'Mercado' sentiu o cheiro de queimado em maio de 2013; 'nota' baixa é só registro em cartório
É ENGRAÇADO, quando não ridículo, ouvir que o "mercado" não esperava para já o rebaixamento do crédito do governo do Brasil por uma dessas agências de avaliação de risco. Uma variante desse humor involuntário dizia: "Apesar do rebaixamento", a Bolsa subiu, o dólar caiu etc.
"Mercado", quando não nomeia algo inefavelmente irrelevante, por costume e algum vício acabou por denominar o conjunto dos donos do dinheiro grosso na praça financeira, investidores e nossos credores. Pois então. O nosso crédito nos "mercados" está em baixa aguda pelo menos desde meados de maio do ano passado, é óbvio.
Foi então, maio de 2013, que começou a rodada mais recente de liquidação de ativos financeiros brasileiros. Venderam-se papéis da dívida pública (os juros subiram), reais (a moeda se depreciou), ações da Bolsa etc.
Em junho de 2013, essa agência rebaixante de agora, a Standard & Poor's, sentiu o cheiro de queimado, sensível para quem quer que tivesse nariz financeiro ou lesse jornais, e deu "ponto negativo" para o Brasil (risco de baixar a nota).
Claro, nota de crédito não se deduz de saracoteios e chiliques do mercado, mas com base na avaliação da capacidade de geração de recursos (crescimento e receita),
de usá-los com prudência (consumo comedido, investimento sábio e capacidade de poupar) e da propensão a pagar dívidas. Nada de novo, decerto. O povo dos "mercados" presta atenção às mesmas coisas. Mas sabe antes das agências, sente antes o cheiro de queimado, de lucro pequeno e de devedor em apuros.
Algum bancão global, fundos ditos de "hedge" ou qualquer investidor desses que movem montanhas, de dinheiro, vai esperar uma agência de classificação de risco para decidir o que vai fazer com seu dinheiro no Brasil ou qualquer ou outro país grande e relevante? Francamente. Se fizer besteira monumental, e fazem, vão fazer sem essa assessoria.
Sim, agências de classificação tem sua utilidade: prestar o serviço de avaliar negócios menos conhecidos, em tese reduzindo custos e riscos vários para os investidores.
No entanto, até no lixo da Berrini ou da Paulista (centros financeiros paulistanos) há informação bastante para rebaixar (ou elevar) o crédito do governo do Brasil. De resto, como já se escreveu nestas colunas a esse respeito, da crise da Ásia de 1997 ao desastre de 2008, essas agências foram negligentes, ineptas ou cúmplices da lambança.
No mínimo, chegam atrasadas, vão atrás do trio elétrico dos "mercados" (só não vai quem já morreu), compram o abadá pelo preço do Carnaval das euforias e não raro perdem a hora de avisar que a catástrofe está na próxima esquina. Muitas vezes, aparecem apenas para dar o atestado de óbito, nota "zero" de crédito, quando um calote ou quebra histórica já aconteceu.
Faz diferença receber "nota baixa"? Claro. Como se sabe, certos fundos não podem investir em empresas e países com "nota vermelha" (ainda não voltamos para lá), o que afeta em especial empresas. Pega mal, atesta em cartório e relembra, para o grande público mundial, besteiras elementares que temos feito em matéria de política econômica.
28 de março de 2014
Vinicius Torres Freire, Folha de SP
É ENGRAÇADO, quando não ridículo, ouvir que o "mercado" não esperava para já o rebaixamento do crédito do governo do Brasil por uma dessas agências de avaliação de risco. Uma variante desse humor involuntário dizia: "Apesar do rebaixamento", a Bolsa subiu, o dólar caiu etc.
"Mercado", quando não nomeia algo inefavelmente irrelevante, por costume e algum vício acabou por denominar o conjunto dos donos do dinheiro grosso na praça financeira, investidores e nossos credores. Pois então. O nosso crédito nos "mercados" está em baixa aguda pelo menos desde meados de maio do ano passado, é óbvio.
Foi então, maio de 2013, que começou a rodada mais recente de liquidação de ativos financeiros brasileiros. Venderam-se papéis da dívida pública (os juros subiram), reais (a moeda se depreciou), ações da Bolsa etc.
Em junho de 2013, essa agência rebaixante de agora, a Standard & Poor's, sentiu o cheiro de queimado, sensível para quem quer que tivesse nariz financeiro ou lesse jornais, e deu "ponto negativo" para o Brasil (risco de baixar a nota).
Claro, nota de crédito não se deduz de saracoteios e chiliques do mercado, mas com base na avaliação da capacidade de geração de recursos (crescimento e receita),
de usá-los com prudência (consumo comedido, investimento sábio e capacidade de poupar) e da propensão a pagar dívidas. Nada de novo, decerto. O povo dos "mercados" presta atenção às mesmas coisas. Mas sabe antes das agências, sente antes o cheiro de queimado, de lucro pequeno e de devedor em apuros.
Algum bancão global, fundos ditos de "hedge" ou qualquer investidor desses que movem montanhas, de dinheiro, vai esperar uma agência de classificação de risco para decidir o que vai fazer com seu dinheiro no Brasil ou qualquer ou outro país grande e relevante? Francamente. Se fizer besteira monumental, e fazem, vão fazer sem essa assessoria.
Sim, agências de classificação tem sua utilidade: prestar o serviço de avaliar negócios menos conhecidos, em tese reduzindo custos e riscos vários para os investidores.
No entanto, até no lixo da Berrini ou da Paulista (centros financeiros paulistanos) há informação bastante para rebaixar (ou elevar) o crédito do governo do Brasil. De resto, como já se escreveu nestas colunas a esse respeito, da crise da Ásia de 1997 ao desastre de 2008, essas agências foram negligentes, ineptas ou cúmplices da lambança.
No mínimo, chegam atrasadas, vão atrás do trio elétrico dos "mercados" (só não vai quem já morreu), compram o abadá pelo preço do Carnaval das euforias e não raro perdem a hora de avisar que a catástrofe está na próxima esquina. Muitas vezes, aparecem apenas para dar o atestado de óbito, nota "zero" de crédito, quando um calote ou quebra histórica já aconteceu.
Faz diferença receber "nota baixa"? Claro. Como se sabe, certos fundos não podem investir em empresas e países com "nota vermelha" (ainda não voltamos para lá), o que afeta em especial empresas. Pega mal, atesta em cartório e relembra, para o grande público mundial, besteiras elementares que temos feito em matéria de política econômica.
28 de março de 2014
Vinicius Torres Freire, Folha de SP
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