"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

FRASES CRETINAS

O mundo está cheio de frases cretinas. Inteligentemente formuladas, mas cretinas. Vou comentar algumas delas. A primeira, já a comentei em 2000. Volto ao assunto: Que és tu para contestar autoridades que já pensaram o mundo?

Este é argumento mais safado usado pelos crentes – em Deus ou em qualquer outra superstição – para dissuadir um jovem que tem dúvidas. Como ilustres sumidades é o que não falta para proferir bobagens ao longo da história, eles sempre encontram nomes de prestígio para citar.

A Igreja foi buscar-me ainda no campo. Uma catequista uruguaia apanhava-me em um jipe na Linha Divisória entre Livramento e Dom Pedrito para jogar-me nas aulas de catecismo.

Na cidade, fui estudar em colégio católico, dirigido por padres oblatos. A eles agradeço minha iniciação em latim, francês e inglês. E só. Para desgraça de meus catequistas, muito cedo comecei a ler a Bíblia. Como não há fé em Deus que resista a uma leitura atenta da Bíblia, minhas dúvidas começaram a inquietar os oblatos. Um sacerdote de Bagé, franzino e inquisitorial, veio às pressas para tentar trazer o herege em potencial de volta ao rebanho.

Discutimos um dia todo, com várias jarras de água e um almoço de permeio. A cada preceito de fé que eu contestava, o padre Fermino Dalcin me jogava no rosto a acusação: "Arrogância. Orgulho intelectual. Quem és tu para contestar, aqui em Dom Pedrito, o que autoridades decidiram em Roma?"

Era um argumento pesado para um piá de uns quinze anos. Eu só tinha como defesa descrer do que não conseguia entender. Mas resisti e consegui, ainda adolescente, libertar-me do deus judaico-cristão. Sou um ser dotado de pensamento lógico.

Por mais que padre Fermino citasse São Tomás ou Santo Agostinho, não me afastava um milímetro de minha posição. Do alto de minha razão, eu enfrentava o Torquemada de Bagé. Há pensadores que ganharam renome na história e até hoje fazem escola proferindo sandices. Por mais espaço que ocupem nas enciclopédias, a mim nada dizem. Essas pergunta – quem é você? – é uma das mais perversas que conheço. Se o interlocutor não tem muita segurança, o vigarista ganha a parada.

Uma outra frase, não menos safada, é esta: ninguém é ateu no leito da morte. Comentei-a há alguns meses. Pior é quando é proferida por um médico. Como médico lida com morte, seu ofício parece dar-lhe mais autoridade.

Eu não conheço ateu no leito de morte – disse um cardiologista gaúcho, o dr. Lucchese, em um debate televisivo em Porto Alegre. O médico é um autor de livros de auto-ajuda que viraram best-sellers, com mais de meio milhão de exemplares vendidos. O que, para mim, já depõe contra o dr. Lucchese. Best-sellers são livros elaborados conforme os baixos instintos do grande público. Mas deixo de lado a fortuna literária do doutor e me atenho à sua afirmação.

Pretende o doutor que, na hora da morte, até ateus passem a crer em Deus. É o que deduzo de sua afirmação. Vou traduzir o crer em Deus por crer em uma vida após a morte. Pois para quem morre, o que interessa não é Deus, e sim a transcendência que sua existência implica.

Dr. Lucchese, antes de ser médico, revelou-se um católico fanático. (Pelo que sei, agora anda namorando os evangélicos televisivos). Daqueles que não admitem que alguém possa viver bem – e morrer bem – sem acreditar em deus. Mais ainda, sem esperar nada no Além. Se alguém vive bem e morre sem pedir água, toda a fé do Dr. Lucchese é vã. Ele precisa justificar sua muleta e então diz uma bobagem dessas.

Esta afirmação tem algo de ofensivo. No fundo, o médico está afirmando que todo ateu é um covarde, que na hora do vamos ver apela a Deus. Não é bem assim. Isso é coisa de religioso que não acredita – nem admite – que alguém possa viver bem sem esperanças de vida além da morte.

Não, Dr. Lucchese, nós ateus não temos razão alguma para almejar vida eterna. Uma só vida já está de bom tamanho. Nos leitos de suas cirurgias, o dr. terá encontrado simulacros de ateu, que sequer sabem o que seja descrer. Ateu que se preza não pede quartel.

Já vivi situações próxima da morte e nem pensei no tal de Deus. Pensei, isto sim, nos amigos e amigas que tive e tenho, e nos bons momentos que passamos juntos. Quando minha mulher morreu, nem eu nem ela pensamos em tais bobagens. Aliás, exigi a retirada de um Cristo obsceno que dominava a capela mortuária.

Outra variante também safada da frase do médico é esta: ninguém é ateu quando o avião está caindo. Já vivi também tal situação – não que o avião estivesse caindo, mas eu pensava que estava – e tampouco em momento algum pensei no tal de criador de todas as coisas. Apenas apertei a mão de minha mulher e fiquei à espera do pior. Ou talvez do melhor, nunca se sabe o que vem pela frente.

Na esteira das frases cretinas sobre aviões, uma outra se sobressai. É quando, em caso de acidente, um sobrevivente diz: graças ao bom Deus, me salvei. Sorte a sua, companheiro. Mas que tinha seu bom Deus contra os que morreram?

Adelante! Esta ouvi de um companheiro de bar: não deves estar à frente de tua época. Era marqueteiro et pour cause. Não é bom que um marqueteiro esteja à frente de sua época. Se estiver, não será entendido pelos seus conterrâneos e perderá clientes. De minha parte, sempre procurei ler os autores que pensaram à frente de seus coetâneos. A meu modo, sempre estive à frente dos meus. Quando estava em moda ser comunista, eu há muito criticava os comunistas. Fui católico, é verdade. Mas isto foi um acidente de percurso, do qual eu não estava imune, e do qual libertei-me tão logo comecei a ler a Bíblia.

É frase que concorre forte ao Nobel das frases idiotas. Claro que este companheiro de boteco não esquentou muito banco em minha mesa. Esta assertiva é a mais cabal negação de todo avanço na história, na ciência e no conhecimento. Não fossem os homens que pensaram adiante de sua época, viveríamos ainda na Idade Média.

Para concluir, esta outra, safadérrima: o hábito de perguntar por quê arruinou o mundo. É de autoria do padre Padre Pio de Pietrelcina, sacerdote católico italiano, elevado a santo pela Igreja Católica e objeto de particular veneração do Aiatolavo de Carvalho, outro ao qual deve incomodar muito o hábito de perguntar por quê.

Era malandro desde pequeno, quando se tornou amigo do seu anjo da guarda, a quem recorria muitas vezes para auxiliá-lo no seu trajeto nos caminhos do Evangelho. E eu que não sabia que até os anjinhos da guarda conheciam os Evangelhos. Vai ver que tinham aulas de catecismo nas alturas. Conta a história que ele recomendava muitas vezes as pessoas a recorrerem ao seu anjo da guarda, estreitando assim a intimidade dos fiéis para com aquele que viria a ser o primeiro sacerdote da história da igreja a receber os estigmas do Cristo do Calvário.

Aos 23 anos teve seu primeiro estigma, tinha o dom da bilocação e era muito milagreiro. Já que falei em aviões, relato um de seus milagres. O personagem é um piloto americano de bombardeiro durante a Segunda Guerra e devoto do padre Pio, que o salvou nos ares.

"O avião estava voando para o aeroporto onde ia pousar depois de descarregar suas bombas. Mas o avião foi danificado por um avião de caça japonês. "O avião" - disse o filho - explodiu antes que a tripulação tivesse a chance de saltar com o pára-quedas. Eu só tive sucesso saindo do avião. Eu não sei como eu fiz. Eu tentei abrir o pára-quedas, mas eu não tive sucesso fazendo isto.

Então eu teria me esmagado no chão se eu não tivesse recebido a ajuda de um frade que me apareceu no ar. Ele tinha uma barba branca, ele me levou em seus braços e me colocou suavemente no aeroporto. Você imagina, que tipo de surpresa eu tive, isto retirou minha fala.

Ninguém acreditava em mim, mas por causa de minha presença todo mundo teve que acreditar. Eu reconheci o frade que salvou minha vida quando, depois de alguns dias me deram licença e eu fui para casa. Eu vi o monge nas fotografias de minha mãe. Ela me falou que tinha pedido para Padre Pio que cuidasse de mim".

Quanto à tripulação, que se lixe. Não eram devotos do santo padre. Explodiram com o avião. Este é o paradoxo de todos os milagres aéreos. Por que? Ora, padre Pio detesta esta perguntinha.

Era homem que sabia do que falava. Nesta pergunta reside a origem de todas as heresias e a libertação do homem de dogmas absurdos. Todo religioso a detesta.

Se o leitor conhece outras perguntinhas deste teor, favor enviar para minha coleção.



12 de junho de 2014
janer cristaldo

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