"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 28 de março de 2018

A ECONOMIA DO MOTO PERPÉTUO

Para os heterodoxos, basta mais gasto público para ficarmos mais ricos; fosse assim, seria difícil entender o atraso de muitos países

Os economistas heterodoxos brasileiros frequentemente defendem que a expansão do gasto público pode ser autofinanciável.

O maior gasto público na expansão da produção amplia a oferta de bens e serviços, ao mesmo tempo que aumenta a renda das famílias e o seu consumo. O crescimento da economia aumenta a arrecadação de tributos, financiando o maior gasto público.

Descobriram o círculo virtuoso: o Tesouro emite dívida, e o resultado é o maior crescimento econômico e da receita de impostos. No fim do ciclo teríamos a redução da dívida pública como fração da economia! Economistas heterodoxos declaram sucesso onde a física fracassou: a invenção do moto perpétuo.

Como escreveram Nelson Barbosa e José António Pereira de Souza no texto "A inflexão do governo Lula: política econômica, crescimento e distribuição de renda": "Em outras palavras, o eventual financiamento do investimento público por meio da emissão de dívida não seria necessariamente incompatível com a meta global de redução da relação dívida/PIB do setor público brasileiro, visto que tal investimento resultaria na elevação da própria taxa de crescimento do PIB".

A criatividade dos heterodoxos resolveu o problema da escassez. Basta gastar mais para ficar mais rico. Se essa dinâmica fosse possível, seria difícil entender o subdesenvolvimento de muitos países. Afinal, o aumento do gasto público aumenta a renda do país.

A realidade requer detalhes que as fantasias podem ignorar. O crescimento econômico e da arrecadação tributária deveria ser grande o suficiente para compensar o aumento do gasto público. A expansão da capacidade de produção da economia deveria ser rápida o suficiente para evitar que o resultado fosse apenas mais inflação. Por fim, o crescimento da receita de impostos deveria ser maior do que o aumento da dívida decorrente da taxa de juros pagas aos que aceitam emprestar ao governo.

Nossos economistas heterodoxos acreditam que a perda de 7% de PIB no biênio 2015-2016 foi responsabilidade da tímida e tardia contração fiscal de Joaquim Levy. Infelizmente eles são incapazes de escrever um artigo com as melhores técnicas da profissão documentando esse fato. Aproveitando, poderiam anunciar a boa nova de que descobriram o moto perpétuo e explicar por que a imensa expansão fiscal de 2014 não resultou em vigoroso crescimento.

No trabalho "Fiscal Policy in a Depressed Economy", Bradfor DeLong e Lawrence Summers mostram que a expansão fiscal pode ser eficaz no caso de economias com alto desemprego, inflação baixa e juros nominais nulos. Esse era o caso da economia americana logo em seguida à crise do subprime.

Certamente não é o caso e nunca foi o do Brasil, como já deixou de ser o dos EUA. A dívida americana deve aumentar como proporção do PIB em função da política fiscal expansionista de Trump —como, aliás, ocorreu no período Reagan.

Entende-se por que a mensagem da heterodoxia é tão bem-vinda aos políticos populistas. Afinal, nada melhor do que propor que quanto mais se gasta, mais rico se fica.

Muitos podem reagir às propostas da direita extremada. Não os heterodoxos. O caldo de cultura foi o fracasso da sua fantasia de moto perpétuo em meio à demonização da divergência.


28 de março de 2018
Folha de SP

Samuel Pessôa - É formado em física, doutor em economia e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV

Marcos Lisboa - É economista, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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