"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O MAU USO DAS ESTATAIS


O Brasil tem suportado um custo muito alto pelo uso político das estatais - quando são loteadas para acomodar companheiros e aliados e quando são desviadas de seus fins para servir, às vezes de forma desastrosa, às conveniências da política econômica. É muito raro, no entanto, grandes empresários, especialmente quando próximos do governo, apontarem o dedo para condenar esse abuso. Por isso tem particular importância o pronunciamento público do industrial Jorge Gerdau Johannpeter a respeito do assunto. Ele centrou sua crítica no conflito de interesses entre o governo, representante do controlador, o Estado, e os acionistas minoritários. Proposta do empresário: obrigar a estatal a deixar claro, quando busca recursos de investidores, se vai seguir regras de mercado ou subordinar-se aos interesses governamentais.

O problema apontado pelo empresário Gerdau, membro da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, órgão de assessoria do Planalto, é importante, de fato, mas é só um aspecto de uma distorção muito maior. A interferência do governo afetou perigosamente, em todos os casos, um universo bem mais amplo que o mercado de capitais.

O desarranjo imposto ao mercado é o mais evidente. Interesses de minoritários foram atropelados, por exemplo, quando a presidente Dilma Rousseff resolveu antecipar a renovação de concessões do setor elétrico.

Houve protestos contra a redução de tarifas e também contra a mudança no esquema de amortização dos investimentos anteriores. A compensação foi considerada insuficiente e o assunto foi discutido publicamente pelos minoritários da Eletrobrás. Mas prevaleceu o peso do governo.

Acionistas foram também prejudicados pelo controle, imposto à Petrobrás, dos preços dos combustíveis. As duas grandes estatais perderam boa parte do valor de mercado, em pouco tempo, mas as decisões das autoridades foram mantidas. A correção das tarifas de eletricidade começou neste ano. Há poucos dias, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu iniciar em breve o ajuste dos combustíveis. Mas nenhuma dessas providências anulará os estragos já causados.

Os danos mais amplos afetam toda a economia nacional. A política de preços imposta à Petrobrás distorceu, por exemplo, a relação entre os valores da gasolina e do etanol. Isso prejudicou os planos de produção e de expansão do setor sucroalcooleiro. O Brasil poderia ser um grande exportador de etanol, mas até a oferta interna de álcool foi prejudicada pela política oficial imediatista, imprudente e mistificadora.

A interferência na formação das tarifas de eletricidade e dos preços de combustíveis fracassou como política anti-inflacionária. A inflação permanece há anos muito acima de 4,5%, meta oficial, e assim permanecerá enquanto persistirem suas causas, incluída a gastança federal.

Mas o uso político das estatais envolve muito mais que a inepta mistificação dos preços. Envolve prejuízos para o fluxo de caixa das empresas e, portanto, para sua capacidade de investir. Isso limita a produtividade geral da economia e seu potencial de crescimento. As perdas vão muito além do mercado de capitais e afetam a vida e as perspectivas de todos os brasileiros.

O uso político das empresas controladas pelo Estado tem assumido formas variadas, todas perigosas. Para começar, o loteamento de cargos compromete a qualidade administrativa e multiplica as possibilidades de corrupção. A pilhagem da Petrobrás, dia a dia mais exposta à visão do público, ilustra com assustadora clareza esse ponto. Mas a interferência pode produzir danos de outras maneiras.

Forçar empresas do Estado a comprar equipamentos e componentes nacionais, mesmo quando mais caros, é impor a essas companhias custos adicionais e um desvio de finalidade. A distorção se torna especialmente grave quando esse desvio inclui a sujeição da empresa a objetivos ideológicos - por exemplo, o apoio a um governo bolivariano. A descrição dos desastres poderia avançar e incluir o uso de bancos estatais para fins políticos ou de mero companheirismo. Se quisesse, o empresário Gerdau poderia ter ido muito mais longe.


07 de outubro de 2014
Editorial O Estadão

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