Para os heterodoxos, basta mais gasto público para ficarmos mais ricos; fosse assim, seria difícil entender o atraso de muitos países
Os economistas heterodoxos brasileiros frequentemente defendem que a expansão do gasto público pode ser autofinanciável.
O maior gasto público na expansão da produção amplia a oferta de bens e serviços, ao mesmo tempo que aumenta a renda das famílias e o seu consumo. O crescimento da economia aumenta a arrecadação de tributos, financiando o maior gasto público.
Descobriram o círculo virtuoso: o Tesouro emite dívida, e o resultado é o maior crescimento econômico e da receita de impostos. No fim do ciclo teríamos a redução da dívida pública como fração da economia! Economistas heterodoxos declaram sucesso onde a física fracassou: a invenção do moto perpétuo.
Como escreveram Nelson Barbosa e José António Pereira de Souza no texto "A inflexão do governo Lula: política econômica, crescimento e distribuição de renda": "Em outras palavras, o eventual financiamento do investimento público por meio da emissão de dívida não seria necessariamente incompatível com a meta global de redução da relação dívida/PIB do setor público brasileiro, visto que tal investimento resultaria na elevação da própria taxa de crescimento do PIB".
A criatividade dos heterodoxos resolveu o problema da escassez. Basta gastar mais para ficar mais rico. Se essa dinâmica fosse possível, seria difícil entender o subdesenvolvimento de muitos países. Afinal, o aumento do gasto público aumenta a renda do país.
A realidade requer detalhes que as fantasias podem ignorar. O crescimento econômico e da arrecadação tributária deveria ser grande o suficiente para compensar o aumento do gasto público. A expansão da capacidade de produção da economia deveria ser rápida o suficiente para evitar que o resultado fosse apenas mais inflação. Por fim, o crescimento da receita de impostos deveria ser maior do que o aumento da dívida decorrente da taxa de juros pagas aos que aceitam emprestar ao governo.
Nossos economistas heterodoxos acreditam que a perda de 7% de PIB no biênio 2015-2016 foi responsabilidade da tímida e tardia contração fiscal de Joaquim Levy. Infelizmente eles são incapazes de escrever um artigo com as melhores técnicas da profissão documentando esse fato. Aproveitando, poderiam anunciar a boa nova de que descobriram o moto perpétuo e explicar por que a imensa expansão fiscal de 2014 não resultou em vigoroso crescimento.
No trabalho "Fiscal Policy in a Depressed Economy", Bradfor DeLong e Lawrence Summers mostram que a expansão fiscal pode ser eficaz no caso de economias com alto desemprego, inflação baixa e juros nominais nulos. Esse era o caso da economia americana logo em seguida à crise do subprime.
Certamente não é o caso e nunca foi o do Brasil, como já deixou de ser o dos EUA. A dívida americana deve aumentar como proporção do PIB em função da política fiscal expansionista de Trump —como, aliás, ocorreu no período Reagan.
Entende-se por que a mensagem da heterodoxia é tão bem-vinda aos políticos populistas. Afinal, nada melhor do que propor que quanto mais se gasta, mais rico se fica.
Muitos podem reagir às propostas da direita extremada. Não os heterodoxos. O caldo de cultura foi o fracasso da sua fantasia de moto perpétuo em meio à demonização da divergência.
28 de março de 2018
Folha de SP
Samuel Pessôa - É formado em física, doutor em economia e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV
Marcos Lisboa - É economista, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)
Os economistas heterodoxos brasileiros frequentemente defendem que a expansão do gasto público pode ser autofinanciável.
O maior gasto público na expansão da produção amplia a oferta de bens e serviços, ao mesmo tempo que aumenta a renda das famílias e o seu consumo. O crescimento da economia aumenta a arrecadação de tributos, financiando o maior gasto público.
Descobriram o círculo virtuoso: o Tesouro emite dívida, e o resultado é o maior crescimento econômico e da receita de impostos. No fim do ciclo teríamos a redução da dívida pública como fração da economia! Economistas heterodoxos declaram sucesso onde a física fracassou: a invenção do moto perpétuo.
Como escreveram Nelson Barbosa e José António Pereira de Souza no texto "A inflexão do governo Lula: política econômica, crescimento e distribuição de renda": "Em outras palavras, o eventual financiamento do investimento público por meio da emissão de dívida não seria necessariamente incompatível com a meta global de redução da relação dívida/PIB do setor público brasileiro, visto que tal investimento resultaria na elevação da própria taxa de crescimento do PIB".
A criatividade dos heterodoxos resolveu o problema da escassez. Basta gastar mais para ficar mais rico. Se essa dinâmica fosse possível, seria difícil entender o subdesenvolvimento de muitos países. Afinal, o aumento do gasto público aumenta a renda do país.
A realidade requer detalhes que as fantasias podem ignorar. O crescimento econômico e da arrecadação tributária deveria ser grande o suficiente para compensar o aumento do gasto público. A expansão da capacidade de produção da economia deveria ser rápida o suficiente para evitar que o resultado fosse apenas mais inflação. Por fim, o crescimento da receita de impostos deveria ser maior do que o aumento da dívida decorrente da taxa de juros pagas aos que aceitam emprestar ao governo.
Nossos economistas heterodoxos acreditam que a perda de 7% de PIB no biênio 2015-2016 foi responsabilidade da tímida e tardia contração fiscal de Joaquim Levy. Infelizmente eles são incapazes de escrever um artigo com as melhores técnicas da profissão documentando esse fato. Aproveitando, poderiam anunciar a boa nova de que descobriram o moto perpétuo e explicar por que a imensa expansão fiscal de 2014 não resultou em vigoroso crescimento.
No trabalho "Fiscal Policy in a Depressed Economy", Bradfor DeLong e Lawrence Summers mostram que a expansão fiscal pode ser eficaz no caso de economias com alto desemprego, inflação baixa e juros nominais nulos. Esse era o caso da economia americana logo em seguida à crise do subprime.
Certamente não é o caso e nunca foi o do Brasil, como já deixou de ser o dos EUA. A dívida americana deve aumentar como proporção do PIB em função da política fiscal expansionista de Trump —como, aliás, ocorreu no período Reagan.
Entende-se por que a mensagem da heterodoxia é tão bem-vinda aos políticos populistas. Afinal, nada melhor do que propor que quanto mais se gasta, mais rico se fica.
Muitos podem reagir às propostas da direita extremada. Não os heterodoxos. O caldo de cultura foi o fracasso da sua fantasia de moto perpétuo em meio à demonização da divergência.
28 de março de 2018
Folha de SP
Samuel Pessôa - É formado em física, doutor em economia e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV
Marcos Lisboa - É economista, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)
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