"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

O IMPÉRIO DA DEMAGOGIA

Quanto mais leio sobre a democracia, mais confusão encontro a respeito. Assim, parece que a democracia mais que a definição de sistema político, seria um adjetivo do bem como representante da liberdade. Dado que não é uma definição, agora também aparece como representante do populismo. 
Em Foreign Affairs, Fareed Zakaria a dividiu em duas vertentes: uma de direita e outra de esquerda, que afetam hoje a política nos Estados Unidos e na Europa. E por outro lado, também se insiste no capitalismo como o sistema de livre mercado que aparentemente se contradiz com a democracia. A respeito, Mark Blyth, também em Foreign Affairs, diz: “O capitalismo distribui os recursos através do mercado, enquanto que a democracia distribui o poder através dos votos”.

Seguindo com essa teoria, estes seriam dois sistemas distintos que se encontram em conflito. E mais ainda considera que o capitalismo se origina na Mesopotâmia. Desde meu ponto de vista, estes acertos sobre o capitalismo contêm dois erros básicos. Em primeiro lugar, o mercado é a conseqüência do sistema ético, político e jurídico que o reconhece. 

Onde não se respeita o direito de propriedade nem o direito à busca da felicidade, o mercado não existe. Em uma segunda instância é desconhecer que o capitalismo, assim denominado por Marx, começa tão-só há uns duzentos anos. 
Como bem diz William Bernstein em seu livro “The Birth of Plenty”, até duzentos anos atrás o mundo vivia como vivia Jesus Cristo. Assim Marx reconheceu no “Manifesto Comunista”: “A burguesia durante seu governo de escassamente cem anos, criou mais massiva e mais colossais forças produtivas do que todas as gerações precedentes juntas”.

Hoje, o Marx que se reconhece é o que desqualificou eticamente o capitalismo como a exploração do homem pelo homem, e essa desqualificação se reconhece como a criação da desigualdade da riqueza. 

Esta ética conceitual é a que determina a política do socialismo, que hoje se reconhece como o estado de bem-estar. Essa confusão ética tolera um gasto público que ronda 50% do PIB, que constitui a violação fática do direito de propriedade através dos elevados níveis de impostos. 
Esse socialismo hoje é democrático, pois como advertiu Eduard Bernstein em sua discussão com Lenin, se podia chegar ao socialismo sem revolução e democraticamente. 
Em outras palavras, diria que Aristóteles está presente em função da demagogia que entranha o socialismo, que agora se pretende reconhecer como populismo. Este novo vocábulo, a meu ver, implica numa desqualificação do socialismo original.

Há algum tempo descrevi o populismo como o socialismo antes do desenvolvimento. 

Ou seja, o socialismo impede o crescimento, como hoje o podemos ver na União Européia, enquanto que o populismo impede o desenvolvimento. E assim podemos ver, por meio da China, que não são os votos que determinam o crescimento econômico. Vou insistir então na confusão presente na denominada democracia, cuja identidade se limita à aura dos votos. 
Ignora-se a respeito a predição de John Locke: “O que importa não é a lei, senão quê lei”. E vou lembrar a respeito as palavras de Von Hayek: “Não é a mesma coisa uma lei que regula o trânsito, de uma que diz onde devemos ir”. Outro é o caso da aparentemente desconhecida Rule of law, que foi a denominação dada pelos Founding Fathers nos Estados Unidos, ao sistema que permitiu a liberdade e a criação de riqueza pela primeira vez na história.

Seguindo com a proposta de Locke, nos encontramos ante as instituições. E é aqui que surge novamente a confusão dialética. O que importa não são as instituições, senão quê instituição. A única instituição que permite a liberdade ao mesmo tempo que a criação de riqueza é o Rule of Law. Quer dizer, onde se respeitam os direitos individuais, que não são os direitos humanos, e se limita o poder público, ante a consciência da natureza humana. 
O Kremlin também é uma instituição, e lembremos que o Vaticano também é uma instituição que por séculos impôs a Inquisição. Voltando então à democracia, podemos ver que a Carta 10 d’O Federalista de James Madison diz: “Homens de intriga facciosa, mediante a corrupção e outros meios, primeiro obtêm os sufrágios e depois traem os interesses do povo”. 
E continuando nessa linha, Alexander Hamilton escreveu: “Uma perigosa ambição mais amiúde subjaz detrás da enganosa máscara dos direitos do povo”.

O certo parece ser que o mundo ocidental está por um lado confundido e pelo outro ameaçado pela demagogia. Demagogia que hoje, para mais confusão, se considera como o populismo de esquerda e de direita. 
Por isso, igualmente em Foreign Affairs Mark Blyth escreveu O capitalismo em crise. Segundo seu critério, a crise do capitalismo é causada pela aparente contradição entre o capitalismo e a democracia, via o populismo de esquerda e de direita. Ou seja, tal como me referi em meu artigo anterior a respeito das eleições presidenciais nos Estados Unidos, entre a Nação (Trump, direita) e o povo (Hillary, esquerda).

A outra confusão presente é a que se refere aos valores, sob a suposição de que a política se baseia na moral. Assim se esquece o paradigma que David Hume faz entre a moral e a justiça. 
A respeito, ele reconheceu que em alguns casos a moral entranha uma violação da justiça. Sobre isso, escreveu: “Se os homens fossem generosos e a natureza pródiga, a justiça não teria razão de ser, pois seria inútil”. 
Precisamente a sabedoria do sistema do Rule of Law partiu do reconhecimento da natureza humana, e em função da mesma Madison escreveu: “Se os homens fossem anjos o governo não seria necessário”. 
E precedentemente Locke havia tomado consciência de que os monarcas também são homens, portanto, havia que limitar as prerrogativas do rei.

E por último, vou me referir à outra confusão que é a suposição de que é a cultura quem define o sistema da liberdade e da criação de riqueza. Se cultura é, como diz o Dicionário da Academia da Língua Espanhola: “Resultado ou efeito de cultivar os conhecimentos humanos e de se afirmar por meio do exercício as faculdades intelectuais do homem”. Insisto, pois, que a cultura é a conseqüência e não a causa do sistema que determina comportamentos. 
Foi só a partir da Constituição de 1787 que os Estados Unidos conseguiram impor o sistema que o projetou às alturas da história. E a demagogia Aristóteles a descobriu e descreveu há 2.500 anos e está presente no século XXI.


29 de novembro de 2016
Armando Ribas
Tradução: Graça Salgueiro

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