A crise que vivemos é assombrosa, inédita em sua natureza e escopo e imprevisível em suas consequências. Precisa ser decifrada, pois são inúmeras as perguntas que nos inquietam. Entre elas, por exemplo, o que acontecerá com o governo do PT ou com o campo petista em geral. É pergunta urgente, pois a resposta indicará os caminhos futuros da política e dos processos decisórios públicos, mas, crucialmente, também as possibilidades da economia. Interpretar com exatidão o que vem adiante interessa não apenas aos mais ativos operadores do poder. Interessa aos brasileiros, pois ou iluminará a persistência da agonia decorrente do inacreditável despreparo da ação governamental ou, pelo contrário, apontará se observaremos iniciativas que abreviem o que atualmente é quase um martírio coletivo. A presidente será capaz de um ato de grandeza, como a renúncia, ou será escorraçada pelo calor das ruas ou, ainda, pelo Congresso Nacional?
Esta quadra histórica vai desenhando diversos contornos que emergem ameaçadores, sem paralelo com o passado. Um deles, de profunda consequência no estado de humor da sociedade, diz respeito à visceral perda de esperança pelos cidadãos, descrentes de tudo e de todos. Não existem mais elites políticas confiáveis à vista e, assim, como divisar o futuro próximo com serenidade? Encarcerando bilionários, caciques políticos e um almirante, o Ministério Público parecerá ser a tábua de salvação neste mar revolto, mas não está entre suas funções a administração do Estado. Por isso, o esvaziamento da esperança é a antessala do desespero social. Se a crise for arrastada para níveis ainda mais graves de desemprego e recrudescimento da inflação, como nos alertam os economistas, a perspectiva de convulsão social não pode ser descartada.
Outra faceta inesperada deste momento é a estratégia que o PMDB vai cerzindo na política brasileira, quando surge uma chance única nascida a partir do seu redivivo protagonismo. Exceto durante o deplorável governo Sarney, é um partido que se aquietara na posição de linha auxiliar, mas sente que a hora de dar o bote pode estar se aproximando.
Se a presidente for afastada no tempo preciso, o condestável vice-presidente reinará na parte restante, preparando o palco para o candidato do partido que emergirá, então, como o novo salvador da Pátria nas eleições seguintes. Provavelmente, será o atual prefeito do Rio de Janeiro, sobretudo se colher o saldo positivo e os holofotes da Olimpíada.
Já os petistas, por extensão incluindo boa parte da esquerda, intuem com alarmismo o tempestuoso cenário que se está armando. O legado de quatro mandatos, talvez o último deles interrompido ao meio, será funesto para o futuro do partido. Como é típico entre a esquerda, novas rupturas serão muitas e imediatas, levando o partido à marginalização.
Cada vez mais, seus defensores serão somente os filiados que detêm cargos, forçados a curvar-se até mesmo ao indefensável. Ao contrário de sua recente propaganda, o PT no poder, de fato, encheu as panelas dos brasileiros, mas foi de espanto e desesperança. Atônita ante a obscena apropriação dos fundos públicos, destinada, primeiro, a um projeto de hegemonia partidária e, depois, ao enriquecimento pessoal, a sociedade começa a se mexer. Já a desesperança prospera porque nunca em nossa história um partido foi depositário de tamanha generosidade oferecida pelos cidadãos, crédulos das promessas, sobretudo, de moralização das condutas daqueles que conduzem o Estado.
O campo petista no poder, para a surpresa de todos, empreendeu uma estratégia que quase produziu a falência da esquerda, o que já vem acarretando efeitos nocivos na qualidade da política em nosso país. Certa ou errada em sua visão de futuro, as tradições programáticas da esquerda sempre perseguiram o enfrentamento crítico dos donos do poder, contestando a volúpia do capital, os ímpetos conservadores de nossa história e o autoritarismo inerente às práticas sociais de um país que foi o último a abolir a escravidão, para não citar o combate às formas de violência e de discriminação. Nada disso sobrou, abrindo as portas, como sabemos, para a escória da política.
Não analisando aqui os erros cometidos na gestão macroeconômica, também a administração petista do Estado tem sido calamitosa, atiçando irrefletidamente uma linguagem de direitos que jamais foi tornada razoável pelo seu complemento lógico, que seria uma narrativa concomitante de deveres, transparência e responsabilização. Já no quarto mandato, o Estado praticamente parou, com um corpo de servidores em boa parte descomprometido com o bem comum, por sobre uma máquina absurdamente inchada e dirigida por gestores, quase sempre, guindados a tais posições em razão de suas lealdades partidárias. É, hoje, um Estado fortemente disfuncional e revirá-lo pelo avesso para novamente servir à população será tarefa quase impossível em prazo médio, pois os interesses partidários e sindicais incrustados em quase todas as suas partes reagirão com ferocidade ante as tentativas de racionalização que se fazem necessárias.
O futuro próximo, para o Partido dos Trabalhadores e os setores sociais a ele alinhados, incluindo a esquerda, poderá ser traumático. Seu líder principal vê minguar, a cada dia, a sua capacidade de aglutinar quadros e apoio popular. Os dirigentes do partido, por sua vez, presos à soberba, fingem não enxergar a gigantesca ira social endereçada ao campo petista que foi sendo formada em todas as paragens brasileiras, em face do descalabro da administração federal e dos infinitos desmandos petistas. Nesse contexto, a renúncia da presidente talvez seja o menor dos gestos esperados, pois a gestão do período seguinte, ante tal legado, será tarefa extremamente desafiadora.
13 de agosto de 2015
Zander Navarro
Esta quadra histórica vai desenhando diversos contornos que emergem ameaçadores, sem paralelo com o passado. Um deles, de profunda consequência no estado de humor da sociedade, diz respeito à visceral perda de esperança pelos cidadãos, descrentes de tudo e de todos. Não existem mais elites políticas confiáveis à vista e, assim, como divisar o futuro próximo com serenidade? Encarcerando bilionários, caciques políticos e um almirante, o Ministério Público parecerá ser a tábua de salvação neste mar revolto, mas não está entre suas funções a administração do Estado. Por isso, o esvaziamento da esperança é a antessala do desespero social. Se a crise for arrastada para níveis ainda mais graves de desemprego e recrudescimento da inflação, como nos alertam os economistas, a perspectiva de convulsão social não pode ser descartada.
Outra faceta inesperada deste momento é a estratégia que o PMDB vai cerzindo na política brasileira, quando surge uma chance única nascida a partir do seu redivivo protagonismo. Exceto durante o deplorável governo Sarney, é um partido que se aquietara na posição de linha auxiliar, mas sente que a hora de dar o bote pode estar se aproximando.
Se a presidente for afastada no tempo preciso, o condestável vice-presidente reinará na parte restante, preparando o palco para o candidato do partido que emergirá, então, como o novo salvador da Pátria nas eleições seguintes. Provavelmente, será o atual prefeito do Rio de Janeiro, sobretudo se colher o saldo positivo e os holofotes da Olimpíada.
Já os petistas, por extensão incluindo boa parte da esquerda, intuem com alarmismo o tempestuoso cenário que se está armando. O legado de quatro mandatos, talvez o último deles interrompido ao meio, será funesto para o futuro do partido. Como é típico entre a esquerda, novas rupturas serão muitas e imediatas, levando o partido à marginalização.
Cada vez mais, seus defensores serão somente os filiados que detêm cargos, forçados a curvar-se até mesmo ao indefensável. Ao contrário de sua recente propaganda, o PT no poder, de fato, encheu as panelas dos brasileiros, mas foi de espanto e desesperança. Atônita ante a obscena apropriação dos fundos públicos, destinada, primeiro, a um projeto de hegemonia partidária e, depois, ao enriquecimento pessoal, a sociedade começa a se mexer. Já a desesperança prospera porque nunca em nossa história um partido foi depositário de tamanha generosidade oferecida pelos cidadãos, crédulos das promessas, sobretudo, de moralização das condutas daqueles que conduzem o Estado.
O campo petista no poder, para a surpresa de todos, empreendeu uma estratégia que quase produziu a falência da esquerda, o que já vem acarretando efeitos nocivos na qualidade da política em nosso país. Certa ou errada em sua visão de futuro, as tradições programáticas da esquerda sempre perseguiram o enfrentamento crítico dos donos do poder, contestando a volúpia do capital, os ímpetos conservadores de nossa história e o autoritarismo inerente às práticas sociais de um país que foi o último a abolir a escravidão, para não citar o combate às formas de violência e de discriminação. Nada disso sobrou, abrindo as portas, como sabemos, para a escória da política.
Não analisando aqui os erros cometidos na gestão macroeconômica, também a administração petista do Estado tem sido calamitosa, atiçando irrefletidamente uma linguagem de direitos que jamais foi tornada razoável pelo seu complemento lógico, que seria uma narrativa concomitante de deveres, transparência e responsabilização. Já no quarto mandato, o Estado praticamente parou, com um corpo de servidores em boa parte descomprometido com o bem comum, por sobre uma máquina absurdamente inchada e dirigida por gestores, quase sempre, guindados a tais posições em razão de suas lealdades partidárias. É, hoje, um Estado fortemente disfuncional e revirá-lo pelo avesso para novamente servir à população será tarefa quase impossível em prazo médio, pois os interesses partidários e sindicais incrustados em quase todas as suas partes reagirão com ferocidade ante as tentativas de racionalização que se fazem necessárias.
O futuro próximo, para o Partido dos Trabalhadores e os setores sociais a ele alinhados, incluindo a esquerda, poderá ser traumático. Seu líder principal vê minguar, a cada dia, a sua capacidade de aglutinar quadros e apoio popular. Os dirigentes do partido, por sua vez, presos à soberba, fingem não enxergar a gigantesca ira social endereçada ao campo petista que foi sendo formada em todas as paragens brasileiras, em face do descalabro da administração federal e dos infinitos desmandos petistas. Nesse contexto, a renúncia da presidente talvez seja o menor dos gestos esperados, pois a gestão do período seguinte, ante tal legado, será tarefa extremamente desafiadora.
13 de agosto de 2015
Zander Navarro
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