"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A "CONFISSÁO" DO FUGITIVO PETRALHA

 

   O vivo vivo: Para fugir do Brasil, Henrique Pizzolato falsifica passaporte em nome do irmão Celso, morto em 1978

Em agosto de 2007, ao cabo de cinco sessões que consumiram mais de 30 horas, o Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu por unanimidade a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra 40 acusados de participar do mensalão. Foi a primeira de uma longa sequência de deliberações que desembocaram, passados seis anos, na condenação de 25 réus por uma variedade de delitos, entre os quais, corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e peculato.
Mas um deles, o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil (BB) Henrique Pizzolato, não esperou ser condenado a 12 anos e 7 meses por ter autorizado um repasse de R$ 73,8 milhões que o banco mantinha no Fundo Visanet para uma das empresas do operador do mensalão, Marcos Valério de Souza, recebendo em troca um regalo de R$ 336 mil.

Embora negasse que os recursos do Visanet tivessem sido desviados para irrigar o esquema de compra de votos na Câmara dos Deputados e sustentasse que a soma a ele entregue por um mensageiro se destinava ao PT, o precavido Pizzolato, apenas três meses depois de se tornar réu, começou a cavar um túnel para escapar do cumprimento da pena que lhe seria imposta.
Graças a esse paciente labor, em setembro do ano passado ele conseguiu fugir para a Itália, onde seria capturado, na última quarta-feira. Para o mal ou para o bem, um pouco de sorte sempre ajuda. A de Pizzolato consistiu em não ter sido jamais registrado em cartório o atestado de óbito de seu irmão Celso, morto em 1978 em acidente de carro. Isso permitiu ao petista reavivá-lo perante a burocracia pública.

Em novembro de 2007, tirou em nome do irmão um novo documento de identidade, a que se seguiria o título de eleitor e, enfim, um passaporte com a sua própria foto — que o vivíssimo Pizzolato usou em 2010, com êxito, numa viagem-teste.
Mais do que a porosidade do sistema de emissão de documentos no País ou a competência de Pizzolato como falsário, o essencial da história é o fato de ela desmoralizar a farsa dos punhos erguidos.
É a expressão corporal que o PT adotou para dramatizar a alegação de que os seus grãos-companheiros condenados (José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Paulo Cunha) foram vítimas de um linchamento judicial com fins políticos, numa Corte de cartolina que ignorou as provas de sua inocência ou não conseguiu demonstrar a sua culpa.

Toda a armação que tornou possível a fuga de Pizzolato foi uma confissão de culpa — mas não no sentido que lhe dá o deputado Vicentinho, novo líder da bancada petista da Câmara. Para ele, a conduta do ex-diretor do BB causa "vergonha e constrangimento" ao partido. "Estamos defendendo a tese da inocência, combatendo o que foi feito no julgamento", argumenta, "então ele tinha que ter ficado aqui junto com os outros fazendo o debate."
Isso é criar uma realidade paralela. Sim, ao se escafeder, Pizzolato como que assinou a confissão dos delitos individuais que nega da boca para fora. Mas eles simplesmente não teriam ocorrido se a cúpula do PT — com ou sem o conhecimento e o endosso do Primeiro Companheiro — não tivesse decidido comprar políticos com dinheiro público.

O objetivo, naturalmente, era assegurar a aprovação dos projetos do Planalto, facilitando a reeleição do presidente Lula e abrindo caminho à perpetuação do partido no poder. Portanto, não foi apenas para embolsar uma enxundiosa comissão que Pizzolato se acertou com o homem-chave da organização criminosa, o publicitário Marcos Valério, para repassar-lhe quase R$ 74 milhões em recursos do maior banco estatal do País.
E, definitivamente, a iniciativa do acerto, seja de quem tenha sido, não foi um lance isolado. Dito de outro modo, a confissão implícita só faz sentido como o fio da meada que, primeiro, conduz à existência do mensalão e, segundo, justifica as sentenças emitidas pelo STF.

Se a narrativa da evasão do petista agora envergonha e constrange a legenda, não é, como parece acreditar o deputado Vicentinho, porque o companheiro não ficou aqui "fazendo o debate" (ou seja, disparando vitupérios contra o Supremo Tribunal). Mas porque serviu para expor ainda uma vez a esqualidez moral do partido do mensalão — esta sim, vergonhosa e constrangedora.

12 de fevereiro de 2014
Editorial do Estadáo
 

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