das dívidas. De alguma forma, ele foi derrotado, provavelmente pela oposição formada por banqueiros e por cidadãos romanos que já haviam quitado suas dívidas. Sua vida terminou logo depois em uma fracassada tentativa de golpe.
Em 60 a.C., o patrício Júlio César, uma estrela em ascensão, foi eleito cônsul, e continuou as políticas de vários de seus predecessores populistas, mas agora com algumas inovações pessoais. E, mais uma vez, Roma estava em meio a uma crise.
(Continua).
01 de outubro de 2015
in blog do orlando tambosi
01 de outubro de 2015
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