A tia o presenteara com o filhote de policial que ele batizou como "Tubarão". O menino brincava de subir mais alto nas mangueiras e goiabeiras. Lá de cima ele viu a cobra verde movendo-se na grama em direção ao cachorro. Gritou então:
https://www.youtube.com/watch?v=OQpBQSOOups&feature=player_embedded
- Corre Tubarão! - acenando com a mão e perdendo o equilíbrio para a queda de uns dois ou três metros.
Zefinha, que catava feijão, ouviu o grito, olhou e viu a queda. Gritou alertando aos outros - "Julinho caiu da mangueira, socorro gente!" e saiu na carreira para acudir. Ele nem notou a queda. O braço doía muito e estava torto. Percebeu e assustado, gemeu - "Quebrou!!" - quando Zefinha chegou consolando.
Tubarão nem notou a cobra. Estava a salvo e continuava rosnando, agitado, pulando em volta de um garrancho, logo ali, feliz como um filhote de bem com a vida, sem ligar pra mais nada.
- Pode andar?
- Posso...
-Então levante... Eu ajudo.
A mãe, o pai, a tia estavam chegando e ele resolveu que não ia chorar. Que era um homem aos nove anos e podia aguentar a dor do braço quebrado. Contou da cobra verde... Tubarão... E tudo girou, ficou escuro quando o pai o abraçou para que o tio, puxando o braço quebrado, pusesse o osso no lugar, para imobilizar com uma tala de madeira e ataduras.
Lembrava aqueles dias enquanto ouvia as bombas, tiros e gritos, sirenes lá embaixo, na praça. Dali podia observar quase tudo, como se estivesse no alto de uma mangueira, sem entender ainda por que a gente sempre estava brigando, dizendo ser em defesa do Brasil.
Parecia brincadeira: contara até a entrada daquela
"presidenta", a mais incompetente e enrolada dos 13 presidentes que haviam dirigido a nação desde o "armistício" da II Guerra, isto é, se o dicionário não estiver errado, "suspensão da briga, sem por fim à guerra". A guerra continuava, picada, espalhada pelo mundo. Um dos milhares de atos estava ali, diante do seu nariz que sentia do fedor da pólvora e gazes.
"presidenta", a mais incompetente e enrolada dos 13 presidentes que haviam dirigido a nação desde o "armistício" da II Guerra, isto é, se o dicionário não estiver errado, "suspensão da briga, sem por fim à guerra". A guerra continuava, picada, espalhada pelo mundo. Um dos milhares de atos estava ali, diante do seu nariz que sentia do fedor da pólvora e gazes.
Era patético ver, ouvir, ler as declarações daquela senhora, que aparecia na televisão apertando a mão de um trabalhador e logo a seguir limpando a mão (do suor? do pó ou da fuligem? com nojo da aspereza, dos calos?) - daqueles que estavam na "linha de frente da batalha produtiva..."
Um discurso partido, ôco, sem sentido, sem casar com a realidade, brutalizando as leis e ignorando o senso de justiça comum às gentes... Um discurso que parecia coisa de pessoa em estado alterado de consciência... A droga era o Poder, prestígio, grana, roupas e jóias, carros e avião, segurança, viagens internacionais... Vaidade própria dos pobres de espírito.
O mundo aquele da infância estava bem ali na sua cabeça, como um filme ou uma lição distante, amorosa. Era o mesminho. Mas agora representado de forma caótica, longe dos ritmos naturais, longe dos sabores e cheiros agradáveis, diferentes do cheiro de pólvora e gazes. Um mundo onde os gritos, as sirenes e os tiros haviam substituído os murmúrios do vento, dos grilos, das cigarras.
Um mundo onde as palavras haviam perdido o sentido. A fé estava dividida. O dever, o respeito e o mérito sumidos... Passou as mãos nos cabelos brancos e pensou que não sairia à rua naquele dia. Era preferível ouvir um pouco de música para alinhar os pensamentos com o sublime, o transcendental, enquanto ainda era possível.
Buscou o cd. Ligou o aparelho. Sentou-se relaxado tomando um tempo para si mesmo e deixou-se embalar pelos acordes que possivelmente poderiam ser proibidos dali a alguns dias, como já proibiam a manifestação de pensamentos contrários ao pensamento coletivista.
https://www.youtube.com/watch?v=OQpBQSOOups&feature=player_embedded
Quando ouviu as palmas, enxugou as lágrimas. Cochilou...
31 de julho de 2014
visão panorâmica
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