Cristina Kirchner e seu grupo tentam adiar ao máximo a imperiosa correção de rumos numa economia com preços e tarifascongeladas. Mas o tempo se esgota
A presidente Cristina Kirchner e seu grupo já viveram dias melhores no poder. No plano político, um grande baque foi a derrota fragorosa nas primárias deste mês, prévia das eleições parlamentares de outubro, nas quais os candidatos da Casa Rosada conseguiram apenas 27% dos votos. Há dois anos, haviam obtido mais de 50%.
Tamanho desgaste não surge do nada. E como quase sempre ocorre nessas circunstâncias, a deterioração do quadro econômico explica em boa parte as agruras da presidente. Tudo condimentado por uma postura arrogante, autoritária no exercício da política, em que adversários são tratados como inimigos a serem eliminados.
É corrosiva uma situação em que a inflação efetiva roda nos 25% ao ano, enquanto o índice oficial se encontra tabelado em pouco menos de 10%. Também não há popularidade que resista ao desabastecimento provocado — como previsto — por um anacrônico tabelamento de preços.
O congelamento, gerenciado pelo truculento secretário de Comércio Interior Guillermo Moreno, é medida de desespero para tentar reduzir os danos nas urnas de outubro, cujo resultado deve soterrar de vez o projeto do kirchnerismo de alterar a Constituição para garantir o terceiro mandado consecutivo a Cristina. A julgar pelo resultado das primárias, a Casa Rosada não conseguirá quorum no Congresso para alterar a Carta. É possível, então, que um projeto de perpetuação no poder esteja em contagem regressiva, para acabar — ou sofrer uma interrupção — em 2015, quando se encerra o mandato da presidente.
A frente externa da economia argentina reservou mais uma derrota para o governo, com a rejeição na Justiça de Nova York dos argumentos oficiais contra a reclamação de credores que não aceitaram os termos da renegociação propostos pelo país em 2005 e 2010. O assunto irá para a Suprema Corte, mas, por precaução, a Argentina acaba de reabrir negociações sobre esta parcela da dívida não renegociada — 7% do total. Proporcionalmente não é muito, mas as reservas externa argentinas estão baixas e em queda — daí a disparara do dólar, cotado em quase o dobro da taxa oficial. No plano interno, além da inflação recalcitrante e da consequente dolarização da economia — tendência antiga na Argentina —, o PIB não consegue mais atingir os elevados índice de crescimento alcançados na gestão de Néstor, marido de Cristina.
Estima-se que, este ano, no máximo o país se expandirá 3%. O resultado é que o desemprego sobe, e está próximo dos 8%. Foi no que deu a receita heterodoxa de juros baixos e câmbio desvalorizado, artificialmente. A fórmula foi copiada em parte por Dilma, com resultado semelhantes.
O Brasil também passou a congelar tarifas, como a Argentina, mas os reajustes represados no vizinho são bem maiores. A tentação será grande de empurrar os problemas para além de 2015. Mas, pelo estado geral da economia, não parece ser possível.
01 de setembro de 2013
Editorial O Globo
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