Não sabemos se João Goulart planejava um golpe para salvar o seu governo em 1964. Não sabemos ao certo o que teria acontecido caso esse golpe realmente tivesse sido dado. Não sabemos se Goulart entregaria o país a Fidel, Khrushchev ou Brizola. O que nós sabemos foi o que realmente aconteceu. Na noite de 31 de março, as tropas comandadas por Mourão Filho saíram de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro. Dias depois, João Goulart deixou o país, e a presidência foi decretada vaga. Os militares vieram garantir as eleições de 1965, mas só devolveram o poder aos civis 20 anos mais tarde.
Para o bem da democracia brasileira, os militares suspenderam liberdades civis, prenderam, torturaram e assassinaram. O estado brasileiro cometeu crimes e nem a violência da resistência ao regime pode relativizar esses fatos. As ações do regime militar brasileiro não se tornam menos imorais sob a lente da possível ameaça soviética, como as ações do regime cubano não se tornam menos imorais sob a ameaça de uma invasão americana. As vítimas do comunismo e do anticomunismo são vítimas e permanecem irremediavelmente mortas.
Como exercício de especulação, pode-se debater o que teria acontecido ao Brasil caso Goulart tivesse força para dar um golpe em 1964. Discutamos se o golpe nos transformaria em Cuba, União Soviética, Hungria ou Checoslováquia. Se os tanques soviéticos assassinariam manifestantes na Avenida Presidente Vargas (ou Karl Marx?) ao primeiro sinal de revolta ou se seriamos pioneiros da glasnost. Defensores da ditadura brasileira dizem que o Brasil teria virado Cuba. Defensores da ditadura cubana dizem que Cuba teria virado o Haiti. Defensores de ditaduras sempre tem suposições e números na ponta da língua, como se soubessem que todo o resto os desmoraliza.
A troca de ideias sobre o Brasil de amanhã permanece contaminado por uma pergunta de abril de 1964. Jamais saberemos o que teria acontecido sem a interferência dos militares nos problemas políticos que João Goulart enfrentava. O que não muda é o que nós sabemos que aconteceu após essa interferência: liberdades foram suspensas, a imprensa foi censurada, políticos foram cassados, partidos políticos foram extintos e muitas pessoas foram presas, torturadas e mortas.
Para os defensores do regime militar brasileiro, mais de 20 anos que vivemos sob a ditadura teriam sido menos livres e mais pobres com uma ditadura de outras cores e outros símbolos. Mas nós liberais não defendemos ditaduras, sob nenhuma justificativa, sob nenhuma cor ou nenhum símbolo. As vítimas do comunismo e do anticomunismo são vítimas e permanecem, inevitavelmente, traumatizadas ou mortas.
Questões hipotéticas sobre um Brasil comunista e a realidade das ditaduras socialistas não podem enevoar a avaliação do que de fato aconteceu nas duas décadas de regime militar: censura à livre manifestação, capitalismo estatista, repressão política e a suspensão das liberdades civis mais básicas.
31 de março de 2014
instituto ordem livre
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