Nós, Lupulinas, nos interessamos e lemos sobre cerveja artesanal há quase quinze anos. Quando estávamos no meio deste processo, um cara que escrevia sobre artesanais nos chamou a atenção com seu blog e seu bar. O nome dele é Edu Passarelli que mantém o blog Edu Recomenda e também abriu bares bem legais neste tempo. Atualmente ele é sócio na filial do restaurante e bar Aconchego Carioca aqui em São Paulo, famoso por sua carta de cervejas e sua cozinha com receitas brasileiríssimas e originais. Afinal, um bolinho de feijoada é um bolinho de feijoada \o/ No papo com Edu falamos sobre as cervejas e o Aconchego e que bom! Edu continua um bom papo e um cara que entende do negócio.
Edu: em 1998 eu abri uma pizzaria na Vila Madalena, chamada Giotto. Nessa época, como todo bom brasileiro, eu me achava um conhecedor de cervejas, tipo “a Brahma de Agudos é melhor que a de não sei onde, a Skol em lata é melhor que em garrafa”, essas balelas que hoje a gente sabe que são tudo lenda urbana. Aí chegou a Erdinger no Brasil e um bar do outro lado da rua da pizzaria começou a vender Erdinger e chopp da Universitária, que era de Campinas. Aí eu fui lá, provei e achei tudo diferente.
Lupulinas: você nunca havia bebido importadas?
Edu: sim já, mas vinha muita importada em lata pro Brasil, tudo pilsen. Era mais para colecionadores do que para apreciar. Talvez eu nunca tivesse bebido uma cerveja prestando atenção nela. Eu ia ainda naquele conceito, que muita gente até hoje tem, que cerveja quando foge do estilo pilsen (ou pseudo pilsen como tem aí no mercado) é ruim. Aí fui percebendo que cervejas poderiam ter vários aromas, sabores, rituais de serviço e então comecei a pesquisar, comprei livros, guias de cervejas, comecei a marcar “essa eu tomei, essa outra eu quero experimentar”. Quando os amigos iam viajar, eu pegava meu livrinho e pedia “opa, se achar, traz essa cerveja pra mim”, e quando viajava ia visitar cervejarias e bares para conhecer.
Lupulinas: você então começou como autodidata?
Edu: sim, experimentar cervejas foi um hobby meu durante um tempão. Mas em 2002 eu vendi a pizzaria e fui estudar gastronomia com o intuito de empreender de novo (minha formação é de administração). Estudei gastronomia não para ser chef de cozinha, mas para conhecer melhor o funcionamento da coisa. Como eu já gostava de cerveja, comecei a falar de cerveja na faculdade e dessa história de harmonizar cerveja com gastronomia. Aproveitando que era um assunto novo e pouco se falava sobre o assunto no Brasil acabei fazendo meu TCC sobre o tema. Depois fiz uma pós-graduação de gestão de serviços de alimentação e ali fiz um projeto de um bar harmonizando cervejas e gastronomia, que viria a ser o meu próximo empreendimento, o bar Melograno.
Lupulinas: nessa época que você começou a fazer o blog Edu Recomenda?
Edu: o projeto do Melograno estava guardado e em 2005 comecei a escrever o blog, que ajudou a me projetar. Começaram a surgir convites, fui chamado pra ser jurado do primeiro concurso da Acerva carioca, no final de 2006. Foi engraçado, porque eu pensei “puxa, tomar cerveja caseira, vou levar engov, sal de frutas, porque isso deve ser terrível”, mas quando eu encontrei a galera e fui provando as cervejas, percebi que elas eram boas e resolvi me dedicar um pouquinho mais, fiz um curso de sommelier de cerveja do Senac. Como havia só uns quatro blogs de cerveja naquela época, eu fui me destacando cada vez mais. Eu era convidado para dar palestras e fui escrever na revista Prazeres da Mesa.
Lupulinas: eram poucos os espaços para se falar de cervejas artesanais, né?
Edu: sim. Era um mercado de nicho (hoje ainda é, mas maior) e, por exemplo, numa palestra para empresas, eu levava umas cervejas mais “diferentes” e as pessoas não gostavam. As pessoas nunca tinham visto aquilo. Hoje em dia, por exemplo, você chega numa palestra e fala da Colorado, todo mundo conhece.
Lupulinas: e como foi a volta aos empreendimentos gastronômicos?
Edu: chegou um ponto em que eu decidi que precisava voltar, fui atrás de amigos que quisessem investir e, em 2008, tirei o projeto do papel e abri o Melograno na Vila Madalena. Eu fiz todo o cardápio e aproveitei minha experiência da pizzaria pra fazer uma forneria, onde eu poderia ousar um pouco mais nos ingredientes e brincar com essa história de harmonização com cervejas, o que não fugia muito do meu domínio.
Lupulinas: o Melograno foi dos primeiros bar/restaurante com cervejas artesanais em São Paulo?
Edu: sim. Existia só o Frangó, e eu tive que aprender na marra a lidar com o mercado e o começo do Melograno foi bem difícil por causa disso. As pessoas entravam, se sentavam, pediam a carta de cervejas, viam aquele monte de rótulos e perguntavam “não tem cerveja normal?”. A vontade era dizer “essas é que são as cervejas normais!” (risos). Mas depois que ganhamos o prêmio da Veja de melhor carta de cervejas de São Paulo, o mercado e o público começaram a prestar atenção na gente e o Melograno começou a andar. Começamos a atrair um público que não é de beergeek, mas aquele que gosta de apreciar e experimentar novas cervejas.
Lupulinas: quais as dificuldades para manter uma boa carta de cervejas? Como é a negociação com produtores, distribuidores e importadores?
Edu: então, aqui no Aconchego Carioca SP temos uma carta com 150, 160 cervejas e trabalho para termos pelo menos 90% delas disponíveis sempre. Ainda é um mercado difícil para os importadores porque algumas vezes a carga fica parada no porto, por causa da burocracia e etc. Eu costumo dizer que, para ter quantidade de rótulos, basta ter dinheiro, porque é só procurar no Google que você acha todos os fornecedores, vai lá e compra. Mas para ter uma boa carta de cervejas, você tem que ter seleção de produtos, uma seleção adequada ao conceito do bar/restaurante. Se eu quero ter uma mega loja de cervejas a seleção é uma, se eu quero ter um restaurante de vinte lugares é outra, e por aí vai. Outra coisa importante: você tem que ter um serviço adequado, o que não é fácil, você tem que ter giro desses produtos (já que a maioria das cervejas é boa quando fresca), e você tem que ganhar dinheiro com isso. Então precisa saber como manter estoque, calcular o giro, saber a hora certa de comprar e vender, as margens corretas de lucro para trabalhar cada produto, saber quando fazer uma promoção, etc. Inclusive, o curso que dou na GV sobre Negócios da Cerveja envolve todas essas questões.
Lupulinas: quantos prêmios você já ganhou com suas cartas de cerveja?
Edu: entre o Melograno e o Aconchego Carioca SP eu já ganhei 6 prêmios de melhor carta de cerveja.
Lupulinas: então vamos falar do Aconchego. Você falou tanto em conceito… Qual o conceito do Aconchego?
Edu: a nossa missão é trazer pra São Paulo aquele conceito do Aconchego Carioca original, do Rio de Janeiro, o do botequim. O botequim tem muito a presença do dono, é um lugar que tem alma ou aonde vai se criando a alma.
Lupulinas: os sócios são você, o André (Clemente) e a Kátia (Barbosa) no Aconchego/SP?
Edu: sim. A Kátia já era minha amiga há um tempão. Eu a conheci quando o pessoal da Acerva levou os jurados para comer no Aconchego Carioca/RJ. Aí minha esposa, Carol, tava numa mesa separada e ficou me chamando “amor, amor” e eu não ouvia. Foi quando a Kátia chegou nela e perguntou “quem é que você tá chamando, como é o nome dele?”. Minha esposa respondeu “Edu”. E a Katia então disse “deixa que eu vou te ensinar como faz” e berrou “Porra, Edu!”. Aí eu olhei pra elas e a Kátia mandou “Vagabundo a gente trata assim” (risos). Depois disso, ela ficou muito amiga da Carol e nós acabamos criando uma amizade bem grande. Depois de um tempo que eu saí do Melograno, encontrei a Kátia no Aconchego/RJ pra beber e conversar e ela disse que tava interessada em abrir um Aconchego em SP. Aí, fechou. A gente chamou o André, que já conhecia bastante sobre cerveja, escrevia sobre cervejas na Prazeres da Mesa e na Gula e sentamos para planejar o Aconchego Carioca SP. Nosso trabalho era trazer toda a alma do Aconchego/RJ para o Aconchego/SP. A primeira coisa que a gente decidiu é que não teria arquiteto, pra não ficar muito “arrumadinho” e colocamos alguns elementos que caracterizavam o Aconchego/RJ, como as redes no teto. Mas principalmente, a cozinha da Kátia. Hoje, o Aconchego/SP já está com esse jeito de boteco, do cliente que sempre volta,que chama o garçom pelo nome e o garçom já sabe o que o cliente bebe. Isso que faz a alma do boteco.
Lupulinas: nossos leitores vivem perguntando por que a cerveja artesanal brasileira é cara. O preço delas vai baixar?
Edu: Eu acho que o preço hoje em dia já está melhorando, mas não vejo como a cerveja artesanal brasileira poderá ficar mais barata que a importada. A cerveja artesanal brasileira pode até baratear, mas a importada vai baratear junto. As cervejarias artesanais brasileiras não têm nenhum tipo de incentivo, salvo algumas ações em outros estados como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina que nos últimos anos reduziram o ICMS para as pequenas cervejarias. Mas se a gente for comparar com Estados Unidos, lá uma artesanal custa o triplo de uma Budweiser, por exemplo. E se a gente for a um supermercado no Brasil, a gente encontra uma Way a 7 reais e uma Heinekken a 2,50. É mais ou menos a mesma proporção.
Falamos só com o Edu desta vez, mas o Aconchego é a perfeita fusão entre os três sócios. Dia desses as Lupulinas entrevistarão também André Clemente e Katita Barbosa, a prosa mais carioca e uma das cozinhas mais gostosas deste nosso imenso Brasil. Ah! O prato executivo servido no almoço de todos os dias é imperdível.
10 de maio de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário