O represamento de preços funcionou como um bumerangue, e os mercados têm posto em dúvida a capacidade de o governo controlar as finanças públicas
Turbinada pela alta dos preços dos alimentos, a inflação para o consumidor, medida pelo IPCA, continua se aproximando do teto da meta fixada pelo governo. Os analistas do mercado financeiro já trabalham com a hipótese de a inflação acumulada em doze meses ultrapassar, de maio a julho, o patamar de 6,5%, pois, em igual período do ano passado, os índices foram mais bem comportados, e dificilmente, em 2014, devido, inclusive, a essa pressão dos alimentos, ficarão abaixo dos percentuais registrados em 2013.
A inflação não teve ainda forte impacto negativo sobre os níveis de emprego, mas a IBGE detecta em suas últimas pesquisas uma queda no ritmo de aumento dos rendimentos médios das pessoas ocupadas.
É um risco, para o próprio governo, tentar empurrar esse quadro com a barriga até depois das eleições gerais de outubro. A disputa política tende a deixar os mercados mais ansiosos, pela expectativa de mudanças na política econômica, dificultando o já complexo controle da inflação.
O Banco Central tem elevado as taxas básicas de juros, mas os equívocos cometidos anteriormente na política econômica causaram tamanho desgaste que o aperto monetário não foi até agora suficiente para neutralizar as expectativas pessimistas quanto à trajetória futura da inflação. Pesquisas de opinião revelam que o pessimismo contaminou empresários e consumidores, sem distinção. O represamento de preços importantes (combustíveis, energia elétrica) funcionou como um bumerangue. Os agentes econômicos percebem que um ajuste será inevitável, o que equivale a uma bomba relógio sem data precisa para detonar.
No passado, o câmbio serviu como anteparo a pressões inflacionárias: quando os produtos encareciam no mercado doméstico, a importação de bens se tornava mais atraente, estimulando a concorrência. Mas hoje uma apreciação expressiva do real seria impensável, porque o país já acumula um déficit acentuado com o exterior no conjunto transações que envolvem mercadorias e serviços. E não há mais capitais de sobra e dispostos a financiar um déficit crescente. Assim, no médio prazo, o real está mais propenso à depreciação do que a uma valorização.
Sem esses fatores que contribuíram para segurar a inflação, o governo terá de dar muitas provas de que será capaz de pôr em ordem as finanças públicas.
Os mercados têm duvidado desse esforço. A recuperação de credibilidade — e esse desafio é ainda maior em um período pré-eleitoral — é decisiva para que o governo consiga domar novamente a inflação, que por décadas causou terríveis danos à economia brasileira, e cujos efeitos deixaram o Brasil em situação de desvantagem por longo tempo em um mundo globalizado.
19 de abril de 2014
Editorial O Globo
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