"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

OLYMPIO MOURÃO FILHO, UM LOBO E SEUS DEMÔNIOS

 

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A conspiração era dele, o golpe foi dele, sem ele tudo estaria perdido ─ a democracia, os generais “que fazem crochet”, a massa ignara, o Brasil. O general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, em Minas Gerais, achava que tinha arriscado tudo para fazer a revolução. Acabou ficando sem nada, exceto o elevado conceito que fazia de si mesmo e o desprezo ferino por praticamente todos os demais, inclusive companheiros de farda.

Anotou em seu diário no dia 31 de março, terça-feira, às 3h15 da manhã: “Vou partir agora para a luta às cinco horas da manhã, dentro de uma hora e cinquenta minutos, em más condições, portanto, porque serei obrigado a parar no meio do caminho e o Exército inteiro vem contra mim, como aconteceu em São Paulo em 1932. Ninguém me prenderá. Morrerei lutando”. Não morreu e, a rigor, não lutou, mas foi indubitavelmente o pioneiro da rebelião militar lançada de Minas Gerais que, desfechada em atmosfera duvidosa, chegou ao Rio de Janeiro quando a vitória já estava decidida.

No caminho, um telefonema havia mudado tudo. O inimigo que Mourão esperava encontrar era o destacamento avançado do conhecido Regimento Sampaio, sob o comando do coronel Raimundo Ferreira de Souza. Como uma espécie de conspirador sênior (e controlador do espeloteado comandante), o venerando marechal Odílio Denys acompanhava a movimentação de Mourão e foi ele o indicado a falar como o chefe das forças teoricamente adversárias pelo telefone de uma oficina mecânica: conhecia o coronel, que havia sido seu subordinado. “Estou com a tropa e com mineiros para depor o governo e acabar com a ameaça do comunismo”, informou. No fim da conversa, o coronel Ferreira de Souza já tinha mudado de lado: “Eu e toda a minha tropa nos solidarizamos com o movimento revolucionário”.

Enquanto Mourão se imaginava um César triunfante, outros generais mais estrelados se movimentavam nos diversos focos de conspiração. Dois dias depois de sair de Minas contando com a morte, ele chegou ao quartel-general do Exército no Rio, também de madrugada, já antevendo que seria passado para trás. O general Arthur da Costa e Silva havia assumido o comando do Exército e queria outro nome para a posição que Mourão considerava sua de direito, a chefia do I Exército. Mourão foi ao 6º andar, mandou um coronel acordar Costa e Silva, ouviu e acatou a decisão de ter outro no lugar que desejava. “Aí começou a desgraça do Brasil. Eu tirara a nação de um abismo e empurrara-a para outro. Se eu conhecesse o general Costa e Silva como hoje, o teria expulsado do Quartel-General”, escreveu em suas memórias, entregues no leito de morte ao historiador Hélio Silva, que o considerava um homem “bom, sofredor, pitoresco, capaz de assomos de cólera”.

O temperamento explode em praticamente todas as páginas de suas memórias. Proclamando para si mesmo a “articulação, o desencadeamento e a vitória” da revolução, escreveu: “Porque a verdade é que alguns demônios andaram soltos neste país, enquanto a maioria desta nação estava entocada, apavorada, os chefes militares prontos a se deixarem dominar, contanto que continuassem a viver, viver de qualquer maneira, sem coragem de arriscar as carreiras”. Ele considerava ter tido os olhos abertos para esses “demônios” num jantar em 1961 em que Leonel Brizola, na época governador, e outro general de sua confiança falaram livremente sobre seus planos políticos. “Fui para casa dormir, absolutamente disposto a começar uma contra-conspiração para impedir que uns loucos furiosos transformassem este país numa fogueira.”

Mourão não fez outra coisa, cultivando a reputação de lobo solitário ─ alguns achavam que um bobo solitário, que falava demais, agia com impulsividade e cultivava o próprio ego a ponto de denominar de Operação Popeye os planos para sair de Juiz de Fora e, em marcha forçada, chegar ao Rio a tempo de “prender no Palácio Laranjeiras o presidente, o comandante do I Exército e quantas autoridades mais fosse possível”. Por que Popeye? Porque ele fumava cachimbo. “Manobra de louco? Não importa. Era minha manobra”, disse sobre a operação que nunca executou. Em sua própria e famosa definição, “em matéria de política eu sou uma vaca fardada. Se de acordo com minha consciência estou certo, os outros que me sigam”. Tantos o seguiram. Depois, muitos o abandonaram.

04 de abril de 2014
Especial VEJA
Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.

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