"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 19 de janeiro de 2014

CARTILHAS



À ANTIGA: Eva viu a uva. O vovô viu a Eva

MODERNA: O vovô viu Eva vendo a uva.

PÓS-MODERNA: Eva viu a uva vendo o vovô.

CAPITALISTA: Eva vendeu a uva ao vovô.

SOCIALISTA: Eva e o vovô dividiram a uva.

COMPETITIVA: Eva viu a uva primeiro, o vovô ficou sem uva.

SOCIAL-DEMOCRATA: Eva e o vovô acabariam dividindo a uva, mas só depois de um longo processo de conscientização, sem recorrer à violência.

TRÁGICA: Eva tirou a uva da boca do vovô à força e depois engasgou-se com ela, enquanto o vovô tinha um ataque cardíaco.

ERÓTICA: Eva chupou a uva fazendo “mmmm” enquanto o vovô fingia que não via.

AMERICANIZADA: Eva viu the book on the table enquanto o vovô recebia o delivery da uva.

FILOSÓFICA: Eva viu a uva, logo existe. O vovô viu Eva vendo a uva, mas não pode dizer com certeza que viu mesmo Eva vendo a uva ou apenas uma projeção conceitualizada da sua imagem no seu sistema neurológico, o que não comprovaria sua existência.

NOIR: Eva pressentiu a presença da uva na escuridão, mas antes que pudesse virar-se e vê-la sentiu a ponta de uma arma nas suas costas e ouviu a voz do vovô dizendo: “Esta é minha, baby”.

SURREALISTA: Eva ouviu a vulva do vovô.

CULINÁRIA: Eva viu a uva, cortou a uva em pedaços, botou no molho do peixe junto com alcaparras e vinho branco – e o vovô só olhando.

SIMBÓLICA: Eva ver a uva significa a reiteração de um ato de conhecimento do mundo que está na origem da cultura humana. Eva, a primeira da sua espécie; uva, a coisa a ser entendida, a realidade extra espécie que, inaugurando a relação gente/mundo, é precondição para o desenvolvimento das artes fabris e da agricultura e, portanto, da civilização. Já o simbolismo do vovô não é tão claro.

TEATRAL:

Eva – Oba, uma uva.

Vovô – Cuidado.

Eva – Por quê?

Vovô – Você sabe, os agrotóxicos.

Eva –Ora vovô, fazer um drama só por causa de...

Vovô – Não. Conheço gente que comeu uma uva e morreu na hora. Uma uva pode ser tão mortal quanto os punhais que abateram Cesar, na peça de Shakespeare.

Eva – Não vou comer. Só vou olhar.

Vovô – Citando de novo o bardo: também nos envenenamos pelos olhos.

Eva – Shakespeare disse isso?

Vovô – Não sei, mas soa como dele.

Eva – De qualquer jeito, não vou comer.

Vovô – Vou ficar de olho em você, menina.

APOCALÍPTICA: Eva verá a uva, o vovô verá a Eva, e este será o último acontecimento na História do mundo antes de começar a chover enxofre.
 
19 de janeiro de 2014
Luis Fernando Veríssimo, O Estadão

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