Apenas seis dias depois de ter sido exonerado do cargo de procurador do Ministério Público Federal, Marcello Miller participou de reunião na Procuradoria-Geral da República (PGR) como advogado do grupo J&F, controlador da JBS. Miller foi exonerado no dia 5 de abril deste ano e no dia 11 já representava a empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista em reunião com seus antigos colegas de trabalho. A informação foi obtida pelo Globo por meio da Lei de Acesso à Informação.
Os registros de entrada da portaria do edifício-sede da PGR mostram que Miller esteve no local nos dias 11 e 18 de abril. Em resposta à reportagem, a PGR confirmou a presença e informou que ele representou o grupo controlador da JBS na ocasião.
NO DIA SEGUINTE – De acordo com a instituição, Miller participou de uma reunião com representantes do grupo de trabalho que atua na Lava-Jato e com a força-tarefa da Operação Greenfield da Procuradoria da República do Distrito Federal. Essa reunião ocorreu no dia seguinte ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin ter homologado um pré-acordo de delação dos executivos da JBS.
“No dia 11/4, Marcello Miller participou de reunião entre os representantes dos escritórios de defesa dos executivos e do Grupo J&F e membros do MPF. Na ocasião, foi explicado que as negociações da leniência e da colaboração premiada seriam feitas separadamente, por equipes distintas. Miller compareceu na condição de advogado do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, sem o conhecimento prévio dos membros que participaram das negociações”, afirmou a PGR.
NA SEMANA SEGUINTE – Apesar da informação sobre a divisão das negociações, Miller voltou à PGR na semana seguinte, no dia 18. Nesse dia não teria participado de nova reunião, uma vez que a banca de que participava trataria apenas do acordo de leniência. Assim, teria sido orientado a se dirigir a outro local, a Procuradoria da República do DF, onde haveria reunião no mesmo dia sobre o tema de sua atuação.
De acordo com o Ministério Público Federal, Marcello Miller estava acompanhado de Francisco de Assis e Silva, advogado da JBS que acabou virando também delator, no dia da reunião. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não teria participado do encontro do dia 11, que teve a presença do seu chefe de gabinete, Eduardo Pelella, e do coordenador do grupo de trabalho da Lava-Jato, Sérgio Bruno Fernandes. A PGR afirma que Janot não esteve com Miller nenhuma vez após a exoneração.
TAMBÉM LENIÊNCIA – “No dia 18/4, houve reunião sobre a parte criminal (acordo de colaboração) na PGR. No mesmo dia, foi agendada reunião na Procuradoria da República no DF para tratar de leniência. No entanto, os escritórios de defesa vieram à PGR. Novamente, foi explicado como seriam conduzidas as negociações, e a banca que defende os interesses do grupo empresarial (Trench, Rossi e Watanabe) foi ao local indicado para tratar sobre leniência”, informou a PGR.
A atuação do ex-procurador na defesa da empresa já foi questionada pelo presidente da República, Michel Temer, que foi um dos alvos da delação de Joesley. Ao se defender dizendo que a denúncia de corrupção contra ele era uma “ilação”, Temer fez ataques a Janot, criticando a atuação de Miller como advogado da JBS. O acordo de delação dos executivos da JBS foi questionado pela existência de cláusulas que lhes garantiram imunidade, ou seja, o benefício de nem sequer serem denunciados pelo Ministério Público.
REGRAS DE SIGILO – O ex-procurador respondeu, por meio de nota, que não participou da negociação da delação premiada dos executivos da JBS. “O advogado Marcello Miller esclarece que, em cumprimento às regras aplicáveis de sigilo profissional, não pode comentar qualquer aspecto de sua atuação. Marcello Miller ressalta, mais uma vez, que não participou de qualquer negociação relacionada com a delação premiada dos executivos da JBS”.
O escritório Trench Rossi Watanabe alegou que o sigilo profissional impede comentários sobre a atuação na advocacia, reiterando apenas que “o escritório foi contratado para trabalhar no acordo de leniência do grupo J&F e não na delação premiada dos executivos da JBS”.
Enquanto as negociações para a delação tramitaram de forma acelerada, as tratativas sobre leniência demoraram mais tempo. A banca em que Miller trabalhava acabou deixando o caso, e no dia 30 de maio o acordo foi fechado pelo escritório Bottini & Tamasauskas Advogados. O grupo que controla a JBS concordou em pagar R$ 10,3 bilhões, em 25 anos.
06 de agosto de 2017
06 de agosto de 2017
Eduardo Bresciani
O Globo
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