Que alma corajosa se oferece para aconselhar a presidente Dilma a renovar seu vocabulário, começando por descartar lugares comuns do tipo "Não ficará pedra sobre pedra" e "Doa em quem doer"? Lugares comuns arranham os ouvidos. E com frequência se voltam contra os que gostam de usá-los. Um exemplo? "Não ficará pedra sobre pedra" da política externa brasileira depois da passagem de Dilma pelo poder.
FORCEI A BARRA? Tentarei ser mais justo: não ficará pedra sobre pedra da política externa brasileira depois da passagem de Lula e Dilma pelo poder. Este gigante econômico e cultural, chamado de "anão diplomático" em julho do ano passado pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, sempre contou com uma das diplomacias mais respeitadas e bem-sucedidas do mundo.
HÁ FARTO conhecimento adquirido com aplicação e afinco. Relativa grandeza. E coerência política secular. Tamanho patrimônio, infelizmente, repousa, hoje, quase esquecido nos subterrâneos do Itamaraty. O retrato de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, ainda enfeita paredes de gabinetes acarpetados. Mas como dói observá-lo.
NA SEMANA passada, com muitos quilos a menos, mas sem ter perdido um grama de arrogância, Dilma emergiu do carnaval disposta a ocupar por todos os meios o espaço que a mídia costuma lhe oferecer com generosidade. E assim foi. Sem pejo, remeteu ao governo Fernando Henrique Cardoso a origem da roubalheira na Petrobras, que só se tornou sistêmica a partir de 2003.
E COMO SE não bastasse tal agressão à verdade, resolveu brigar com um país situado do outro lado do mundo - a República da Indonésia, um arquipélago com mais de 17 mil ilhas. No momento, a Indonésia deveria ser o último país com quem o Brasil almejasse arranjar briga. Ali, em 17 de janeiro último, o brasileiro Marcos Archer, um traficante de drogas, foi executado a tiros.
ARCHER HAVIA sido preso há 10 anos, julgado e condenado à morte. A legislação da Indonésia contra a droga é uma mais rígidas do mundo. Dilma empenhou-se em salvar a vida de Archer. Reagiu à sua morte chamando de volta o embaixador do Brasil por lá. Era tudo o que não deveria ter feito - afinal, há outro brasileiro na Indonésia condenado à morte por tráfico de droga.
SE HAVIA uma tênue esperança de que à diplomacia fosse possível evitar um segundo fuzilamento, ela se dissipou com outra decisão desastrosa tomada por Dilma na última sexta-feira. Novos embaixadores de outros países estavam reunidos no Palácio do Planalto para apresentar suas credenciais a Dilma. Por ordem, o primeiro deles seria o embaixador da Indonésia.
UMA VEZ cumprido o rito, o embaixador desceria a rampa do palácio, entraria no seu carro e iria embora. Não foi o que aconteceu. O ministro das Relações Exteriores do Brasil chamou o embaixador para uma conversa a sós. Comunicou que Dilma não receberia mais suas credenciais. O embaixador saiu humilhado pelos fundos. A Indonésia é quem foi humilhada na figura dele. E para quê?
SACA O ESTADO Islâmico - aqueles loucos que degolam e incineram pessoas? Dilma já recomendou que se dialogasse com eles. A Venezuela deixou de ser uma democracia. Mas Dilma faz de conta que ali ainda existe uma. Os interesses superiores do país deixaram de orientar nossa política externa. Cederam a vez à ideologia pessoal do governante da ocasião. Pobre barão do Rio Branco. Pobres de nós.
26 de setembro de 2015
Ricardo Noblat, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário