Vivemos um tempo em que o fantasma do apagão assombra o já inseguro, pouco competitivo e bamboleante setor industrial brasileiro. Pouco a pouco, esse fantasma começa também a assustar os incautos cidadãos comuns do nosso país.
Por um lado, o Brasil possui uma das matrizes elétricas consideradas uma das mais limpas do mundo. Entre 80% e 90% da nossa geração elétrica vêm de fontes renováveis. Segundo o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil — da Agência Nacional de Águas — o país tem cerca de mil empreendimentos hidrelétricos, sendo que mais de 400 deles são pequenas centrais hidrelétricas.
Por outro lado, se olharmos nossa matriz energética como um todo, veremos que estamos muito longe de sermos exemplo na área de energias limpas.
Mais de 52% da energia que move o Brasil vêm do petróleo e seus derivados, empurrando a energia hidrelétrica para um modesto terceiro lugar, com apenas 13% do total, ficando também atrás da energia gerada através da cana (álcool + biomassa, com 19,3%).
Se você vivia no país antes de 2007, deve ter lido ou ouvido falar que o Estado brasileiro estava investindo pesadamente em biocombustíveis e em fontes energéticas renováveis e limpas. Pelo discurso oficial, o Brasil se tornaria a potência energética limpa do terceiro milênio e um país exportador dessas tecnologias.
Mas, em 2007, Deus — talvez por ser brasileiro — resolveu dar uma mãozinha e nos deu de presente o pré-sal, rapidamente vendido (sem trocadilhos) como a redenção de todos os nossos problemas. O que se viu a partir daí foi uma verdadeira batalha política entre os estados “com pré-sal” e os estados “sem pré-sal” pelos royalties do tesouro recém-descoberto.
A face menos perceptível desse fenômeno foi que, como mágica, sumiram os projetos de desenvolvimento tecnológico e de inovação para aprimoramento e popularização de fontes energéticas limpas.
Usinas de biocombustíveis passaram a não ser mais prioridade. Muitas fecharam antes mesmo de entrar em funcionamento. A capacidade instalada para a geração de energia eólica no país mal chega a 1% da geração hidrelétrica e a capacidade de geração de energia solar é virtualmente zero.
O fato é que parece que todo o discurso de sustentabilidade, de geração de energia limpa, de produção de biocombustíveis, era apenas e tão somente discurso — desses com aquela “robustez e credibilidade” que acompanham todo e qualquer discurso eleitoral.
Para complicar mais a coisa, São Pedro deve ter recebido ordens superiores para fechar as torneiras dos céus. Talvez porque, como somos agora um país riquíssimo em petróleo, precisemos usar essa nossa nova riqueza. Com isso, as caríssimas e poluidoras termelétricas (movidas principalmente a gás, mas também a carvão) precisaram ser acionadas e não há evidências de que poderemos abrir mão delas num futuro próximo.
É muito triste constatar que vivemos em um país de discursos, sem nenhum planejamento estratégico para a área de energia e, pior, que o Brasil fez uma clara opção pelo caminho da poluição e da ineficiência energética.
Quanto ao fantasma do apagão, justiça seja feita, o Estado brasileiro tem feito sua parte para espantá-lo definitivamente. Mas, como não há planejamento, faz isso como pode, rezando todos os dias — e com muita fé — para que São Pedro mande o único antídoto que pode, de fato, impedir que esse espectro da falta de planejamento provoque um colapso energético no país: a chuva.
28 de março de 2014
Roberto Borghetti e Antônio Ostrensky, O Globo
Por um lado, o Brasil possui uma das matrizes elétricas consideradas uma das mais limpas do mundo. Entre 80% e 90% da nossa geração elétrica vêm de fontes renováveis. Segundo o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil — da Agência Nacional de Águas — o país tem cerca de mil empreendimentos hidrelétricos, sendo que mais de 400 deles são pequenas centrais hidrelétricas.
Por outro lado, se olharmos nossa matriz energética como um todo, veremos que estamos muito longe de sermos exemplo na área de energias limpas.
Mais de 52% da energia que move o Brasil vêm do petróleo e seus derivados, empurrando a energia hidrelétrica para um modesto terceiro lugar, com apenas 13% do total, ficando também atrás da energia gerada através da cana (álcool + biomassa, com 19,3%).
Se você vivia no país antes de 2007, deve ter lido ou ouvido falar que o Estado brasileiro estava investindo pesadamente em biocombustíveis e em fontes energéticas renováveis e limpas. Pelo discurso oficial, o Brasil se tornaria a potência energética limpa do terceiro milênio e um país exportador dessas tecnologias.
Mas, em 2007, Deus — talvez por ser brasileiro — resolveu dar uma mãozinha e nos deu de presente o pré-sal, rapidamente vendido (sem trocadilhos) como a redenção de todos os nossos problemas. O que se viu a partir daí foi uma verdadeira batalha política entre os estados “com pré-sal” e os estados “sem pré-sal” pelos royalties do tesouro recém-descoberto.
A face menos perceptível desse fenômeno foi que, como mágica, sumiram os projetos de desenvolvimento tecnológico e de inovação para aprimoramento e popularização de fontes energéticas limpas.
Usinas de biocombustíveis passaram a não ser mais prioridade. Muitas fecharam antes mesmo de entrar em funcionamento. A capacidade instalada para a geração de energia eólica no país mal chega a 1% da geração hidrelétrica e a capacidade de geração de energia solar é virtualmente zero.
O fato é que parece que todo o discurso de sustentabilidade, de geração de energia limpa, de produção de biocombustíveis, era apenas e tão somente discurso — desses com aquela “robustez e credibilidade” que acompanham todo e qualquer discurso eleitoral.
Para complicar mais a coisa, São Pedro deve ter recebido ordens superiores para fechar as torneiras dos céus. Talvez porque, como somos agora um país riquíssimo em petróleo, precisemos usar essa nossa nova riqueza. Com isso, as caríssimas e poluidoras termelétricas (movidas principalmente a gás, mas também a carvão) precisaram ser acionadas e não há evidências de que poderemos abrir mão delas num futuro próximo.
É muito triste constatar que vivemos em um país de discursos, sem nenhum planejamento estratégico para a área de energia e, pior, que o Brasil fez uma clara opção pelo caminho da poluição e da ineficiência energética.
Quanto ao fantasma do apagão, justiça seja feita, o Estado brasileiro tem feito sua parte para espantá-lo definitivamente. Mas, como não há planejamento, faz isso como pode, rezando todos os dias — e com muita fé — para que São Pedro mande o único antídoto que pode, de fato, impedir que esse espectro da falta de planejamento provoque um colapso energético no país: a chuva.
28 de março de 2014
Roberto Borghetti e Antônio Ostrensky, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário