"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

MEU GATO ZÉ MARIA

 Zé Maria entrou na minha vida como quem não pede licença — apenas se instala. Um persa laranja, de pelos longos e dignidade antiga, desses que parecem ter sido faraó em outra existência e ainda não esqueceram. Carrega no rosto achatado uma expressão de tédio cósmico, como se o mundo fosse sempre um pouco menos interessante do que a soneca que ele poderia estar fazendo.

Dormir é seu ofício principal. Dorme como quem medita. Dorme como quem vigia. Dorme com a convicção de que o tempo, se existir, pode esperar. À noite, escolhe meus pés como território sagrado. Não pede, não avisa: simplesmente se deita ali, pesado e quente, tornando qualquer tentativa de movimento um sacrilégio. É assim que protege meu sono — impedindo que eu me mexa demais.

Durante o dia, Zé Maria me acompanha. Não no sentido canino da palavra, mas no modo felino: está sempre perto, nunca dependente. Às vezes no mesmo cômodo, às vezes a poucos metros, às vezes apenas visível no canto do olhar. Sua presença não faz barulho, mas pesa — como uma certeza.

Ele fala. Fala bastante. Miados longos, conversados, cheios de intenção. Reclama do pote, do clima, do silêncio excessivo. Mas quando se cala, diz muito mais. Seu olhar — lento, âmbar, profundo — confessa um afeto que ele jamais transformaria em gesto explícito. Amar, para Zé Maria, é ficar. É não ir embora. É escolher o mesmo humano todos os dias, sem alarde.

Tem o jeito solitário dos gatos gastos, desses que parecem ter vivido outras casas, outros tempos, outras perdas. Carrega uma melancolia elegante, discreta, quase nobre. E, paradoxalmente, gosta de estar comigo. Não colado, não grudado — apenas junto. Como quem diz: “Não preciso de você, mas prefiro.”

É manso, embora tenha aparência imperial. Um rei que abdicou do trono para governar o sofá. Um nobre que aceita carinho, mas nunca implora. Seu ronronar é baixo, econômico, como se até o prazer precisasse ser contido para não perder a dignidade.

Zé Maria não é apenas um gato. É um silêncio que me escolheu. Uma companhia que não exige explicações. Um amor que se deita aos meus pés à noite e, durante o dia, me observa — como quem sabe que estar ali já é tudo.

29 de dezembro de 2025

prof. mario moura

Nenhum comentário:

Postar um comentário