"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 19 de maio de 2015

CASUÍSMO CHAVISTA

Mais cedo ou mais tarde, especialmente quando se encontram diante de um risco existencial, regimes autoritários que pretendem se passar por democráticos revelam sua verdadeira natureza. É o caso da Venezuela chavista, cujo governo diz respeitar a democracia apenas pelo fato de que promoveu dezenas de eleições cuja lisura foi aferida por observadores internacionais. Agora, no entanto, diante da iminência de uma derrota nas urnas, o chavismo agiu como a verdadeira ditadura que é, ao alterar as regras do jogo eleitoral para tentar impedir que a oposição triunfe.
Em algum momento do último trimestre deste ano, conforme anunciou o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), os venezuelanos irão às urnas para renovar a Assembleia Nacional. A imprecisão da data já dá a medida da fragilidade do processo, totalmente permeável aos interesses oficialistas. O CNE – que, como as demais instituições de Estado, está tomado por chavistas – notabilizou-se nos últimos anos por permitir tudo ao governo e nada à oposição.
O simples fato de que ainda não há uma data marcada para a eleição – que, segundo todas as pesquisas, indica o favoritismo dos oposicionistas – já é suficiente para levantar suspeitas de que alguma tramoia esteja em curso. Por essa razão, o governo brasileiro vem pressionando as autoridades da Venezuela a estabelecer uma data o quanto antes.
Os últimos movimentos do campo governista levam a duas certezas. A primeira é que o presidente Nicolás Maduro e seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) estão informados de que não são desprezíveis as chances de uma surra eleitoral. A segunda é que tudo farão para impedi-la.
Em abril, a maioria chavista na Assembleia Nacional aprovou uma medida por meio da qual o CNE diminuirá o número de deputados que podem ser eleitos nas zonas consideradas redutos da oposição. Na manobra, os governistas fizeram uma estimativa populacional a partir da qual o CNE vai calcular o número de cadeiras por região. Ignorando o Censo oficial, o estudo ampliou o total da população nas zonas dominadas pelo chavismo e diminuiu o número de habitantes das regiões oposicionistas.
Assim, o CNE, que aumentou de 165 para 167 o número de vagas na Assembleia, vai tirar uma cadeira de uma das circunscrições que costumam ser dominadas pela oposição e dará três vagas a mais para circunscrições que apoiam o chavismo. Para explicar essas mudanças, o PSUV usou seu habitual cinismo, ao dizer que houve forte migração para áreas simpáticas ao chavismo em razão do programa Grande Missão Vivenda – o equivalente ao Minha Casa, Minha Vida – a partir de 2011.
Não é a primeira vez que o governo apela à mão do gato para prejudicar a oposição. Na eleição de 2010 também houve mudanças nas circunscrições para dar mais vagas aos candidatos governistas. Na ocasião, a oposição obteve 52% dos votos em todo o país, mas ficou com apenas 67 das 165 cadeiras da Assembleia Nacional, que desde então tudo faz para calar os oposicionistas.
A chicana chavista se assemelha ao chamado “Pacote de Abril”, conjunto de leis que a ditadura brasileira baixou em 1977 para impedir o avanço eleitoral da oposição e perpetuar a maioria governista no Congresso. Assim como na Venezuela agora, o regime militar do Brasil diminuiu a representatividade de Estados mais populosos e aumentou a de Estados menores – onde o partido governista tinha mais chances de sucesso. Como se nota, ditaduras não primam pela originalidade: quando se veem em xeque, dão um tapa no tabuleiro.
A oposição venezuelana, no entanto, procura manter o otimismo e assegura que pode vencer mesmo nos redutos chavistas, em razão principalmente da imensa crise econômica e social que o país atravessa. As pesquisas chancelam essa expectativa. O mais recente levantamento do instituto Datanalisis, um dos mais respeitados da Venezuela, informou que 59,6% dos eleitores declararam voto na oposição, ante apenas 22,5% no governo.
19 de maio de 2015
O Estado de SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário