"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 7 de abril de 2015

SOCIAL-DEMOCRACIA APÓS A QUEDA DO MURO DE BERLIM

 


A derrubada do Muro de Berlim e o ocaso final do socialismo realmente existente ocorreu em 9 de novembro de 1989. Todavia, desde os anos 70, uma crise já se ocultava nos porões das datchas utilizadas pela nomenklatura das democracias populares dos países do Leste-Europeu e da União Soviética. Essa crise agravou-se conduzindo ao colapso do comunismo e dando fim ao Estado soviético.

O desmantelamento geral parecia ter deixado o caminho aberto para a Social-Democracia, que 30 anos antes, em 1959, havia feito, em Bad Goldesberg, sua opção histórica pelas reformas por via constitucional.  A Social-Democracia, defensora do Estado do bem-estar, do pleno emprego, de programas para reduzir o desemprego, de uma economia mista, parece agora impotente, pois todos esses elementos foram eclipsados pelo fenômeno da globalização da economia.

O pleno emprego desapareceu, trazendo maiores custos para a previdência social; o ensino público transformou-se em fonte de insatisfação, pois, incapaz\ de atender a todos; a autoridade dos governos e parlamentos vem sendo enfraquecida com a transferência de poder para conselhos intergovernamentais, para os mercados de capitais, que gozam da extraterritorialidade e, em alguns lugares, até mesmo para ONGs com sedes no exterior; e o espaço político deslocou-se dos comícios e contatos com os eleitores para os shows de TV, em horários certos e em dias determinados.

Em alguns poucos países, o marxismo-leninismo sobrevive, todavia tendo no horizonte um futuro incerto, pois o grau em que a esquerda rompeu com a doutrina e a disciplina ortodoxa, a partir de 1989, varia enormemente e não tem volta.

Entre nós, o Partido Comunista Brasileiro, já a partir do 9º Congresso, em 1991, dava mostras de sua opção em direção à Social-Democracia. Menos de um ano depois, no teatro Záccaro, abandona a denominação de comunista e, finalmente, no 11º Congresso, em 1996, transformava-se num partido social-democrata, como comprova a Resolução Política então aprovada.

Enquanto isso, a postura de outros partidos comunistas, como o Português e o Cubano, por exemplo, permanece basicamente inalterada. O PC Francês, assolado por um sem número de dissidências internas, continua uma versão do que sempre foi. O PC Italiano transformou-se rapidamente no Partido Democrático de Esquerda (Partido Democrático de La Sinistra), deixando, no entanto, como viria a ocorrer no Brasil, um resíduo ativo à sua esquerda, a Refundação Comunista. E o Partido Socialista Italiano, que governou o país por vários anos, simplesmente deixou de existir, desmoralizado pela corrupção de seus dirigentes após a descoberta dos “acordos de cavalheiros” concretizados com a máfia.

Embora em todos os países permaneça existindo uma esquerda além dos limites da Social-Democracia, ela pouco tem contribuído para a autocrítica que se tornou indispensável no sentido de superar os dilemas programáticos que Lenin anexou à doutrina.

É forçoso reconhecer, no entanto, que em época alguma os partidos da III Internacional, ou seus sucedâneos após a II Guerra Mundial, se assentaram em uma base social homogênea, embora até o final dos anos 60 o proletariado industrial manual ocupasse o centro de toda e qualquer coalizão social que os partidos de esquerda pudessem conformar, pois sempre foi o melhor organizado estruturalmente.

Atualmente, o proletariado declina progressivamente e é um pouco mais de um quarto da população ativa, já sendo superado, em quase todos os países, pelo número de empregados no setor terciário. Malgrado isso, a produção aumenta. Com a queda das taxas de natalidade e o aumento da expectativa de vida, aumentou o peso dos idosos no conjunto da população e cerca de um terço da vida do adulto médio se passa atualmente após a sua saída do mercado de trabalho, sobrecarregando enormemente os sistemas de previdência e de assistência médica. Isso faz com que a força de trabalho assalariada, que diminui em todo o mundo, fique também sobrecarregada pelas necessidades previdenciárias da “terceira idade”.

Essa tendência, aliada à diminuição dos postos de trabalho, em todo o mundo, tende a desagregar o proletariado e outros trabalhadores, outrora um mercado cativo para as investidas dos partidos de esquerda, tornando a cada dia mais difícil  a tarefa de mobilização para qualquer mudança política radical, e sobretudo para a contestação do status quo.

Hoje, é impensável a antiga palavra-de-ordem da ortodoxia comunista de “colocar as massas na rua”, tornando-se básico que as esquerdas ultrapassem“conceitos clássicos como a centralidade da classe operária no movimento de transformação” (Roberto Freire, Folha de São Paulo de 15/06/97).

Na Europa Ocidental, desde os anos 80 e fundamentalmente após os Acordos de Maastrich, a perda da autonomia nacional sobre a política monetária vem se tornando, em geral, cada vez mais pronunciada; a política fiscal vem sendo afetada pela globalização da economia e do capital, e a antiga opção da Social-Democracia, na Europa Ocidental, onde historicamente ela sempre foi forte, de impor taxas elevadas aos empresários e ao capital, provoca, hoje, reações de retração. Recorde-se que, no período do pós-guerra, o nível geral de impostos cresceu, nos países da OCDE, ao longo do tempo, por cerca de 30 anos, período que correspondeu ao aumento constante dos gastos públicos.

Mas, na verdade, é que o peso desses gastos se tornou mais elevado, com o aumento do número de aposentados e desempregados e mais o peso dos direitos adquiridos, tornando a situação insuportável. Hoje, propor aumento de tributos equivale a um suicídio eleitoral. Além disso, não há como ignorar a presença do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, desde um certo tempo, nos vestíbulos dos Estados nacionais, monitorando as economias.

A aversão a impostos colocou, em toda a parte, a esquerda na defensiva e a Social-Democracia imprensada entre uma base social em mutação e um horizonte político em contração, e parece ter perdido sua bússola. É sabido que,nos primeiros anos da II Internacional, ela orientava sua ação para a superação do capitalismo, empenhando-se depois por reformas parciais, consideradas passos gradativos em direção ao socialismo. Finalmente, hoje, parece contentar-se com o bem-estar-social e o pleno emprego dentro dos marcos ditados pelo capitalismo.

Ora, já que passa a admitir, onde quer que esteja governando, uma diminuição do bem-estar e desiste do pleno emprego em que tipo de movimento se transformará a Social-Democracia? A necessidade de competir se transforma na obrigação de podar e se ajustar e, nessa lógica, o culto ao talento empresarial, centralidade da empresa e ao dinamismo que proporciona lucros crescentes, tende a deslocar cada vez mais o antigo vocabulário da redistribuição, justiça e equidade social.

Nesse sentido, muitos partidos social-democratas transformaram-se em uma força francamente comprometida com o capitalismo, abandonando os ideais do socialismo, mas insistindo em manter uma desbotada noção de esquerda. Ao Partido Popular Socialista, portanto, resta a luta para resgatar e manter vivos os postulados originais definidos pela doutrina.

Nota da redação: Este artigo fora escrito por um “membro do PPS no Estado do Rio de Janeiro”, conforme os diligentes membros partidários publicaram na Tribuna de Debates do 12* Congresso do  PPS, fevereiro de 1998). Seguiu a mesma linha de "O Partido que Queremos". Foi publicado no Caderno de Debates do PPS, em 1998, como se eu fosse um militante do Partido. Não era nem nunca fui...

07 de abril de 2015
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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