David Brooks é o colunista cultural do New York Times. Neste último dia 8, ele escreveu uma profunda e corajosa crônica intitulada What Suffering Does? ("os desdobramentos do sofrimento" numa tradução livre e, por isso mesmo, precisa).
Eu sou fascinado pelo modo direto usado pelos americanos para falar de assuntos complexos como a felicidade, o amor e o sofrimento. Ao contrário da pose brasileira em que o sujeito pensa que escrever complicado é sinônimo de competência, David Brooks inicia sua meditação invocando a dimensão fundamentalmente otimista da vida americana: a maximização da felicidade individual como uma busca possível e alcançável. Felicidade, aliás, que faz parte do credo constitucional americano, distinguindo a modernidade estadunidense de todas as outras pelo seu otimismo e busca de conforto amparado pela tecnologia, como percebeu Tocqueville.
Ter a coragem de discutir o sofrimento levou-me ao que os antropólogos chamam de "American way of life". Uma representação coletiva na qual se acreditava que tudo poderia ser resolvido com bom senso e a honestidade seria - imaginem - o melhor negócio! Nela, o comum seria ser feliz. Sofrer, um acidente. Vale observar como o sofrimento se relaciona à perda de autonomia individual nas sociedades individualistas; e a solidão que individualiza representa o sofrer no caso das sociedades de compadrio ou relacionais, como a brasileira. Num caso, descobre-se a dependência do objeto amoroso perdido noutro, o isolamento revelador de solidão e abandono.
O problema do cronista americano não é o perene e comovente "por que sofremos?" - questão que leva aos templos e a uma transcendência comparativa quase sempre pueril de achar que existe mesmo alguém que jamais sofreu quando, basta chegar perto do sujeito mais feliz, para logo descobri-lo como um irmão em ansiedade e amargura.
Por outro lado, o texto de Brooks não é evolucionista, mas estruturalista. Ele não quer saber das origens nem cogita uma era utópica e salvadora, sem sofrimento. O que ele faz é discutir os desdobramentos do inevitável e constitutivo ato de sofrer.
Não há, diz Brooks, a menor possibilidade de esperar somente a felicidade, porque em toda recordação nenhum de nós fala somente da felicidade. As perdas e o sofrimento se misturam às memórias felizes. "As pessoas buscam a felicidade - diz -, mas sentem que são feitas por meio do sofrimento."
Para quem pensa que o jornal está apenas em busca do escândalo, eis um cronista maior mostrando como o rotineiro periódico ajuda a encontrar informação e sabedoria. O sofrimento tem, sem dúvida, um lado destrutivo a ser evitado, mas ele é um formidável instrumento de empatia e de marginalidade positiva.
Tirando-nos da inconsciência das boas rotinas, quando não tínhamos tempo ou motivo para "pensar na vida" como falamos no Brasil, o sofrimento nos põe cara a cara com a honestidade, a coragem, a pusilanimidade e a aceitação. A aceitação de que tudo cabe dentro de nós como um passo decisivo para reagir contra uma doença ou uma perda não apenas dolorosa, mas irreparável.
O sofrimento não permite evasões. Ele limita brutalmente as nossas ilusões de autonomia e de liberdade. Ele também é exclusivo e desequilibrado, pois não há quem não considere sofrer mais do que julgava cabível ou justo. Ademais, não há cura. Há um englobamento e um duro canibalismo - aceitação é o seu nome.
Numa conferida sobre a poesia de Camões, proferida no Colégio Vassar no dia 21 de abril de 1909, Joaquim Nabuco relaciona amor e saudade. Essa, diz, seria a palavra mais bela de nossa língua e, como um antecipador de David Brooks, remarca que para traduzir saudade em inglês, seria preciso falar em lembrança, luto, desejo e amor; essas moedas do sofrimento. Nos Estados Unidos dos individualismos e de uma inabalável crença na tecnologia e no progresso, insinua-se o cronista para advertir que a felicidade proposta pelo "American way of life" é possível, mas que uma existência sem sofrimento é impossível.
Entre nós brasileiros - relacionais e certos de que felicidade não é a regra dos nossos destinos - é a saudade "polida pelas lágrimas", como assinala Nabuco, que permite a reconciliação com o sofrimento. É ela que pacientemente realiza o trabalho de transformar a solidão da dor, do sofrimento, da mágoa, do ressentimento, e da desesperança em saudade!
Túmulo abençoado, leito amoroso e oficina da vida, a saudade é a palavra mágica que reconcilia o interior fantasioso e agitado de cada um de nós, com a realidade imprevista e dura do mundo.
19 de abril de 2014
Roberto Damatta - O Estado de S.Paulo
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