"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 31 de março de 2014

1964 - 2007: ENTRE A TRAGÉDIA E A FARSA

Em seu panfleto “18 de Brumário de Luis Bonaparte”, Karl Marx afirma que a história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.

Desde a chamada “abertura democrática” que pôs fim à Ditadura Militar de 1964, cada passagem de março a abril é marcada por manifestações de repúdio aos anos de chumbo e de comemoração pela democracia conquistada.

Não é que se pretenda aniquilar a importância da sucumbência da tragédia ditatorial, mas a farsa democrática à qual fomos acostumados não pode permanecer absoluta, sob pena de jamais alcançarmos, de fato, a condição de uma República Democrática.

Tornar visível a opressão é um dos mais significativos desafios dos militantes sociais. Aceitar que nosso sistema democrático passa ao largo de uma democracia real é o passo primeiro para sua consolidação.

Não vivemos na democracia, embora também não estejamos submetidos às truculências de um Estado de exceção como o que antecedeu o atual sistema político. Pôr fim à Ditadura, aprovar uma Constituição que opta pelo Estado Democrático de Direito e preserva as liberdades civis, conquistar as eleições gerais e diretas são vitórias inestimáveis para os que defendem o poder sob domínio da maioria, ou seja, a democracia.

Entretanto, em tempos de debate sobre a Reforma Política e em um clima de alerta nacional quanto à violência que assusta nossas vidas, é fundamental que a luta pela democracia reocupe as mentes e as ruas.

Não é democracia um sistema em que, apesar de todos poderem votar, poucos podem analisar com autonomia e consciência o exercício do voto. Não é democracia o que se expressa pelo comparecimento às urnas de dois em dois anos e inexistência da participação cidadã em todos os outros dias. Não é democracia um poder que se limita a poucos, cujas informações são patrimônio de poucos e cujo direito à comunicação é exclusividade de poucos. Não há democracia quando os direitos básicos à saúde, à educação, à alimentação e à vida são negados à maioria.

Portanto, nesta passagem de março a abril, mais que relembrar a Ditadura Militar e saudar sua derrota, é preciso escancarar a obviedade de que ainda nos faltam muitos passos para alcançarmos a condição de nação democrática. E a Reforma Política que discutimos deve ter na democratização dessa democracia seu principal objetivo.

Para além de ajustes no sistema eleitoral, transformações radicais – aquelas que se dão na raiz – devem ser feitas em nosso sistema político. A República, como “coisa pública”, precisa ganhar corpo e se entregar à vontade de seus membros. Instrumentos de participação direta que aproximem o povo da política e, portanto, a maioria das decisões que dizem respeito a todos, compõem um rol de possibilidades no qual devemos apostar. Mais que isso, o extermínio da corrupção e a superação da representação dos interesses de pequenos grupos econômicos, famílias e indivíduos é o único caminho que pode nos elevar ao patamar republicano.

A democratização dos meios de comunicação, sobretudo, não para que simplesmente o Governo exponha suas idéias, mas para que, principalmente, a diversidade de opiniões existentes na sociedade tenha espaço para se pronunciar, é um requisito indispensável a um sistema que defende para todos o direito a falar e ser ouvido.

Por fim, ajustar as contas de nosso passado trágico e permitir ao conjunto da sociedade o conhecimento de sua própria história é uma exigência para os que desejam sepultar seus fantasmas autoritários e avançar para a democracia real.

A tese de que vivemos em uma sociedade democrática só está de pé porque comparamos a situação atual com os anos que nos antecederam. Nossa comparação deve ser com os anos que virão e com o tipo de sociedade que desejamos construir.

É por isso que neste 1o de Abril, a União Nacional dos Estudantes realizará um ato em memória de todos os estudantes e lutadores que tombaram no combate aos anos de chumbo, mas, para além disso, exigirá a abertura dos arquivos da Ditadura Militar, dívida que nossa República ainda não foi capaz de pagar, talvez pela sapiência de sua fragilidade.

O ato acontecerá na Praia do Flamengo, 132, endereço da histórica sede da UNE tomada e queimada no 1o de Abril de 1964 e que, desde 1o de Fevereiro deste ano, encontra-se ocupado por estudantes de todo o país. Será o momento não apenas de lembrar, mas de reivindicar uma democracia verdadeiramente para todos, na esperança de que nossa Reforma Política venha para satisfazer os anseios da maioria e não os interesses dominantes.

Do contrário, restaremos como a nação da incompletude. Dos recorrentes ajustes e conciliações. Da eterna meia verdade, meia liberdade, meia República.

Em defesa da democracia por inteiro, denunciemos na data de nossa tragédia a atualidade de nossa farsa. E, a partir daí, sigamos em frente, sem fantasmas e sem meias palavras, “semeando a liberdade em cada coração”.


31 de março de 2014
Louise Caroline, Vice-Presidente da UNE

(Publicado originalmente em 31 de março de 2007)

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